quarta-feira, 18 de março de 2015

A PÉROLA DE EULER

Extracto do Cap.  1 do livro "A Pérola de Euler", de David S. Richeson, a sair muito em breve na colecção "O Prazer da Matemática" da Gradiva (em primeira mão para os leitores deste blogue, com a amável autorização da editora):


«Leiam Euler, leiam Euler, ele é o mestre de todos nós.»
 — Pierre-Simon de Laplace

"Estamos habituados a hipérboles. Os anúncios de televisão, outdoors, os comentadores desportivos e os músicos famosos usam frequentemente expressões sensacionais, como o maior, o melhor, o mais inteligente, o mais rápido ou o mais brilhante. Sendo usados no processo normal de vender um produto ou entreter o espectador, estas expressões perderam o seu significado literal. Assim, quando afirmamos que Leonard Euler foi um dos mais influentes e prolíficos matemáticos que o mundo alguma vez viu, o leitor poderá revirar os olhos, com enfado. Mas não estamos a exagerar a verdade. Euler é considerado, juntamente com Arquimedes (287-211 a. C), Isaac Newton (1643-1727) e Carl Friedrich Gauss (1777-1855), um dos dez — ou mesmo cinco — mais importantes matemáticos da história. 

Ao longo da sua vida de 76 anos, Euler concebeu matemática suficiente para preencher 74 volumes substanciais, mais páginas do que qualquer do que qualquer outro matemático Quando a totalidade do seu trabalho foi finalmente publicada (novos materiais continuaram a aparecer decorridos 79 anos após a sua morte) verificou-se que este chegou aos 866 artigos, em que se incluem artigos científicos «, livros sobre a maioria dos temas tratados na época, livros didácticos, livros elementares para não especialistas, e manuais técnicos. Estes números não levam em conta os quinze volumes planeados, de correspondência e outros cadernos de apontamentos, que ainda estão a ser compilados. 

A importância de Euler não é devida à sua produtividade volumosa, mas às contribuições fundamentais e inovadoras que fez na matemática. Euler não se especializou numa área particular. Ele foi um dos grandes generalistas: o seu conhecimento estendia-se por várias disciplinas. Publicou artigos e livros com grande influência em análise, teoria dos números, análise complexa, cálculo, cálculo de variações, equações diferenciais, teoria das probabilidades e topologia. Esta lista não inclui as suas contribuições para algumas disciplinas aplicadas tais como a óptica, electricidade e magnetismo, mecânica, hidrodinâmica e astronomia. Além disso, Euler possuía uma característica que era, e ainda é, rara entre os investigadores de topo: ele era também um divulgador de primeira categoria. Ao contrário dos matemáticos que o precederam, Euler escrevia usando uma linguagem clara e simples, tornando o seu trabalho acessível tanto a especialistas como a estudantes. 

Euler era um homem gentil e despretensioso cuja vida foi centrada em torno da sua grande família e do seu trabalho. Viveu na Suíça, Rússia, Prússia, e depois novamente na Rússia, e manteve uma correspondência frequente com muitos pensadores importantes do século XVIII. A sua vida profissional ficou ligada aos três grandes governantes da Europa, Pedro, o Grande, Frederico, o Grande, e Catarina, a Grande. Os legados destes líderes incluem a criação ou revitalização das respectivas academias nacionais de ciência. Estas academias forneceram as condições materiais para que Euler dedicasse o seu tempo à investigação em ciências puras. Em troca, apenas se esperava dele o uso ocasional dos seus conhecimentos científicos para os assuntos do Estado, e o reconhecimento internacional que o seu trabalho trazia para a nação. 

Leonhard Euler nasceu em Basileia, Suíça, a 15 de Abril de 1707, filho de Paul Euler e Marguerite Brucker Euler. Pouco depois, a família mudou-se para a cidade vizinha de Riehen, onde Paul foi designado pastor da igreja calvinista local. 

Os primeiros ensinamentos matemáticos que Leonhard teve foram dados pelo seu pai. Apesar de Paul não ser matemático, ele havia estudado matemática com o famoso Jacob Bernoulli (1654-1705). Esta instrução teve lugar quando os jovens Paul e Johann Bernoulli (1667-1748), irmão mais novo de Jacob, ambos estudantes na Universidade de Basileia, viviam na casa de Jacob. Jacob e Johann Bernoulli foram membros do que se viria a tornar uma das famílias de matemáticos mais respeitadas de sempre. Por mais de um século o clã Bernoulli desempenhou um importante papel no avanço da matemática, tendo pelo menos oito Bernoullis realizado contribuições duradouras. 

