sexta-feira, 7 de novembro de 2014

O senhor Justo pode e manda

Artigo de Luís Osório no jornal I sobre a recusa de uma sala da Faculdade de Direito de Coimbra para um debate sobre ideologias:
  
O senhor Justo é apenas uma triste metáfora de um género de homens

O caso de censura na Faculdade de Direito de Coimbra é a prova de que estamos pior do que imaginávamos. Proibir um debate entre Rui Tavares e Pedro Mexia por não desejar abrir as portas a conversas ideológicas é uma vergonha e um embaraço. Tendo em conta que a crise académica de 1969 ali nasceu, muito pelo protagonismo de Alberto Martins e Osvaldo Castro, com as consequências que se conhecem para o marcelismo; tendo em conta que ali se formaram homens e mulheres que combateram pela democracia e contra a democracia, pela República e a favor da monarquia, pela guerra colonial e contra a guerra colonial, pela Europa e contra a Europa, pelo PREC e contra o PREC; tendo em conta tudo isto, é surreal que o senhor António Santos Justo, um obscuro director com uma vontade desgraçada de ser maior do que é, tenha resolvido sair do anonimato para, com estrondo, dizer das suas saudades em relação a outro filho da distinta faculdade: António Oliveira Salazar.

Proibir um debate por ser ideológico é regressar a um tempo em que discutir ideias com mais de três pessoas era subversivo. Mas achar que pode fazêlo, numa faculdade onde o confronto de ideias e a tolerância são ainda mais vitais para a saúde da democracia, é um sinal ainda mais preocupante. Porque se o faz é por achar que o pode fazer. Por achar que as portas da faculdade não se podem abrir para sujeitos radicais ali discutirem política, discutirem ideias que sejam contrárias, à direita ou à esquerda, ao poder dominante, à ortodoxia que o senhor director julga ser a predominante. O senhor Justo é apenas uma metáfora de um género de homens que encontramos em todos os regimes, subserviente em relação aos poderes, quaisquer que eles sejam – por isso mesmo avesso a discussões ideológicas e a ruído de fundo. O que seria deste homem se fosse director com alunos como Mário Soares, Durão Barroso ou Jorge Sampaio? Os três, de uma maneira ou de outra, agitaram as paredes da Faculdade de Direito de Lisboa e lutaram por um regime diferente da verdade que era adquirida pelo statu quo. O que seria de toda esta gente se tivesse conhecido o senhor Justo? E o que seria em Coimbra de Vital Moreira, Gomes Canotilho, Rui Alarcão ou Alberto Martins?

A democracia está doente. Ligada a uma máquina. E perto da máquina estão homens que por sua vontade a desligariam de vez. É preciso cortar o mal pela raiz. Não é admissível, em nome de um regime pelo qual tantos arriscaram a vida, “o pior regime à excepção de todos os outros”, admitir que existam pessoas como o director da Faculdade de Direito de Coimbra. Uma verdadeira vergonha no dia em que foi condecorado Durão Barroso e um mês antes de Soares completar 90 anos.


Jornal I, 2014.11.04

1 comentário:

Ildefonso Dias disse...

Há poucos anos Soares arriscou a sua vida ao circular na A1 a 250 km/h, a dele e a dos outros utentes da via (a multa disse ele: quem a vai pagar é o Estado)... muitos houve que arriscaram a vida e muitos a perderam, mas não foi Mário Soares. O Miguel [Osório] sabe-o perfeitamente.

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