sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Caro Sr. Presidente da FCT e Srs. Vice-Presidentes

De: Joaquim Norberto Cardoso Pires da Silva
Data: 1 de Agosto de 2014 10:16:15 WEST
Para: <presidencia@fct.pt>
Assunto: Re: Esclarecimento da direção da fct sobre o exercício de avaliação das unidades de investigação

Caro Sr. Presidente da FCT e Srs. Vice-Presidentes,

Li com atenção aquilo que escreveram a todos os investigadores. Lamento não poder concordar com o que dizem.  Todos os investigadores estão habituados ao desapontamento. Faz parte da vida de ser cientista. Todos fazemos muitas propostas de financiamento que não são compreendidas e não são financiadas. Todos trabalhamos afincadamente na expectativa de melhores resultados, procurando contribuir para um país melhor, mesmo enfrentando dificuldades crescentes por indefinição estratégica crónica de quem gere a política científica nacional. Todos já falhamos várias vezes, porque o sucesso é um caminho cheio de falhas com as quais se aprende (gerando conhecimento) talvez aquilo que depois consideramos mais valioso, todos já experimentamos o desapontamento de não atingir objetivos.

Repito: o desapontamento faz parte da vida de ser cientista.

O que não faz parte dessa vida é o desapontamento resultante da perceção clara de que aquilo que fazemos não tem um quadro claro de rigor, avaliação ao mais alto nível, transparência e mecanismos de confronto de pontos de vista. Um cientista não se desaponta com uma avaliação menos positiva que aponta fragilidades naquilo que faz, na forma como o faz ou na qualidade dos resultados que obteve. Um cientista sério EXIGE isso mesmo.

Consequentemente, e ao contrário do que dizem, o que tem vindo a público não é desapontamento com os resultados obtidos por certos Centros de I&D, mas sim um enorme descontentamento com o processo de avaliação, com a inconsistência e discricionariedade de um procedimento que contém erros grosseiros e não possui mecanismos de correção, com mais do que provada evidência de que a avaliação foi mal conduzida e muito descuidada.

Dou-vos um exemplo. O Centro de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra (CEMUC), do qual faço parte, teve, segundo as regras definidas pela FCT, a avaliação de "Excelente" (nota máxima) nos três últimos ciclos de avaliação. No final de 2013 (ainda nem passou 1 ano), a FCT preocupada com a estratégia seguida pelos vários centros de ciência em Portugal, resolveu, e muito bem, avaliar as opções científicas de médio e longo-prazo estabelecidas pelos vários centros. Ao CEMUC foi atribuída a nota máxima, ou seja, "A". Desde a última avaliação regular, bem como desde a avaliação de estratégia de 2013, os índices de performance do CEMUC aumentaram, isto é, melhoraram os seus resultados usando os indicadores definidos pela própria FCT.
 
Apesar disso, na avaliação de 2014, em curso, o CEMUC não passou à 2.ª fase tendo obtido a classificação de "Suficiente" ("FAIR"), o que compromete decisivamente o seu futuro porque lhe remove todo o financiamento de base. Apesar de o CEMUC ter imediatamente alertado para a avaliação muito deficiente, feita sem uma simples visita às suas instalações e tendo por base uma leitura muito ligeira e errónea dos relatórios, apontando com clareza e sem margem para dúvidas as falhas de avaliação, as inaceitáveis conclusões porque contrariadas pelos factos constantes nos relatórios apresentados, e para a inconsistência de um procedimento de avaliação de um centro com histórico recente de excelência, cuja estratégia foi avaliada pela própria FCT como adequada e merecedora de nota máxima, de nada valeu ficando o centro com a sensação que nada do que disse foi considerado ou sequer lido.
 
O desapontamento resulta disso, da sensação de discricionariedade e de impotência.
 
É altura de reconhecer que foram cometidos demasiados erros neste processo e, aproveitando o que foi feito, ser capaz de perceber que o que está em causa é demasiado importante para o futuro do país. Eu sei que terão o bom-senso de atuar e corrigir o mal que foi feito e que ainda pode ser corrigido.
 
 
Com os melhores cumprimentos,
 
Joaquim Norberto Cardoso Pires da Silva
Professor Associado com Agregação da Universidade de Coimbra
Investigador do Centro de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra

2 comentários:

Anónimo disse...

Apoiadísimo!
Eu teria escrito este texto, se tivesse talento para tanto.
E o meu instituto passou à 2ª fase: não sou da tal "maioria silenciosa".
Este processo foi lamentável e é inaceitável por uma comunidade como a nossa.

Ildefonso Dias disse...

Caro Engenheiro Norberto Pires;

Que não se pretenda passar a mensagem de que os cientistas e professores universitários não tem nenhuma responsabilidade pela situação que se vive, pois isso não seria verdade.
Hoje, passados os 40 de liberdade, fica-se com a sensação de que os cientistas e professores universitários não estiveram à altura das suas responsabilidades, não foram homens valentes e corajosos quanto aqueles que os precederam no tempo ditadura, onde tudo era muito mais difícil e até impossível de realizar.
É bom que se leve ao imaginário das pessoas o que seria o trabalho, - em liberdade, em prol do desenvolvimento cultural e cientifico - de personalidades como o Professor António Aniceto Monteiro, o Professor Bento Caraça, o Professor Manuel Valadares, o Professor Ruy Luís Gomes entre muitos outros...
É por isso importante que se questione se, no país, nestes anos de liberdade, não houve nenhum cientista de valor, da craveira de um António Aniceto Monteiro, que ocupasse a “cadeira do poder” no ensino e na ciência?! Certamente que houve e o país tem essas pessoas, só que acontece, que esses professores e cientistas não se bandeiam para os Governos e poderes económicos instalados, financiadores dos seus exclusivos interesses, e com isso fomentadores de mediocridade.
Isto também deve ser dito meu caro Engenheiro Norberto Pires... Que se denuncie e com isso se envergonhe aqueles que foram e são lambe-botas e hipócritas, que neste país estão sempre cuidando para se elevar, no ensino e na ciência, como nas outras actividades; Que se mande para um patamar inferior, aqueles que tudo fazem exclusivamente para o seu proveito próprio, prejudicando o colectivo; Que se promovam as pessoas capazes e desinteressadas de vaidades pessoais e fúteis.
Muito do que o Engenheiro Norberto Pires se queixa neste post é pois fruto do egoísmo de uns, poucos, que na defesa dos seus interesses exclusivamente pessoais não estiveram nem estão à altura das necessidades do país.
Denuncie-se essas pessoas aqui meu caro Engenheiro, escreva-se aqui os seus nomes.


Cumprimentos,

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