sábado, 8 de março de 2014

Os eventuais crimes do BCP

Esta semana fomos todos "surpreendidos" com a noticia de algo inédito que foi a prescrição de um crime bancário relaccionado com a ocultação de informação aos reguladores que teria por objectivo apresentar um valor de fundos próprios superior àquele que na realidade teria.

Porque é que isto é crime e porque é que alguém o cometeria? Vamos imaginar que eu quero emprestar dinheiro e ganhar dinheiro com isso. Então vou pedir emprestado a outras pessoas a uma taxa de juro inferior àquela que quero cobrar. E quanto mais conseguir pedir emprestado mais posso emprestar. Chama-se a este processo a "intermediação". Se reparamos, o meu investimento neste processo foi apenas o meu trabalho. No limite, eu poderia continuar a fazer isto ad infinitum, pedir emprestado para emprestar e ganhar dinheiro investindo zero.
 
O problema vem quando alguém a quem empresto não paga. Ou recebo juros dos outros suficientes para pagar a quem pedi emprestado ou estou em problemas. A solução "incorrecta" seria pedir mais dinheiro emprestado por cada um que me deixasse de pagar para compor as falhas. Mas isso um dia teria consequências. Na eventualidade de liquidar todos os empréstimos e todos os depósitos, faltava dinheiro. E se falta dinheiro a um banco, este deixava de poder pagar aos depositantes, incluindo outros bancos. E por aí em diante. Por isto, os bancos passaram a ser obrigados a ter dinheiro do seu para poderem emprestar. Aquilo a que se chama de "fundos próprios" e que se destina, segundo a teoria, a proteger o sistema financeiro da eventual falência de um dos seus membros.  Independentemente de ser verdade que o nível de fundos próprios do banco protege o sistema, que não é, o facto é que a existir a exigência de tal nível ele deve ser imposto a todos por razões de concorrência e transparência. Quem investe mais pode emprestar mais.
 
O que aconteceu com o BCP? No fim do sec. XX e princípio do sec. XXI o banco promoveu várias campanhas de aumento de capital (fundos próprios) em que emprestava dinheiro a quem quisesse subscrever o capital do banco e não tivesse dinheiro para isso. Vivíamos tempos em que as ações dos bancos subiam todos os meses e não deve ter sido particularmente complicado despachar as acções. O que isto tudo tem de irregular? Se eu empresto dinheiro para subscreverem o meu capital então não entra efectivamente dinheiro no banco. No  entanto, nos registos, o nível de fundos próprios sobe e eu posso emprestar mais. No caso, 12,5 vezes mais. No caso BCP, a coisa parece ter sido agravada pelo facto do banco ter criado sociedades offshore que, também elas, subscreveram ações com dinheiro do banco embora, a acreditar naquilo que foi dito por Teixeira Pinto, o presidente que sucedeu àquele  que está a ser acusado, essas sociedades já não existiam em 2002.
 
Agora, foram campanhas. Eu recebi cartas em casa a promover a operação, foi noticiada nos jornais. As alegações dos reguladores de que não podiam saber só tem uma explicação, a de que não sabem mesmo o que estão a fazer.  Outro truque, este alegadamente  feito no BPN e com a participação de, pelo menos, um alto funcionário do Banco de Portugal, é comprar as acções com acordo de revenda posterior.  Aqui, trata-se de pegar em depósitos, fingir que é capital e no fim partilhar os proveitos entre o depositante e o banco. Apesar de amplamente noticiada devido ao envolvimento desses funcionários noutras actividades relevantes para o estado, os reguladores continuam, neste caso em concreto, completamente silenciosos cabendo apenas a alguns políticos o recordar do episódio. 
 
Quanto à prescrição, temos que reconhecer que protege mais os reguladores da altura que os alegados criminosos. Vai conseguir que aquilo que foi verdadeiramente grave se veja arquivado e envolvido naquela capa de fumo que só os inquéritos parlamentares conseguem proporcionar aos altos funcionários do estado.

5 comentários:

Raul Vaz Osorio disse...

Desta vez até concordo contigo! Pasme-se!

António Pedro Pereira disse...

Caro Raul Vaz Osório:
Eu estou como o caro Raul.
Isto prova que, tal como não há ninguém completamente perfeito também não há ninguém completamente imperfeito.

João Pires da Cruz disse...

É verdade. Veem como neste caso conseguem atingir a perfeição? :) Com algum tempo vão ser perfeitos e concordar comigo em tudo.... :)

jotaC disse...

Muito bom...

Anónimo disse...

Assim…

http://www.publico.pt/politica/noticia/exonerados-consultores-de-cavaco-que-assinaram-manifesto-pela-reestruturacao-da-divida-1628051#/0

Melhor se percebe o significado político da nomeação, pelo Senhor Presidente da República, da Senhora Presidente do Instituto Politécnico de Santarém para a Comissão de Honra das Comemorações do 25 de Abril na Cidade de Santarém
Após, a celebração do aniversário de uma Escola, integrada no Instituto Politécnico de Santarém, com um cruzeiro na barragem do Castelo do Bode, com almoço a bordo e transferes em autocarro ao cais de embarque, para docentes, funcionários e convidados, noticiada pelo jornal “O Mirante”, na sua edição de 18.12.2008, pág. 33, em artigo intitulado “Aniversário da Escola de Gestão celebrado em tom de discórdia”, e pelo Diário de Notícias, na sua edição de 19.12.2008, pág.13, em artigo intitulado “Um passeio à conta dos contribuintes”.

Ademais, conforme noticiado, a Senhora Presidente do Instituto Politécnico também desfrutou deste cruzeiro idílico…


Direitos e dever(es)

Texto gentilmente oferecido por Carlos Fernandes Maia, professor de Ética.   O tema dos direitos e deveres desperta uma série de interrogaçõ...