quarta-feira, 22 de abril de 2015

Rainer Maria Rilke: Poema Do Livro de Horas


Rilke pensava que o caminho, para Deus, era o da pobreza e da miséria. Em seus poemas, via os pobres a multiplicarem-se. No Livro de Horas, esta ideia está presente; assim como o ódio que o poeta tinha às elites das grandes cidades, à corrupção e aos vícios das mesmas. As viagens que fizera à Rússia, com Lou Andreas-Salomé, foram determinantes na consolidação do seu pensamento.
O poeta não se enganara – os pobres crescem, hoje, como bagas de floresta. E Deus talvez esteja em boa companhia.






Quando alguma coisa me cai da janela
(mesmo que fosse a coisa mais pequena)
como se precipita a lei da gravidade
violenta como um verbo do mar profundo
sobre cada bola e cada baga à vontade
e a transporta para o cerne do mundo.
 

Cada coisa é vigiada
por bondade pronta a voar
como cada pedra e cada flor
e cada criança pequena de noite guardada.
Apenas nós nos apressamos, na nossa amabilidade,
a partir de alguns enquadramentos
para o espaço vazio de uma liberdade,
em vez de, entregues a forças prudentes
como uma árvore nos ergueremos.
Em vez de nos trilhos mais distantes
serena e voluntariamente nos dispormos,
enlaçamo-nos em muitas variantes,
e quem se exclui desse em conjunto viver,
anonimamente só acaba por se ver.

 
Então tem de todas as coisas aprender,
como uma criança começar,
porque elas no coração de Deus estavam a pender,
dele não se vieram afastar.
Uma coisa terá de voltar a poder:
pacientemente no peso descomprimir,
que se atreveu a todos os pássaros no ar
no seu voo antecipar.
 

(Pois também os Anjos deixam de voar.
A pássaros pesados assemelham-se os Serafins,
que à volta dele se sentam e meditam;
a destroços de pássaros,
pinguins assemelham-se quando definham…)

1 comentário:

regina disse...

Este era um dos poemas com que, por vezes iniciava a Mecânica no 12º ano. É belíssimo.
Mais uma belíssima escolha.
Regina Gouveia

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