terça-feira, 19 de agosto de 2014

Há sempre sol e céu azul acima das nuvens


Por mais negras e cerradas que sejam as nuvens, há sempre sol e céu azul por cima delas.

Esta afirmação é tão imediata e evidente que já vários a disseram ou escreveram, nesta ou noutra forma com idêntico sentido.

Vem ela a propósito de um pensamento que, nos últimos tempos, me assola constantemente, quer em casa, ao abrir os jornais ou durante os noticiários da rádio ou da TV, quer na rua, face aos comentários de muitos com quem todos os dias me cruzo. E esse pensamento envolve este Portugal a viver tempos de indecoroso aviltamento, mercê de uma certa elite, entre políticos e grandes nomes do direito e das finanças, que, de há décadas, numa promiscuidade interesseira, descarada e impune, nos está a conduzir, decidida e conscientemente, no caminho do empobrecimento económico e também, estupidamente, no do definhamento científico e cultural.

Tudo isto perante a passividade de um povo “imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio”, como escreveu o grande Guerra Junqueiro, há mais de um século, e sob a magistratura conivente de um Presidente da República que pouco mais de metade dos votantes (53,14%) colocaram no mais alto cargo do Estado, numa eleição em que quase metade dos eleitores se abstiveram.

Mantidos incultos, muitos deles analfabetos funcionais, alienados pelo futebol e pelos programas televisivos de entretenimento que nos impõem e nos entram pela casa dentro a toda a hora, e, ainda, marcados por receios antigos, são muitos os portugueses que não ousam questionar um poder que os despreza e maltrata e muitos também os que, sem saberem porquê, lhe fazem respeitosa e submissa vénia.

Como nos aviões que, ao ganharem altitude, atravessam a cobertura de nuvens e atingem o esplendor do pleno azul, temos de encontrar forma, dentro da democracia, de romper com esta triste escuridão em que, com excepção de uns tantos privilegiados, fomos levados a viver.
A. Galopim de Carvalho

9 comentários:

Ildefonso Dias disse...

Perdão senhor professor Galopim de Carvalho, ",,, mercê de uma certa elite" NÃO.
Se estamos em democracia, e o senhor assim o considera, isso implica o dever de dizer a verdade nua e crua, tal qual a realidade, sob pena de perdermos, na democracia, a nossa liberdade e abalar a dos outros; liberdade que é muito mais valiosa que qualquer outro beneficio que possamos receber como o senhor sabe, e é só por isso que me atrevo a corrigi-lo e digo-lhe que Não, que não se trata de uma certa elite, mas sim de um bando de traidores, e em muitos casos até de criminosos, como se tem visto na parca justiça.
Se não falarmos assim não conseguiremos romper as nuvens de que nos fala, e enganam-se aqueles que se a coisa não for pacifica deixa de ser democrática, não é assim! poderá não ser assim, repare só naqueles beneficiários da justiça que impunemente roubaram e roubam o povo e o deixam na miséria.

Anónimo disse...

Sem dúvida mantidos incultos, analfabetos funcionais. Por interesses e ambição. Que grande medo se tem do povo para assim o subjugar, interditando-lhe o pensar. Mas um dia o povo levanta-se dos interditos. E não será a vitória do pensamento livre, mas a raiva e a miséria a compeli-lo.

Carlos Ricardo Soares disse...

Aparentemente os partidos portugueses estão muito satisfeitos com o que fazem e com o que não fazem, como se vivêssemos no melhor dos mundos possíveis, ou como se as coisas tivessem de ser como são e eles não pudessem ser diferentes.
Quando governam, não têm oposição digna desse nome, quando não governam não precisam de trabalhar na oposição. E, o mais importante, é não terem políticas, porque parecem convencidos de que o partido já foi pensado com o que havia a pensar.
Quanto à acção dos nossos partidos poder-se-ia dizer que nada fazem que fosse suposto que fizessem mal: gerir o aparelho do Estado em função dos "interesses" (não dos meios razoáveis) que se vão impondo e sempre impreparados e surpresos perante os problemas que vão surgindo. Se esses interesses não têm sido os interesses dos portugueses já os meios têm sido sempre. E é neste ponto que a população dá sinais de cansaço e de desespero: o poder parece que só serve para cobrar impostos e contribuições e multas e para zurzir o contribuinte com todo o tipo de discursos. Assim sendo, a quem recorrer?
Para abreviar, é necessário rever os conceitos de democracia, liberalismo, capitalismo, mercado e pensar que uma coisa é o trabalho de cada um e o mérito de cada um e a sorte de cada um, que até podem "ditar" gente muito rica e outra coisa são os recursos naturais e o capital humano.
Infelizmente, ainda aceitamos sem pestanejar, sem pôr em causa, que alguém se aproprie dos recursos de todos (em geral, o que se passa com as indústrias extractivas) e os venda e, ainda mais grave, que tratem as pessoas como outros tantos recursos.
Infelizmente, nem a democracia é o poder do povo e o direito do povo, nem o capitalismo é a livre iniciativa privada e economia de mercado.
Infelizmente, o planeta de todos os que nele nascem, com todos os seus recursos naturais, que não dependem nem são fruto do trabalho ou do zelo de ninguém, é exclusividade de alguns.
Infelizmente...

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Há uma boa razão a estar acima de nuvens.

Anónimo disse...

Um texto claro e lúcido sobre a nossa realidade...triste.
FL

Jorge Castro (OrCa) disse...

Apreciando sobremaneira o desassombrado e estimulante desabafo do Professor Galopim de Carvalho, de quem sempre me habituei a colher desassombradas e estimulantes opiniões, aqui lhe deixo o meu aplauso, com vénia, embora talvez tenda a concordar com o comentador que alerta para necessidade imperiosa de chamar os bois pelos nomes - ainda que, aqui, salvaguardando a dignidade dos chamados irracionais perante a indignidade dos outros invocados bois... Urgem as manifestações concretas de saneamento básico perante a desgraçada impunidade em que medram os traidores à «coisa pública», cujos limites de ganância e sem-vergonha não existem. Como fazê-lo? Decerto a História nos mostrará. Entretanto, que cada um vá dando a sua passada, para que todos juntos encontremos o caminho.

Nuno Henrique Franco disse...

Bem-haja, professor!

Ildefonso Dias disse...

Caro Jorge Castro, o senhor diz “salvaguardando a dignidade dos chamados irracionais”... mas quem são os irracionais e quem lhes chama?!
Os irracionais nunca são aqueles que denunciam, justamente, melhor ou pior, qualquer forma de impunidade...
Presentemente, os irracionais e pacóvios são aqueles que se dobram e silenciam perante aqueles que roubam aos milhões, e que falam baixinho não vá o sr. dr. Vigarista, que é um ladrão, ouvir e ficar incomodado...
Eu não considero que seja um acto irracional, um cidadão comum, ao cruzar-se em local publico, com um desses figurões públicos, se for ex-ministro tanto melhor, e lhe diga na cara que, não fora os milhões que injustificadamente meteu ao bolso, talvez tivesse condições para ir à farmácia e comprar os medicamentos de que necessita ou fazer uma cirurgia, ou alimentar-se convenientemente... pelo contrário, esse cidadão seria bastante racional se assim procede-se.

Concluindo, não sei quem são os irracionais que precisam da dignidade salvaguardada.

Cumprimentos,

Carlos Medina Ribeiro disse...

Esta e largas dezenas de outras crónicas do Professor Galopim estão disponíveis no seu blogue Sopas de Pedra - [AQUI].

NOVA ATLÂNTIDA

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à info...