 Leonhard começou os seus estudos formais na Universidade de Basileia, aos catorze anos. Não era uma idade muito precoce para um estudante universitário naquela altura. A universidade era muito pequena — tinha apenas algumas centenas de alunos e dezanove professores. Paul Esperava que o seu filho seguisse uma carreira religiosa, para a qual Leonhard tinha estudado teologia e hebraico. Mas as suas capacidades matemáticas eram inegáveis , e ele rapidamente chamou a atenção do amigo do seu pai, Johann Bernoulli. Nessa altura Johann era um dos matemáticos mais proeminentes da Europa. 

 Johann era um homem arrogante, brusco e as suas características competitivas tinham produzido rivalidades históricas (entre outros, com o seu irmão e com um dos filhos). Apesar disso, reconheceu o notável talento do menino e encorajou-o a continuar os estudos em matemática. Euler escreveu na sua autobiografia: Quando me deparava com algum obstáculo ou dificuldade, foi-me dada autorização para vista-lo todos os sábados da parte da tarde e ele gentilmente explicava-me tudo o que eu não podia entender.» Estas lições desempenharam um papel importante na maturação das capacidades matemáticas de Euler. 

Apesar de Leonhard se distinguir nos seus estudos particulares de matemática, Paul Mantinha a esperança de que os eu filho entrasse no Ministério. Com dezassete anmos, Eulerb terminou o seu mestardo em filosofia,. Johann temeu a grande perda que seria para a matemática se o seu protegido se virasse para a Igreja, e interveio dizendo a Paul, em termos inequívocos, que Leonhard tinha o potencial de se tornar um grande matemático. Devido ao seu gosto pela matemática, Paul cedeu. Apesar de Euler ter abandonado os estudos religiosos, permaneceu um devoto calvinista ao longo de toda a sua vida. 

O primeiro sucesso, conseguido de forma autónoma, de Euler na matemática ocorreu quando tinha dezanove anos de idade. O seu trabalho teórico sobre a colocação ideal de mastros num navio garantiu-lhe uma «menção honrosa» numa prestigiada competição patrocinada pela Academia das Ciências de França. Esta façanha seria extraordinária para qualquer matemático, mas era ainda mais especial para um jovem suíço que nunca tinha visto um navio no oceano. Euler não ganhou o primeiro prémio desta competição, o que teria sido equivalente a ganhar um Prémio Nobel nos dias de hoje, mas nos anos seguintes ser-lhe-iam atribuídas as mais altas honras em doze ocasiões. 

 Na época do nascimento de Euler, a mil quilómetros a nordeste de Basileia, o czar russo Pedro, o Grande (1672-1725) estava a construir a cidade de São Petersburgo. Esta foi fundada em 1703 no pântano onde o rio Neva corre em direcção ao mar Báltico. Pedro usou trabalho forçado para construir a cidade, estrategicamente localizada na fortaleza de Pedro e Paulo numa ilha do Neva. Ele adorava a nova cidade, chamando-a o seu «paraíso» e deu-lhe o nome do seu santo padroeiro. Apesar do facto de a Maioria dos russos, especialmente os oficiais do governo, não compartilharem o mesmo gosto de Pedro por este lugar frio e húmido, ele mudou a capital russa de Moscovo para São Petersburgo. O jovem Euler não fazia ideia de que esta cidade seria a sua casa durante grande parte da sua vida. 

 Pedro, o Grande, uma figura fisicamente imponente com quase dois metros de altura, foi o líder enérgico, autodidacta e determinado da Rússia entre 1682 e 1725. Conhecido como um reformador implacável, ele começou a transformação do seu país de uma nação agrária e feudal, dominada pela Igreja, num poderoso império. O seu objectivo de modernizar — isto é, de ocidentalizar — o governo russo, a cultura, a educação, as forças armadas, e a sociedade em geral foi, em grande parte, concretizado. Como um historiador russo escreveu: «De repente, saltando por cima de várias épocas escolásticas, a Renascença e o Reformismo, a Rússia passou de uma civilização paroquial, eclesiástica e quase medieval, directamente para a Idade da Razão» 

Como parte do processo de ocidentalização, Pedro queria reformar o sistema de educação da Rússia, inexistente antes do seu reinado, com excepção do ensino mínimo facultado pela poderosa Igreja Ortodoxa. Como resultado, a Rússia não tinha cientistas. Por causa da forte presença Da Igreja, os russos tinham medo de explicações científicas do mundo, preferindo as tradicionais explicações religiosas. Pedro reconheceu a necessidade de melhorar a imagem internacional da Rússia, e de dissipar a ideia de que os russos desprezavam a ciência. Ele também sabia que um Programa para a Ciência era crucial para a criação e manutenção de um Estado poderoso. 

