terça-feira, 10 de maio de 2016

Utilidade, privilégio e abuso de colégios com contrato de associação


Meu artigo saído hoje no Público

Toda a instituição começa por três estágios: 
utilidade, privilégio e abuso”. 
François Chateaubriand. 

Numa altura em que surgem notícias em catadupa nos media e manifestações na via pública de professores e alunos unidos (para não serem jamais vencidos?) em defesa dos colégios com contrato de associação com o Estado, de estranhar seria o meu silêncio, depois de ter escrito neste jornal três artigos de opinião sobre esta controvérsia que sob a capa de interesse público oculta, inevitavelmente, interesses de negócios privados.

Passo a enumerar esses artigos:
- “Ensinos oficial, convencionado e privado” (13/11/2013),
- “Suspeitas sobre os colégios do grupo de ensino GPS” (11/02/2014) e
- “A polémica sobre escolas privadas com contrato de associação” (13/10/2015).

Entretanto, numa longa e envolvente polémica que põe de parte o papel dos colégios privados tout court, continuam a pronunciar-se várias entidades que, como diria Aquilino Ribeiro, trazem às costas a mochila do regimento. E neste dize- tu, direi- eu, vai-se esquecendo o verdadeiro papel do ensino privado com contrato de associação porque descontextualizado da sua finalidade de alternativa ao ensino público inexistente em determinadas zonas do país.

Nunca em satisfação de famílias que gostam de blasonar, sem qualquer dispêndio para os seus mais ou menos rendosos proventos, o facto de terem os filhos a estudar em colégios à custa do cofres públicos, o dinheiro dos impostos de todos nós.

E se o riso é a forma mais corrosiva de crítica, como reconheceu o próprio Eça, ocorre-me a expressão humorística que circulou em Portugal de uma personagem da televisão brasileira: “Estão mexendo no meu bolso!”

Em plena época de grave crise económica, prover uma situação de favor para o ensino privado, pago integralmente pelo erário público, é uma forma de transformar o ensino oficial num barco em perigo de adernar sob o falacioso argumento de uma melhor qualidade do ensino convencionado sem ter em conta que este tipo de magistério tem a faculdade de selecionar os seus alunos e, em acrescento de benefícios, os pais, porque desonerados de mensalidades pesadas, poderem, ipso facto, pagarem aos filhos explicações a várias disciplinas do currículo escolar.

Ou seja, só os mais ingénuos, ou pessoas com vendas nos olhos, acreditarão que os colégios com contratos de associação são frequentados, na sua maioria, por alunos em que o respectivo nível socio-económico é idêntico à generalidade dos alunos do ensino oficial, estando ambos, consequentemente, em igualdades circunstanciais no que respeita à influência de um factor decisivo para a melhoria do respectivo rendimento escolar, como o comprovam diversos estudos publicados recentemente.

Como escreveu Alfred Montapert, “tudo o que excede o limite da moderação tem uma base instável”. E não excederá o limite da moderação evocar o desemprego dos professores dos colégios convencionados sem ter em conta igual situação de desemprego para os docentes das escolas oficiais transformadas em verdadeiros elefantes brancos com instalações faraónicas (carenciadas de alunos e, ipso facto, com professores com horário zero) construídas no consulado de José Sócrates, enquanto antigos e prestigiados liceus e escolas técnicas, crismadas hoje de escolas do ensino secundário, se encontram a cair aos bocados como, por exemplo, a Escola Secundária de Camões, em Lisboa, em que chega a chover dentro das próprias instalações.

E porque a lembrança dos homens é, por vezes, desmemoriada, recorde-se o apoio “sem rei nem roque” aos colégios convencionados situação que motivou uma corajosa reportagem na TVI da autoria da jornalista Ana Leal e que mereceu deste órgão de informação escrita a notícia: “A Polícia Judiciária (PJ) realizou esta terça-feira uma operação que envolveu mais de cem inspetores que visou o grupo de ensino GPS (Gestão e Participações Sociais), detentor de 26 colégios, entre os quais 14 que recebem apoio do Ministério da Educação.

Em investigação, apurou o PÚBLICO estão crimes de corrupção e branqueamento de capitais” (PÚBLICO, 22/01/2014). Independentemente do que venha a ser apurado ou se tenha, porventura, já apurado ou mesmo não apurado, como diz o povo que paga os seus impostos e a quem, como tal, deve ser dada conta da respectiva aplicação, não há almoços grátis.

Mas há, isso sim, escandalosas benesses pagas com o sacrifício impiedoso de uma sacrificada classe média entalada entre pobres e ricos diferentes de todos nós porque pagam menos impostos, como sentenciou Peter Vries.

Perante as lamúrias dos colégios com contrato de associação que se dizem em risco de sobrevivência (de que resguardo, tão-só, a validade do argumento que as regras do jogo não devem ser mudadas a meio do respectivo decurso), impus a mim mesmo uma quarta vinda a terreiro em defesa de uma escola pública que formou, e deve continuar a formar, personagens que se têm distinguido no panorama da vida política, social, económica, científica e cultural da vida portuguesa.

A exemplo da académica Maria Filomena Mónica, todos nós, em dever de cidadania, não podemos, deixar, outrossim, de nos interrogar: “Deve ou não o Ministério da Educação subsidiar as escolas privadas que são frequentadas por meninos ricos, cujos pais têm dinheiro? Para que é que o Estado está a subsidiar?” (“Jornal i “, 29/08/2015).

As soluções inadiáveis para as interrogações atrás levantadas cabem por inteiro, e sem tibiezas, aos poderes políticos sem o recurso habitual a que se mude alguma coisa para que tudo fique na mesma, como o acontecido na solução encontrada por uma personagem de Giuseppe di Lampedusa no livro “O Leopardo”.

2 comentários:

Céu Gonçalves disse...

Um óptimo artigo.

Rui Baptista disse...

Grato pelo comentário. Neste caso, como em outros idênticos ou semelhantes, entendo dever sempre prevalecer o a força do Direito ao direito da força emergindo ela de manifestações de rua dos interessados ou de forças sindicais.

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