segunda-feira, 21 de abril de 2014

O direito à privacidade

Em 1890 foi publicado na Harvard Law Review um artigo intitulado The Right to Privacy. Assinavam-no Samuel D. Warren e Louis D. Brandeis. Recorrentemente referido pelos juristas americanos e europeus quando se trata de questões de privacidade, é tido como um dos escritos mais importantes nesta matéria.

Situados na dinâmica da sociedade de final de século, Warren e Brandeis defendiam, de modo muito determinado, a necessidade de regulamentar a lei geral de protecção de pessoas e bens, pois viam que grandes ameaças, nunca antes consideradas, a podiam pôr em causa. Eram as ameaças ao "direito de estar só", ao "direito de ser deixado só".

À época, recentes invenções - fotografia instantânea - e negócios - aumento de circulação de jornais - conjugavam-se perigosamente para  alimentar o que há de mais primário no ser humano: a intromissão na vida de outrem, apenas e só para apropriação de imagens, sentimentos e acontecimentos que só a eles dizem respeito. A dor, a devastação, que isso pode causar nas pessoas visadas pode ser imensa, conjecturavam.

Assim, seria preciso reconhecer "a principle which may be invoked to protect the privacy of the individual from invasion either by the too enterprising press, the photographer, or the possessor of any other modern device for recording or reproducing scenes or sounds".

Apesar da antecipação que Warren e Brandeis fizeram do futuro, o que eles não previram foi que a economia e o glamour da publicidade que lhe é associada ganhassem (tanta) vantagem ao direito e à ética. Nem previram também que a educação escolar se alheasse do princípio que formularam e, mais do que isso, que acabasse por o subverter.

Foi o que bastou para se configurar o cenário do "panóptico sempre ligado" (H. Rheingolg), onde se desenrola o fantástico “espetátulo da realidade”, pois "tudo vende mais se for real" (P. Sibilia).

Reduzidos a um pensamento que não integra outras palavras além daquelas, muito melosas, que nos são impingidas a que se aliam um inebriamento pelo brilho das luzes que se nos  faz crer estarmos no cento de alguma coisa, consumimos "lampejos da intimidade alheia" (P. Sibilia) e damos a consumir "lampejos da nossa própria intimidade.

É verdade: neste cenário “suave e elegante” (P. Sibilia), nada nos detém no acesso aos outros, na vigilância, e controlo que deliberadamente fazemos dos seus passos; mas também nada nos detém no acesso que permitimos aos outros, que deliberadamente vigiam e controlam os nosso próprios passos.

Por isso, não... notícias como esta ou esta não me surpreendem. Afinal ‘Find My Friends’ e ‘Nearby Friends’ são duas expressões tão... envolventes!
Maria Helena Damião

2 comentários:

À lupa disse...

"A dor, a devastação, que isso pode causar nas pessoas visadas pode ser imensa, conjecturavam."
Compreendo o objetivo. É triste o fim em si. Unicamente destrutivo.
Combate-se o voyeurismo com indiferença e compaixão por todos os seres inferiores e com a aceitação plena de todo o quadro auto-excluindo-se dele com uma breve assinatura de autor (ao fundo) e dando autógrafos aos fãs.

perhaps disse...

Depois de ler a reportagem da Visão desta semana sobre a possibilidade de existência de micro nações fora da jurisdição dos estados e constituídas por cérebros informáticos topo de gama e seus sequazes, que consideram a democracia uma forma de governo menor e se assumem como a nova forma de poder...fico ainda mais apreensiva.

NOVA ATLÂNTIDA

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