Pedro visitou a Royal Society de Londres e a Académie des Sciences de Paris, ambas fundadas em 1660. Ficou impressionado com o que viu. Ele também admirava a nova Academia de Ciências de Berlim, fundada em 1700, segundo uma proposta de Gottfried Leibniz (1646-1716). Leibniz é o famoso matemático que, a par de Isaac Newton, é considerado o inventor do cálculo. Estas academias não eram universidades; elas «dedicavam-se à busca de novos conhecimentos e não à comunicação do conhecimento existente». Os membros das academias eram investigadores, não professores; o seu objectivo principal era o avanço do conhecimento. 

 Pedro queria fundar uma academia, como as de Paris, Londres e Berlim, e queria estabelecê-la na sua nova cidade de São Petersburgo. De modo a aconselhar-se, ele contactou Leibniz. Durante quase duas décadas, Pedro e Leibniz mantiveram longas conversas, tanto por meio de cartas como presencialmente, sobre a reforma da educação e sobre a criação de uma academia de ciências. 

 Em 1724, Pedro tinha finalizado os seus planos para a criação da Academia de Ciências de São Petersburgo; este foi o projecto final e o mais ambicioso na sua busca para melhorar o sistema de educação da Rússia. No entanto, ele não podia criar a sua academia de forma exactamente igual às academias europeias. Como a Rússia não tinha cientistas nativos, ele teria que persuadir talentosos cientistas estrangeiros a mudarem-se para São Petersburgo. Do mesmo modo, como a Rússia não tinha sistema universitário, a Academia de Ciências deveria funcionar também como uma universidade. Parte do mandato da Academia seria o de treinar russos nas ciências, para que a Academia não tivesse que contar sempre com estrangeiros. 

 Pedro nunca viu os frutos do seu trabalho, pois morreu no início de 1725. Graças à nova imperatriz, a segunda esposa de Pedro, Catarina I (1684-1727), os planos da Academia continuaram. Estudiosos estrangeiros começaram a chegar decorridos alguns meses após a morte de Pedro, e a Academia das Ciências realizou a sua primeira reunião ante do final do ano. Pedro teve a sorte de Catarina adoptar o projecto da Academia. Nos anos que se seguiram, a Academia não esteve sempre abençoada por governantes entusiastas. Durante os 37 anos entre a morte de Pedro e a coroação de Catarina, a Grande (1729-1796), a Rússia foi conduzida por seis governantes, e a Academia esteve sempre à mercê destes indivíduos poderosos e opinativos. 

Inicialmente, a Academia contava com dezasseis cientistas: treze alemães, dois suíços, um francês — e nenhum russo. A grande presença alemã e a ausência de russos constituiria, mais tarde, um foco de tensão. Por causa do clima frio, do local remoto, e do isolamento académico, era necessário proporcionar altos salários e alojamento confortável para atrair os cientistas para São Petersburgo. A nova academia era pequena, mas rapidamente cumpriu a sua promessa de se tornar uma importante instituição científica reconhecida internacionalmente. Com o passar do tempo, tornou-se o centro do mundo académico e científico da Rússia. Esta Academia de Ciências mudou várias vezes de nome, mas ainda hoje existe e é conhecida como a Academia Russa de Ciências. Dois dos investigadores estrangeiros que se tornaram as estrelas desta Nova instituição eram amigos de Euler: os filhos de Johann Bernoulli, Nicolaus (1695-1726) e Daniel (1700-1782) Bernoulli. Os dois irmãos tinham conversado com Euler sobre a Academia antes de saírem da Suíça, e prometeram assegurar-lhe uma posição tão depressa quanto possível. Após a sua chegada à Rússia, começaram logo a fazer campanha, junto dos administradores da Academia, no sentido de contratar o seu jovem e brilhante amigo. Esta campanha teve rapidamente sucesso. Em 1726, ofereceram a Euler uma posição na Secção de Medicina e Fisiologia. Infelizmente, Euler não pôde desfrutar plenamente nem comemorar esta emocionante oferta de trabalho. Esta proposta seria para preencher a vaga deixada livre pela trágica e inesperada morte de Nicolaus. 

