quarta-feira, 21 de maio de 2014

LEGO MOLECULAR PARA FAZER DISPOSITIVOS ELECTRÓNICOS E OUTRAS NANOCOISAS

Todos nós, a certa altura, brincámos com LEGOs para construir casas, cidades, aviões, carros e muitas outras coisas; até onde a nossa imaginação nos levou. Suponha agora que tem um LEGO com peças muito mais pequenas; pelo menos mil milhões de vezes mais pequenas do que as habituais. O que pode fazer com elas? À primeira vista pensará que não pode fazer nada, uma vez que nem sequer pode ver as peças. Mas, se eu lhe der uma mão com o tamanho apropriado e uns olhos poderosos para “ver” as peças, então dirá que pode construir muita coisa. No grupo de  Electrónica Orgânica do Instituto de Telecomunicações estamos a usar esta ideia para fazer dispositivos com dimensões de apenas alguns nanómetros, usando moléculas como nanopeças que juntamos uma  a uma, para construir dispositivos moleculares.  
Recentemente, cobrimos uma superfície de grafite com milhares de fios moleculares condutores verticais (ver figura), cada um com cerca de um nanómetro de diâmetro e 14 nanómetros de comprimento [1]. 
Figura 1. a) Lego com peças empilhadas simulando um fio condutor. b) Simulação computacional de um fio molecular condutor com 14 nanómetros de comprimento constituído por 25 moléculas (de  porfirinas e bipiridinas que se empilham alternadamente uma sobre a outra). c) Imagem de STM (Microscópio de Efeito de Túnel) com resolução molecular da última monocamada composta de moléculas de porfirina que se "vêem" indivualmente.

Os nossos fios condutores são compostos de 25 peças (moléculas) colocadas uma a uma usando um microscópio de efeito de túnel para controlar cada passo. Nesses fios moleculares foram feitas 2500 medidas, a partir das quais se fez um tratamento estatístico, tendo sido obtido um valor médio para a condutância de cada fio. É interessante notar que, na gíria desta área científica, os valores da condutância (que é o inverso da resistência) são expressos em unidades de condutância quântica, G0=2e2/h, em que e é a carga eléctrica elementar e h é a constante de Planck. A unidade de condutância quântica é o dobro do inverso da constante de von Klitzing, RK, (G0=2/RK), a qual é, por sua vez, definida a partir do efeito de Hall quântico descoberto em 1980 por Klaus von Klitzing. O efeito de Hall quântico é a versão quantizada do efeito de Hall, o qual consiste na produção de uma diferença de potencial num condutor, transversal ao fluxo de corrente e a um campo magnético aplicado perpendicular à corrente. A diferença de potencial, V, é proporcional à corrente eléctrica I, sendo a constante de proporcionalidade, a resistência R, como na lei de Ohm, V=IR. Nas condições em que se observa o efeito de Hall quântico, a resistência de Hall é um submúltiplo de um valor bem definido, agora chamado constante de von Klitzing que é teoricamente igual à constante de Planck a dividir pelo quadrado da carga eléctrica elementar, RK=h/e2 e que tem o valor experimental de 25812,807 ohms, a menos de um erro de 2 em 10 milhões, e é independente do material e das dimensões das amostras. Dada a precisão com que é possível medi-lo experimentalmente, esse valor é tomado como uma constante fundamental com o valor exacto de 25812,807 ohms, tendo sido adoptado em 1 de Janeiro de 1990, pela CODATA (CODATA é o acrónimo de “Committee on Data for Science and Technology”) para a definição do “ohm”, possibilitando a definição das resistências padrão convencionais em termos do efeito de Hall quântico. Note-se que também o metro é definido a partir de um valor que se convencionou fixo e exacto para a velocidade da luz no vácuo (299792458 metros por segundo), sendo o metro definido como a distância percorrida pela luz no vácuo na fracção 1/299792458 do segundo. Usando valores fixos e exactos de grandezas que podem ser medidas em qualquer laboratório de metrologia devidamente equipado, é possível ter padrões universais das unidades que usamos no dia a dia, sem recorrer a padrões perecíveis ou susceptíveis de variar ao longo do tempo, como o metro quando era definido como uma distância medida numa régua de platina iridiada que estava num museu perto de Paris.
Cada um dos nossos fios tem uma condutância de 0,0000014 unidades de condutância quântica. Em linguagem comum, esse valor corresponde a uma resistência eléctrica de cerca de 9,22 mil megaohms. Parece um valor muito elevado, mas considerando as dimensões nanométricas dos fios podemos calcular que a resistividade é da ordem de 0,66 ohm vezes metro, que é um valor típico de um bom semicondutor.  
É relevante perguntar se seria possível observar a quantização da condutância nos nossos fios. Para observar a quantização é necessário medir a condutância de um contacto pontual quântico, que se concretiza quando se quebra um contacto metálico: à medida que dois eléctrodos metálicos, de ouro, por exemplo, em contacto um com o outro, são separados muito lentamente, a área de contacto vai diminuindo observando-se a certa altura uma ponte (fio) com apenas alguns átomos de comprimento. Imediatamente antes de se quebrar o contacto, (altura em que passa a haver condução por efeito de túnel), a condutância através do fio com apenas 6 ou 7 átomos de ouro ligados em cadeia (o máximo que se consegue sem partir) tem sempre valores muito perto do quantum de condutância G0. Para observar este efeito as medidas têm de ser feitas a temperaturas muito próximo do zero absoluto (- 273 ºC) e em alto vácuo. As nossas experiências foram feitas ao ar e à temperatura ambiente, o que mostra a estabilidade dos nossos fios moleculares, embora não se observe o efeito quântico, que aliás não era o nosso objectivo. O objectivo das nossas experiências, bem mais modesto, é o de demonstrar a possibilidade de fabricar fios moleculares condutores por um processo de automontagem (self-assembling), pondo simplesmente as moléculas em contacto e deixando actuar as forças intermoleculares (forças de van der Waals e eventuais pontes de hidrogénio).
As experiências com os nossos fios moleculares são encorajadoras e constituem um ponto de partida para sistemas semelhantes mais complexos com aplicações na electrónica. 
Usando a mesma ferramenta básica da nanotecnologia, o microscópio de efeito de túnel de varrimento, estamos a seguir e controlar ao nível molecular o processo de libertação de um fármaco numa camada unimolecular biocompatível. Mais concretamente, depositamos monocamadas nanoestruturadas de uma dada espécie molecular sobre a superfície de titânio de um dispositivo intra-ocular, sobre a qual é colocado um fármaco encapsulado por automontagem, para o tratamento do glaucoma. O conhecimento detalhado (ao nível molecular) do processo de libertação do fármaco com vista à sua optimização poderá potenciar o desenvolvimento de novos dispositivos e terapias.
Para além das aplicações à electrónica, as nanociências e as nanotecnologias são muito importantes em aplicações biomédicas. 


Quirina Ferreira e Luís Alcácer


3 comentários:

Eduardo Martinho disse...

Parabéns, Luís Alcácer, pelo vosso trabalho!
Um abraço

Unknown disse...

Muito giro

Anónimo disse...

Parabéns Quirina Ferreira et al, quer dizer.

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