quinta-feira, 13 de março de 2014

A Infância de Stephen Hawking


Início de "A Minha Breve História" de Stephen Hawking, que acaba de sair na Gradiva:

 O meu pai, Frank, descende de uma família de rendeiros de Yorkshire, na Inglaterra. O avô dele — o meu bisavô, John Hawking — era um agricultor abastado, mas comprara demasiadas quintas e falira devido à depressão agrícola no início do século

 O filho dele, Robert — meu avô —, tentou ajudar o pai, mas também faliu. Felizmente, a mulher de Robert tinha uma casa em Boroughbridge, onde geria uma escola, o que providenciava algum rendimento. Assim, conseguiram mandar o filho para Oxford, onde estudou Medicina. O meu pai obteve uma série de bolsas e prémios, que lhe permitiram enviar dinheiro aos pais. Depois, foi fazer investigação em medicina tropical e, em 1937, viajou para a África Oriental para prosseguir esse trabalho. Quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, atravessou o continente africano até ao rio Congo e embarcou depois para Inglaterra, onde se ofereceu como voluntário para o serviço militar. Contudo, disseram -lhe que os seus préstimos seriam mais valiosos na pesquisa médica.

A minha mãe nasceu em Dunfermline, na Escócia, terceira de oito filhos de um médico de família. A mais velha era uma rapariga com síndrome de Down, que vivia  noutra casa com uma assistente de saúde, até que morreu, com 13 anos. Quando a minha mãe tinha 12 anos, a família mudou -se para Devon. Tal como a família do meu pai, a família dela não era abastada. No entanto, também conseguiram mandar a minha mãe para Oxford. Após os estudos, teve vários empregos, incluindo o de inspectora das Finanças, de que ela não gostava. Desistiu deste emprego para se tornar secretária e foi assim que conheceu o meu pai, nos primeiros anos da guerra.

Nasci a 8 de Janeiro de 1942, exactamente 300 anos após a morte de Galileu. No entanto, calculo que cerca de 200 000 crianças tenham também nascido nesse dia. Não sei se mais alguma delas se veio a interessar por astronomia. Eu e o meu pai INFÂNCIA 11 Sou natural de Oxford, embora os meus pais vivessem em Londres. Isto porque, durante a Segunda Guerra Mundial, os Alemães se haviam comprometido a não bombardear Oxford e Cambridge; em compensação, os Ingleses não bombardeariam Heidelberga nem Gotinga. É pena que este tipo de acordo civilizado não se tenha estendido a mais cidades. Vivíamos em Highgate, no norte de Londres. A minha irmã Mary nasceu 18 meses depois de mim e disseram -me que não a recebi muito bem. Durante toda a nossa infância houve uma certa tensão entre nós, alimentada pela nossa pequena diferença de idades; contudo, esta tensão Com a minha mãe foi desaparecendo à medida que íamos seguindo caminhos diferentes. Tornou -se médica, o que agradou ao meu pai. A minha irmã Philippa nasceu quando eu tinha quase cinco anos e já compreendia melhor o que se passava. Lembro -me de esperar ansioso pelo seu nascimento, para que fôssemos três e pudéssemos fazer jogos. Ela era uma criança muito intensa e perspicaz e eu respeitava sempre as suas ideias e opiniões. O meu irmão Edward foi adoptado muito mais tarde, quando eu tinha 14 anos, e, por isso, não fez praticamente parte da minha infância. O Edward era muito diferente de nós os três, completamente não académico e não intelectual, o que, provavelmente, foi bom para nós. Era uma criança bastante difícil, mas não deixávamos de gostar dele. Faleceu em 2004, de causa nunca devidamente determinada; a explicação mais provável é ter sofrido uma intoxicação dos gases provenientes da cola que estava a usar na remodelação do seu apartamento.

A minha recordação mais antiga é estar na creche da Byron House School, em Highgate, a chorar baba e ranho. À minha volta, as outras crianças brincavam com o que pareciam ser brinquedos maravilhosos e eu queria juntar -me a elas. Mas tinha apenas dois anos e meio, era a primeira vez que estava com pessoas que não conhecia e sentia -me amedrontado. Penso que os meus pais ficaram bastante surpreendidos com a minha reacção, pois eu era o primeiro filho e eles haviam adoptado teorias de desenvolvimento infantil segundo as quais as crianças deviam estar preparadas para estabelecerem relações sociais aos dois anos de idade. Contudo, nessa manhã horrorosa, levaram -me embora da creche e só um ano e meio depois voltei para a Byron House. Nesse tempo, durante e logo após a guerra, Highgate era uma zona onde viviam vários cientistas e académicos. (Noutro país, seriam chamados intelectuais, mas os Ingleses nunca admitiram ter intelectuais.) Todos esses pais mandavam os filhos para a Byron House School que, nessa época, era uma escola muito progressista.