Euler ficou muito grato por este emprego, mas não se mudou imediatamente para a Rússia. Havia duas razões que o levavam a permanecer em Basileia e deixar o seu novo trabalho em espera. Em primeiro lugar, tinha acabado de aceitar um emprego em medicina, apesar de possuir um conhecimento mínimo na área. Assim, decidiu continuar na Universidade de Basileia enquanto estudava anatomia e fisiologia. Em segundo lugar, preferiu adiar a decisão por algum tempo e esperar para saber se lhe seria oferecido um lugar no Departamento de Física na Universidade de Basileia. Na Primavera de 1727, quando soube que não tinha sido escolhido para esse cargo, partiu então rumo à Rússia. Assim começou a sua estadia em São Petersburgo, onde viveria nos 14 anos seguintes e, mais tarde, durante os seus últimos 17 anos de vida. 

A viagem de Euler até São Petersburgo por barco, a pé e carruagem durou sete semanas. No dia em que ele finalmente pisou o chão da Rússia, a imperatriz Catarina I faleceu, após governar por apenas dois anos. O destino da nova Academia era incerto. Aqueles que comandavam o país em nome do czar Pedro II (1715-1730), de 11 anos de idade, neto de Pedro, o Grande, viam a Academia como um luxo dispensável e consideraram fechar as suas portas. Felizmente, a instituição manteve-se aberta, e, na confusão que se seguiu, Euler acabou por ficar onde naturalmente pertencia – a Secção de Física-Matemática, e não na Secção de Medicina. Este primeiro ano da carreira matemática de Euler, 1727, foi também o ano em que o gigante matemático Isaac Newton morreu. 

A vida na Academia era difícil no tempo de Pedro II; desta forma, após a morte do czar aos quinze anos de idade, em 1730, os seus membros esperavam que a sorte melhorasse. A Academia estaria um pouco melhor durante o reinado de dez anos de Anna Ivanovna (1693-1740), mas as condições na Rússia tornaram-se desoladoras. Anna conduziu o seu governo com uma forte influência alemã, principalmente através do seu amante Earnst-Johann Biron (1690-1772). Biron era um tirano cruel que mandou executar vários milhares de russos, e exilar outras dezenas de milhares para a Sibéria. Os alvos de Biron incluíram criminosos comuns, os crentes da Igreja Ortodoxa Russa e os adversários políticos de Anna. Mais tarde, em Berlim, a Rainha -mãe da Prússia perguntou a Euler por que razão era ele tão taciturno. Ele respondeu: «Cara Senhora, é porque eu acabo de vir de um país onde quem fala é enforcado.» 

 Em 1733, já cansado do difícil estilo de vida russo e da política interna da Academia, Daniel Bernoulli regressou à Suíça e, com os seus 26 anos, Euler tomou a posição de Daniel como matemático principal. 

 Nesta altura, Euler pensava que podia ficar na Rússia por um longo período de tempo, talvez para o resto da sua vida. Com a excepção das dificuldades impostas pelo clima político na Rússia, Euler achava a vida confortável. Ele tinha adquirido um bom domínio da língua russa, e sentia-se financeiramente seguro graças a uma salário mais elevado, que resultou da sua promoção. Assim, em 1733, decidiu casar-se com Katharina Gsell, que tinha sido trazida para a Rússia por Pedro, o Grande. Leonhard e Katharina formaram uma grande Família, e chegaram a ter treze filhos. Como não era raro naquela época, apenas cinco filhos sobreviveram após a infância, e apenas três viveram até mais tarde do que os seus pais. 

A vida de marido e pai não abrandou o ritmo de publicações de Euler. Tanto agora como noutros períodos da sua vida profissional, ele permanecia um investigador extremamente activo. É difícil exagerar a produtividade maciça de Euler. Lendas matemáticas dizem que ele conseguia escrever artigos científicos enquanto andava com um bebé ao colo, e que podia compor um tratado entre as primeiras e segundas chamadas para o jantar. Ele escreveu sobre tudo e sobre mais alguma coisa. Produziu obras-primas, notas curtas, correcções, explicações, resultados parciais, ideias de demonstrações, textos introdutórios e livros técnicos. 

