domingo, 5 de outubro de 2014

Uma oportunidade (desperdiçada) para introduzir a aprendizagem da cultura clássica

Artigo que escrevi com Isaltina Martins, professora de Clássicas, e que foi publicado nesta semana no jornal As Beiras. Ainda que ambas tenhamos dúvidas em relação à pertinência das Actividades de Enriquecimento Curricular no 1.º Ciclo, não temos dúvidas nenhumas quanto à possibilidade de elas, a existirem, poderem ser aproveitadas em prol da aprendizagem das crianças em áreas, de facto, relevantes para o seu desenvolvimento e que têm sido progressiva mas assertivamente retiradas do currículo. Entre essas áreas está a cultura greco-latina, que em países congéneres ao nosso, depois de terem sido marginalizadas, estão a ganhar protagonismo desde os primeiros anos de escolaridade.

Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC) no 1.º Ciclo: 
 Oportunidade para uma introdução à Antiguidade Clássica

Além das disciplinas nucleares – Português, Matemática, Estudo do Meio, e Expressões Artísticas e Físico-motoras –, os alunos do 1.º Ciclo podem ter no seu currículo outras componentes lectivas que completam o horário escolar, sobretudo se se trata de um horário alargado, além do que está estabelecido como de frequência obrigatória para todos.

Entre essas componentes estão as AEC, concretizadas a partir de propostas decorrentes da colaboração entre escolas e outros agentes da comunidade, por exemplo, autarquias e associações de pais.

Diz a lei que o seu carácter é facultativo, a sua natureza eminentemente lúdica e cultural; que são privilegiadas as áreas desportiva, artística, científica, tecnológica, de cidadania, e a iniciação a uma língua estrangeira; que devem estar de acordo com o projecto educativo da escola e decorrer de necessidades e/ou interesses específicos. Este articulado transporta-nos imediatamente para a perspectiva das crianças (o que gostam elas de fazer?) ou para o contexto próximo (o que tem sentido no seu espaço vivencial?).

Em muitos casos, estas actividades redundam em rotinas mais do que estafadas, sem valor de aprendizagem, nada acrescentando ao desenvolvimento das capacidades das crianças. São actividades “giras”, no dizer dos adultos, mas mais nada.

O rumo pode e deve ser mudado: estas actividades constituem uma oportunidade privilegiada para as crianças conhecerem o que tem deixado de ser ensinado.

Neste sentido destacamos a introdução às raízes da nossa cultura, a cultura greco-latina. A natureza “eminentemente lúdica” pode ser aproveitada para aprender histórias que fazem parte da cultura ocidental e das quais se extraem muitos ensinamentos.

E nada melhor para encantar as crianças do que as histórias da mitologia grega, a sua relação com o presente, o fascínio da explicação da realidade em confronto com a explicação científica. Seria também uma oportunidade privilegiada para aprofundar a língua portuguesa, e para introduzir o gosto pelas ciências humanas, enfim, o gosto pelo saber.

Sugerimos, pois, a quem tenha responsabilidade por tais actividades que pense no quanto esta ideia beneficiaria as crianças. É que, ao contrário de diversos países, onde a cultura clássica marca presença desde os primeiros anos de escolaridade, no nosso o abandono a que a temos votado é caso único e dramático.
Maria Helena Damião & Isaltina Martins

2 comentários:

Fernando Caldeira disse...

Por uma escola cultural
Nem tudo o que é importante aprender na escola deve ou pode estar dependente de um currículo. É o caso do património cultural que deverá ser apreendido de uma forma diferente da aprendizagem das disciplinas nucleares. Cantar ou dançar, pintar ou esculpir, representar (“fazer teatro”), etc., são actividades humanas diferentes de aprender a escrever ou a fazer cálculos matemáticos. Em todas as culturas e civilizações, numas mais do que noutras, estas actividades fazem mais ou menos parte do dia-a-dia de todos os cidadãos, de todos os níveis etários. Dado que a sua aprendizagem (que inclui aprender a gostar) pode e deve fazer-se através de actividades essencialmente práticas, não dependentes dos conhecimentos anteriores, como acontece nas disciplinas formais, também não faz sentido serem avaliadas da mesma maneira (podendo mesmo não ser) ou estarem sujeitas ao mesmo tipo de selectividade. Uma forma de começar poderia ser a criação de grupos de teatro e/ou grupos corais, e o desenvolvimento de ateliers de pintura e escultura, etc.
Sem aprendizagens deste tipo não será possível a cada criança e jovem encontrar a sua verdadeira vocação (no sentido genuíno do termo), nem a escola poderá promover a formação integral de cidadãos livres (porque conhecedores), e participativos no aperfeiçoamento da sociedade e no desenvolvimento da cultura em que estão inseridos.

Anónimo disse...

Bom para começar é preciso acabar com os traumas das crianças (bébés) logo que são 'abandonados' em creches ou amas para os pais irem trabalhar. Vamos parar de construir as casas pelo telhado. A Escola é um sintoma não a Causa.

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