sábado, 10 de outubro de 2015

POUCO PODE UM (BOM) PROFESSOR

No espaço da União Europeia e da OCDE, certas decisões sobre a educação escolar são, em grande medida, traduzidas e conduzidas por slogans.

Slogans que, em geral, são extraídos de sínteses de estudos alargados, realizados por entidades que se apresentam como independentes e competentes, sobre questões relevantes sob o ponto de vista social, económico e político. São, digamos, ideias principais desses estudos que importa promover.

Entre os mais recentes, e que mais ficaram nos nossos ouvidos, contam-se os seguintes:

- "Nenhum aluno pode ser deixado para trás", da época Bush, que depressa percorreu toda a América do Norte e do Sul e atravessou o Atlântico.

- "A escola faz a diferença", introduzido e reiterado pelo Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA), e repetido até à exaustão nos relatórios dos mais de setenta países que o têm acolhido.

O problema destes e de outros slogans é que não estando errados também não estão certos: forçam a realidade e/ou reduzem-na a um único factor, no qual, num determinado momento, por esta ou por aquela razão, é preciso focar a atenção de todos, eventualmente desviando-a de outros factores tão importantes como aquele que se destaca.

Devo dizer que há um slogan que me incomoda de maneira muito particular, até pelos estragos que já fez em décadas passadas quando surgiu na dita literatura pedagógica:

- "O professor faz a diferença".

Pode surgir isolado ou especificado: não são os programas das disciplinas que fazem a diferença, não é a organização da escola que faz a diferença, não são as competências de partida dos alunos que fazem a diferença, não é o número de alunos por turma que faz a diferença... etc.
(A propósito de um estudo recentemente divulgado em Portugal, a imprensa tem ampliado este slogan numa versão ultimamente muito repetida, defendida por uns e contestada por outros: não é o número de alunos por turma que faz a diferença mas, sim, o professor. Veja-se este título: Sucesso escolar não depende da dimensão das turmas, o segredo está no professor. Destaco a palavra "segredo")
Ora, a investigação sobre o ensino e a aprendizagem, realizada ao longo de várias décadas, ainda que não tenha conseguido resolver a questão fundamental do que é "bom professor", corrobora, pelo menos desde os anos de 1950/1960, a ideia de que o professor com uma formação científica, pedagógica, didáctica e ética de excelência faz a diferença; o problema é que esses estudos também informam que esse professor sozinho não faz a diferença, pode até nem fazer diferença nenhuma.

Aliás, nas condições em que os professores trabalham, mesmo que assim qualificados e movidos pelo propósito de ensinar para que os alunos aprendam, arrisca-se a ser visto como um perturbador do sistema (em primeiro lugar do sistema labiríntico em que a escola se tornou).

E tantas vezes se lhe faz perceber isso que ele, humano como é, desiste!

A realidade em pedagogia, tal como noutra área em que se lida com pessoas, é um bocado mais complexa do que um slogan deixa perceber.

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