Não havia revés capaz de fazer Euler abrandar. Nem mesmo a cegueira foi suficiente para impedir o fluxo da sua produção matemática. Em 1738, adoeceu depois de dedicar três longos dias de trabalho a um problema de Astronomia. Embora a medicina moderna ponha causa a seguinte a afirmação, acreditou-se durante muito tempo que a doença teria sido causada pela deterioração da sua visão, que culminou na perda completa da vista do seu olho direito. Euler aceitou a perda da visão como mais um passo no seu caminho. Na sua maneira de ser, geralmente modesta, comentou: «Agora vou ter menos distracções.» Mais tarde, perdeu a visão do seu outro olho, e viveu em escuridão quase total nos seus últimos 17 anos de vida. Apesar de não poder ver, continuou a fazer importantes contribuições matemáticas até ao dia da sua morte. 

Parecia que o cérebro de Euler estava afinado para fazer matemática de uma forma que outros cérebros não estão. Ele era capaz de manipular várias noções abstractas em simultâneo, e conseguia realizar cálculos mentais surpreendentes. Numa famosa história, dois alunos de Euler precisavam de adicionar 17 termos fraccionários, e os resultados obtidos por eles não coincidiam. Euler imediatamente efectuou a soma de cabeça e resolveu o diferendo, fornecendo a resposta correcta. Tal como o matemático François Arago (1786-1853) famosamente escreveu, «Euler calculava sem esforço aparente, tal como os homens respiram, ou as águias se sustentam com o vento”. Modestamente, Euler afirmava que a sua capacidade de manipular símbolos substituía o raciocínio, dizendo que o seu lápis o superava em inteligência. 

 Euler era igualmente abençoado com uma memória incrível. Ele Memorizava inúmeros poemas de do início ao fim; desde criança até à sua morte era capaz de recitar a Eneida de Virgílio, sendo capaz de recordar a primeira e a última frase de qualquer uma das suas páginas. Um exemplo mais matemático da sua memória prodigiosa era a sua capacidade de indicar rapidamente as seis primeiras potências dos primeiros cem números. Para pôr isto em perspectiva, observe-se que a sexta potência de 99 é o número 941 480 149 401. 

 Durante a sua permanência em São Petersburgo, Euler dedicou algum do seu tempo a projectos para o Estado. Em 1735, foi nomeado director da Secção de Geografia da Academia, tendo posteriormente feito contribuições importantes para a criação de um mapa, muito necessário, da Rússia. Escreveu também um livro de dois volumes sobre construção naval que foi tão apreciado que a Academia decidiu duplicar-lhe o seu salário nesse ano. 

 Enquanto Euler gozava de uma produtividade notável, uma vida familiar feliz, e um salário considerável, as condições na Rússia continuavam a piorar. A atmosfera na Academia tornou-se muito tensa, até mesmo hostil. A maioria dos membros seniores da faculdade eram alemães, e ainda havia uma reduzida presença de russos. Nos primeiros 16 anos de existência da Academia, apenas um russo foi tornado membro, sendo membro auxiliar que nunca foi promovido a professor. Os russos estavam incomodados com o poder dos alemães e algumas opiniões anti-alemãs foram expressas abertamente. Felizmente, o calmo e reservado Euler foi capaz de manter-se neutro na política interna da Academia, embora tenha tornado a sua vida de trabalho bastante tensa. 

Com a presença de Biron e do grupo alemão nos governos de Anna, o medo e aversão aos alemães continuaram a aumentar no seio da população russa, No final de 1740, pouco antes da sua morte, Anna nomeou Biron como regente do seu sucessor, Ivan VI (1740-1764) que tinha dois meses de idade. Após a morte de Anna, a animosidade dos russos para com os alemães atingiu o clímax — em apenas um mês, Biron foi derrubado, e um ano mais tarde, Ivan e todo o «grupo alemão» foram retirados do poder. Isabel I (1709-1762), filha de Pedro, o Grande, tornou-se a nova imperatriz. 

 Durante este período, a vida na Rússia tornou-se perigosa, especialmente para os que não eram Russos. Os académicos estrangeiros eram vistos com desconfianças, como possíveis espiões para o Ocidente. Euler reagiu a estas condições mantendo-se quieto e dedicando todo o seu tempo ao seu trabalho e à sua família. Em 1741, Euler já não conseguia tolerar a vida na Rússia por mais tempo, e então decidiu deixar São Petersburgo e ir para Berlim."

1 comentário:

Unknown disse...

Um livro excepcional. Obrigado pela sua inclusão neste blog.

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