sábado, 18 de outubro de 2014

O medo de não cometer um erro

Existe um fenómeno no nosso sistema educativo que não consigo entender e muito menos explicar: a persistência em práticas contraproducentes, e isto mesmo quando são reconhecidas como tal.

Uma das práticas que me deixa mais desconcertada é a passagem, no início do ano escolar, de um questionário/ficha biográfica/de caracterização do aluno/de caracterização sócio-económica do aluno/do aluno e da família (as designações variam, as perguntas nem tanto). Falei várias vezes dela neste blogue (por exemplo aqui, aqui, aquiaqui), por isso, desculpem-me os leitores a insistência.

Há muitos anos que abordo o assunto na universidade, em centros de formação, em escolas, e, do que me é dado perceber, em geral, os professores, alguns deles directores de turma, entendem os argumentos (de ordem, psicológica, pedagógica, ética, legal...) que permitem afirmar tratar-se de uma prática sem qualquer suporte no conhecimento pedagógico e a que se imputam diversos efeitos nocivos para a aprendizagem. Logo, é um erro.

Quando, passado um tempo, procuro saber os "efeitos da formação", o que vejo? Que a ficha, o questionário continua a ser passado, tal e qual como era. Mais recentemente comecei a perguntar: Porquê? A resposta é desconcertante: porque tem de ser, porque alguém manda, porque a avaliação..., porque tem de constar no dossier, porque caso não se faça... Em suma, o medo!

O medo de não cometer um erro! Cometer um erro é uma segurança!
Haverá outras profissões, que não o ensino, onde isto aconteça?

4 comentários:

Anónimo disse...

Insista à vontade, é disso que temos de falta, bater mais e mais naquilo que é desconcertante, ilógico, contraproducente e se torna quotidiano sem que ninguém tenha uma boa explicação para o fazer. Afinal são os professore que alimentam e sustentam a realidade que não desejam. É preciso união e 'tomates' para acabar com o crescente estado de dependência que os professores cairam. A burocracia e a burrocracia desfazem o próprio Estado que as promove, ainda que seja uma Agenda em vigésima mão e seja executada sem sentido ou utilidade. Há que ter respeito próprio e acordar para a espiral de Relativismo em que se caiu. Eu saí do Ensino e abaixo de determinada linha digo não, não importa o preço.

Helena Damião disse...

Prezado leitor Anónino
Retenho do seu comentário: "Afinal são os professores que alimentam e sustentam a realidade que não desejam". São muitíssimos os casos, sim.
Alguns estarão convencidos da bondade e eficácia de certas medidas que se apresentam como pedagógicas, mas estou convencida de que a maioria percebe a falta de sentido delas e os males que acarretam ao ensino. Falta coragem a estes professores e tavez alguma segurança para tomarem decisões consequentes com o seu modo de pensar.
Cordialmente,
Maria Helena Damião

Ludwig Krippahl disse...

Eu penso que isto acontece na generalidade das profissões, mas não parece-me que o factor principal é o mecanismo de responsabilização.

Quem faz o que a generalidade dos restantes faz está simplesmente a seguir a norma e não é responsabilizado pelos erros que daí decorram. Se há erros, é “o procedimento” que está mal, paciência. Mas quem faz algo de forma diferente é individualmente responsável pelas consequências.

Nestas circunstâncias – que são muito comuns – há uma pressão contra a correcção de erros que se tenham estabelecido como norma porque, para cada um, é preferível cometer um erro pelo qual não será responsabilizado do que arriscar ser responsabilizado por algo que outros possam considerar um erro.

A forma de contrariar isto seria recompensando quem, agindo contra a norma, melhorasse os procedimentos estabelecidos e os resultados. Mas isto não é possível quando as avaliações dos resultados são reduzidas a indicadores escolhidos por conveniência burocrática em vez de pelo que informam acerca da qualidade do trabalho.

Anónimo disse...

O Ludwig foi direto ao centro da questão, descrevendo de forma claríssima um mal de que padecem as instituições e empresas portuguesas, sejam públicas ou privadas.

E o que ele descreve resulta de duas circunstâncias:

- Quem tem a ideia de mudar um procedimento normalmente possui essa ideia de forma empírica e tem dificuldade em apresentar dados e argumentos concretos que a suportem

(por isso temos tanta gente a dizer mal de tudo sem que nada mude: Muitos dizem mal por dizer, outros intuem o que está mal mas não o sustentam com factos, pelo que não se distinguem dos primeiros);

- Quem está na posição de validar essa mudança de procedimentos tem dificuldade em avaliá-la com base em dados e argumentos concretos que lhe apresentem (porque não os entende) e prefere fazê-lo em conjunto com o perfil e com as habilitações de quem a sugeriu, ou seja, ignorando os factos.

Deste modo, a mudança correta apenas surge por acaso, "porque o Sr. Diretor agora assim decidiu", ou então muda-se para pior aquilo que até estava bem, "porque alguém assim entendeu melhor"... sem saber exatamente porquê, sabendo apenas que "tinha de mudar qualquer coisa"...

Dervich

DUZENTOS ANOS DE AMOR

Um dia de manhã, cheguei à porta da casa da Senhora de Rênal. Temeroso e de alma semimorta, deparei com seu rosto angelical. O seu modo...