quarta-feira, 30 de julho de 2014

É altura de recuar, Nuno Crato e Leonor Parreira

Artigo de Joaquim Norberto Pires, que foi membro do Conselho Nacional para a Ciência e Tecnologia (CNCT) e Presidente do Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC): 

A ciência faz-se passo-a-passo, exige dedicação, muito esforço, resiliência e capacidade de sofrimento. Não há resultados garantidos e o mais certo é a falha. Os resultados aparecem depois de muitas falhas, depois de muitas desilusões, depois de muitos outros resultados menos animadores. Fazer ciência com qualidade é ter licença permanente para falhar, porque o objetivo é conhecer melhor aquilo que se conhece mal, é explicar um pouco melhor aquilo que não sabemos explicar e com isso evoluir como civilização compreendendo melhor o mundo em que vivemos. A ciência é fundamental, até para a economia, porque dos seus resultados, ou seja, do conhecimento gerado, podemos desenvolver melhores soluções para os problemas que nos afligem, para debelar doenças, para construir novos produtos, para desenvolver soluções inovadoras para a indústria, para gerar novas indústrias e oportunidades de negócio, em suma, para melhorar a nossa vida, criando valor e emprego. A ciência é o mais fantástico motor de desenvolvimento que conheço.

Fazer ciência, gerar conhecimento e ser capaz de gerar vantagem económica dessa atividade, é crucial para um país pequeno como Portugal que não tem recursos naturais capazes de alavancar o crescimento e desenvolvimento de todo o país recuperando o atraso para a média europeia. Por isso, a aposta na ciência é decisiva e tem de estar suportada em políticas públicas bem desenhadas com objetivos claros e bem definidos, bem suportadas em mecanismos de financiamento de longo-prazo, bem avaliadas com critérios claros e muito exigentes, continuadas no tempo e que sejam objeto de compromisso nacional.

A clareza, a transparência e a forma como são tratadas as pessoas que resolvem e têm qualidade para ser cientistas, bem como as estruturas em que se organizam, é absolutamente crítico para o futuro do país, constituindo uma obrigação do Estado e, portanto, de quem é eleito para governar e assim administrar os recursos económicos e financeiros que são de todos.

Em Portugal a política científica, isto é, a forma como o país decide apostar em ciência e tecnologia, é essencialmente definida através da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Não é a única fonte de financiamento da ciência, mas é na FCT que está a chave da política científica nacional. É da política definida pela FCT, da forma como decide suportar quem faz ciência em Portugal, que resulta o edifício científico e tecnológico nacional e se desenvolve a capacidade de ter sucesso na procura de outras fontes de financiamento complementares: indústria, financiamento europeu, etc. Por isso é muito importante manter estruturas de ciência e tecnologia, garantindo a sua avaliação rigorosa e avaliando o seu impacto nacional e internacional, porque sem elas é impossível obter financiamento competitivo, e bem mais interessante, resultante de fundos europeus e/ou contratos industriais. Não ser capaz de compreender isto tem um efeito letal nesse fabuloso motor de desenvolvimento que é a ciência, o qual será muito difícil de recuperar se for sequer recuperável.

Dou-vos um exemplo. O Centro de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra (CEMUC), do qual faço parte, teve, segundo as regras definidas pela FCT, a avaliação de "Excelente" (nota máxima) nos três últimos ciclos de avaliação. Em Outubro de 2013 (ainda nem passou 1 ano), a FCT preocupada com a estratégia seguida pelos vários centros de ciência em Portugal, resolveu, e muito bem, avaliar as opções científicas de médio e longo-prazo estabelecidas pelos vários centros. Ao CEMUC foi atribuída a nota máxima, ou seja, "A". Desde a última avaliação de 2011, bem como desde a avaliação de estratégia de 2013, os índices de performance do CEMUC aumentaram, isto é, melhoraram os seus resultados usando os indicadores definidos pela própria FCT.

Apesar disso, na avaliação de 2014, em curso, o CEMUC não passou à 2.ª fase tendo obtido a classificação de "Suficiente" ("FAIR"), o que compromete decisivamente o seu futuro porque lhe remove todo o financiamento de base. Apesar de o CEMUC ter imediatamente alertado para a avaliação muito deficiente, feita sem uma simples visita às suas instalações e tendo por base uma leitura muito ligeira e errónea dos relatórios, apontando com clareza e sem margem para dúvidas as falhas de avaliação, as inaceitáveis conclusões porque contrariadas pelos factos constantes nos relatórios apresentados, e para a inconsistência de um procedimento de avaliação de um centro com histórico recente de excelência, cuja estratégia foi avaliada pela própria FCT como adequada e merecedora de nota máxima, de nada valeu ficando o centro com a sensação que nada do que disse foi considerado ou sequer lido.

Ora, a ciência gosta e exige avaliação rigorosa, feita por pares que demonstraram ser capazes de ser cientistas ao mais alto nível (não basta ter avaliadores que são selecionados por uma instituição com um nome pomposo, é preciso que eles tenham um curriculum científico e técnico reconhecido e devidamente avaliado). A ciência gosta e exige ser confrontada com os seus resultados e com a sua estratégia, tendo por base regras claras que façam algum sentido e reflitam a necessidade já explicada de continuidade. A ciência não gosta de amadorismo, de falta de visão de longo prazo, de falta de transparência, de falta de clareza e de rigor. A ciência não sobrevive a isso. É disso que estamos a falar, de a matar.

É altura de recuar, Nuno Crato e Leonor Parreira. É altura de reconhecer que foram cometidos demasiados erros neste processo e, aproveitando o que foi feito, ser capaz de perceber que o que está em causa é demasiado importante para o futuro do país. Eu sei que terão o bom-senso de atuar e corrigir o mal que foi feito e que ainda pode ser corrigido.

J. Norberto Pires


4 comentários:

Albert Virella disse...

É o momento de fazer as vossas apostas.

Quem é que deve ser o mentor desta selecção? O PROFESSOR FIOLHAIS, sem dúvida.

Anónimo disse...

É uma boa escolha. Já agora para substituto do maoísta crato eu arregimentaria o idiota virella

Pedro Lima disse...

É uma pena que alguns só se lembrem de tomar estas posições quando o problema lhes toca à porta, depois de terem ajudado este governo a chegar ao poder. Mas antes tarde do que nunca!

António Pedro Pereira disse...

Pedro Lima:
E pior, quando se tratava de zurzir o sector da Educação, só viam construtivismo por todo o lado e faziam coro com os cratos de os guilhermes valente do rectângulo.
Agora que lhes toca revoltam-se.
Não fora os efeitos no país desta política ideológica fanática e fundamentalista, daria vontade de dizer: aguentem-se.

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