 Lembro -me de me queixar aos meus pais de que a escola não me estava a ensinar nada. Na Byron House, os educadores não acreditavam naquele que era então o método tradicional de transmitir conhecimentos. Em vez disso, devíamos aprender a ler sem percebermos que nos estavam a ensinar. Acabei por aprender a ler, mas já com a idade um pouco avançada de oito anos. A minha irmã Philippa foi ensinada a ler através de métodos mais convencionais e, aos quatro anos, já era capaz de ler. Mas, nessa altura, ela era claramente mais brilhante que eu.

 Vivíamos numa casa vitoriana alta e estreita, que os meus pais haviam comprado a um preço muito baixo durante a guerra, quando toda a gente pensava que Londres iria ser arrasada pelos bombardeamentos. Na verdade, um míssil caiu muito perto da nossa casa. Nessa altura, eu estava fora com a minha mãe e com a minha irmã, mas o meu pai estava em casa. Felizmente, não ficou ferido e a casa não sofreu grandes danos. No entanto, durante anos, houve uma grande cratera dessa bomba ao fundo da rua, onde eu costumava brincar com o meu amigo Howard, que vivia a três portas da minha, mais ao cimo. O Howard foi uma revelação para mim, pois os pais dele não eram intelectuais como os pais de todas as outras crianças que eu conhecia. Ele frequentava a escola pública, não a Byron House, e sabia muito sobre futebol e pugilismo, desportos que os meus pais nunca pensaram em acompanhar.

 Recordo-me também de ter recebido o meu primeiro comboio de brincar. Durante a guerra, não se fabricavam brinquedos, pelo menos para o mercado interno. Mas eu tinha uma paixão por modelos de comboios. O meu pai tentou Londres, durante o Blitz, fazer -me um comboio de madeira, mas isso não me satisfez, pois eu queria uma coisa que se movesse sozinha. Assim, comprou -me um comboio movido a corda em segunda mão, reparou -o com ferro de soldar e deu -mo no Natal, quando eu tinha quase três anos. Este comboio não funcionava muito bem. Contudo, logo após a guerra, o meu pai foi à América e, quando regressou, no Queen Mary, trouxe à minha mãe uns pares de meias de nylon, que, nessa altura, não havia na Grã -Bretanha. À minha irmã Mary, trouxe uma boneca que fechava os olhos quando se deitava. E, a mim, trouxe -me um comboio americano, que incluía uma locomotiva com grelha na frente e uma pista em forma de oito. Ainda me lembro da minha excitação quando abri a caixa. Os comboios de corda eram muito bons, mas o que eu realmente queria era um comboio eléctrico. Passava horas a olhar para um conjunto de modelos de comboios em Crouch End, perto de Highgate. Sonhava com com
boios eléctricos. Por fim, certo dia em que os meus pais estavam  fora, aproveitei a oportunidade para levantar do banco dos Correios todo o dinheiro, uma modesta quantia que as pessoas me haviam dado em ocasiões especiais, como no meu baptizado. Usei esse dinheiro para comprar um comboio eléctrico, mas, para minha grande frustração, também não funcionava muito bem. Devia ter levado de volta o comboio e exigido a troca ao logista ou ao fabricante, mas, naquele tempo, era considerado um privilégio poder comprar alguma coisa e, se fosse defeituosa, azar. Então, paguei o conserto do motor eléctrico da locomotiva, mas, mesmo assim, nunca funcionou muito bem.

Mais tarde, já adolescente, construí modelos de aviões e de barcos. Nunca tive muito jeito manual, mas fazia os modelos com o meu colega John McClenahan, que era muito mais habilidoso e cujo pai tinha uma oficina. O meu objectivo era construir sempre modelos que funcionassem e que eu conseguisse controlar. Não me importava com o aspecto deles. Penso que foi o mesmo interesse que me levou a inventar uma série de jogos muito complexos com outro colega da escola, Roger Ferneyhough. Havia um jogo constituído por fábricas, nas quais se faziam produtos de cores diferentes, estradas e ferrovias por onde eles eram transportados, e um mercado bolsista. Havia um jogo de guerra, jogado num tabuleiro de 4000 quadrados, e até um jogo feudal, em que cada jogador tinha uma dinastia completa, com uma árvore genealógica. Acho que estes jogos, bem como os comboios, os barcos e os aviões, se relacionavam com o interesse em saber como os sistemas funcionavam e como podiam ser controlados. Depois de ter iniciado o meu doutoramento, esta necessidade foi preenchida pela minha investigação em cosmologia. Se compreendermos o modo como o universo funciona, podemos, de certa maneira, controlá -lo.

Stephen Hawking

1 comentário:

perhaps disse...

Extraordinário Stephen Hauking!

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