domingo, 12 de outubro de 2014

Um Nobel para a Educação - 1: O sonho de Malala


Como se sabe, não existe Nobel para a Educação. Porém, neste ano, a Academia Sueca atribuiu um Prémio da Paz que é, no meu entender, um duplo prémio para a Educação. Assim, reconheceu que Paz e Educação se encontram fortemente ligadas.

Os escolhidos foram Malala Yousafzai e Kailash Satyarthi.

Este texto é sobre Malala Yousafzai; um próximo texto será sobre Kailash Satyarthi. Não querendo separar o que os une - uma atitude de preocupação para com a humanidade e, correspondentemente, de recusa da indiferença -, destaco o que vejo de especial na acção de cada um deles.

Malala é uma rapariga paquistanesa de dezassete anos que, neste momento, estuda em Inglaterra.

Quando ainda era criança, e vivia no Pasquistão, ia à escola. Os pais, principalmente o pai, achavam que isso estava certo. Mas, ir para a escola, voltar da escola e estar na escola punha-a todos os dias em perigo de vida. O mesmo acontecia, e acontece, com outras meninas, poucas é certo. E com os professores, também poucos.

Sabendo que a escola pode abrir o espírito e libertar o pensamento, grupos que anseiam, acima de tudo, o poder absoluto, destroem as escolas que identificam e matam quem está ou se aproxima delas. A sua actuação é visível e amedronta.

O que nesta circunstância vejo como extraordinário e, afinal, comovente, é que, não obstante o medo legítimo, alguns pais, alguns alunos e alguns professores recusam-se a abdicar do direito à Educação. A mais das vezes, sem outros recursos que não seja a palavra, encontram-se, quando e onde é possível, para ensinar e para aprender.

Malala ia à escola e, como se isso não fosse suficientemente perigoso num país sitiado, era autora de um blogue onde explicava porque não desistia de querer aprender, porque não queria nem podia abandonar o seu maior sonho: aprender, escrevia, permitir-lhe-ia voar.

O desfecho só podia ser aquele que teve lugar em Outubro de 2012: o autocarro improvisado que transportava um pequeno grupo de alunas foi atacado e ela baleada. Mas sobreviveu e assim que conseguiu falar, continuou a falar...

Em 2013 discursou na Assembleia de Jovens da Organização da Nações Unidas. Desse discurso retive duas passagens que traduzem muito daquilo que, no mundo ocidental, nos esquecemos (e nas quais já me detive: aqui)

Uma passagem é: "estou aqui para defender o direito à educação para todas as crianças". O direito à educação está consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos e também na Declaração Universal dos Direitos da Criança, mas não basta ter uma escola aberta e obrigar os alunos a permanecerem lá por alguns anos para o concretizarmos. Esse direito só é conseguido quando o currículo cumprir a sua finalidade: levar os alunos a adquirem o conhecimento e o discernimento que lhes permita pensar por si, voar, como diz Malala.

Outra passagem é: "um aluno, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo". A educação reduzida ao essencial, ao que não é dispensável e, nessa medida, deveria ser o nosso centro de atenção: quem aprende, quem ensina, um recurso que veicula o conhecimento, e um meio de expressão. Tudo o resto, deveria gravitar à volta destes quatro elementos e nunca, em circunstância alguma, se tornar destaque.

No recente discurso de aceitação do Nobel, Malala disse uma outra coisa fundamental, que está de acordo com a primeira passagem que citei: "Não interessa a cor da pele, a língua que falamos, a religião em que acreditamos, devemos considerar-nos todos seres humanos e devemos respeitar-nos e lutar pelos direitos das crianças, das mulheres e de todos os seres humanos”. No ocidente, temos estado virados para o sagrado "direito à diferença" significando isto que todas as diferenças são igualmente respeitáveis e que, nessa medida, o currículo escolar terá de atender, em primeiro lugar, a especificidades da mais variada natureza regionais, locais, étnicas, sociais, pessoais..., não importando se essas diferenças atentam contra a dignidade humana.

Não devia ser assim, pois, antes de sermos diferentes, somos iguais. E isto porque somos pessoas. É nesse pressuposto que a escola tem de cumprir o seu dever de Educar: independente da cor da pele, da religião, da filiação, do sexo, do que quer que seja, toda a gente tem direito a uma educação que lhe permita compreender a humanidade e tornar-se parte dele, uma educação que lhe permita entender o mundo e não apenas e só o "seu contexto vivencial", o seu pequeno mundo individual. Se não for assim que se constrói a Paz, não sei como se poderá construí-la..

Malala é uma rapariga inteligente e mostra saber mais de política e de teoria educativa do que a maior parte dos decisores curriculares e autores consagrados, espero, muito sinceramente, que estes percebam o alcance das suas breves palavras, ditas de modo tão simples.

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