domingo, 2 de fevereiro de 2014

A FÍSICA E O GENOMA


O maior feito da ciência neste século ocorreu logo no seu inicio. Com efeito, em 2000 om Presidente dos Estados Unidos Bill Clinton e o primeiro-ministro britânico Tony Blair anunciaram que estava praticamente concluída a sequenciação completa do genoma humano, o conteúdo da molécula do ADN que está enrolada nos cromossomas, em resultado do Human Genome Project   – que terminaria no ano de 2003. 

 


Fig. 1. Esquema de um troço da molécula de ADN. A Adenina e a a Timina são bases complementares porque encaixam uma na outra, assim como a Guanina e a  Citosina.

O projecto encontraria três mil milhões de pares de bases (grupos químicos A, T, C, G, respectivamente Adenina, Timina, Guanina e Citosina, Fig. 1),  associados para formar cerca de 23 000 genes (segmentos do genoma que codificam o fabrico de proteínas, Fig. 2), num total de  800 MBytes de informação (pouco mais do que um CD-ROM). Nós não somos mais do que o resultado dessa longuíssima sequência AGTAC...



Fig. 2. Total de genes e de bases em cada um dos 23 cromossomas humanos. Mais bases nem sempre significa mais genes, pois há partes entre os genes (junk DNA) cujo papel está a ser intensamente investigado.

No final  do Human Genome Project  a sequenciação de um genoma custava cerca de cem milhões de dólares. Os preços foram decaindo a um ritmo espantoso. A decifração do genoma humano por menos de mil dólares passou a ser uma das metas mais perseguidas pela biomedicina. Em 2013, o bioquímico norte-americano Jonathan Rothberg anunciou uma nova máquina – o Ion Torrent - que promete cumprir essa meta. A sequenciação de um genoma passou não apenas a ser mais barata como bastante mais rápida. Existe concorrência:   a empresa Oxford Nanopore  anunciou uma solução tecnológica diferente mas com o mesmo propósito e resultado. Se se concretizar o preço anunciado,  a sequenciação do genoma humano indiviudual vai ficar ao alcance de muitas mais bolsas. E já se fala em máquinas que poderão fazer sequenciações por menos de cem dólares!



Fig. 3. Evolução do custo de sequenciação de um genoma humano desde 2001 até 2011. Uma recta neste gráfico de potências significa a chamada “lei de Moore” (conhecida da evolução dos microprocessadores). Mas aqui verificou-se claramente em 2007 uma mudança de declive da recta: more than Moore.

Mas para que serve a sequenciação do genoma? Cada um de nós distingue-se precisamente pelo ADN, uma molécula que existe no núcleo de cada uma das nossas células. Somos todos iguais, pois o genoma humano é quase todo igual, mas somos todos diferentes, pois as alterações individuais, apesar de poucas, são significativas (menos de um por cento do genoma humano é a diferença entre dois seres humanos). Algumas doenças e a predisposição para muitas outras estão nos genes. Conhecendo o perfil genético de cada pessoa, os médicos poderão, além de efectuar diagnósticos mais precisos, prescrever medicamentos à medida do paciente, praticando o que se chama medicina personalizada. Por outro lado, o tratamento estatístico dos dados anonimizados permitirá às empresas farmacêuticas e alimentares conhecer melhor o perfil de populações e fabricar produtos melhores para certos grupos. O próprio poderá, conhecido a sua natureza  genética, mudar o seu estilo de vida e viver mais e melhor. É todo um admirável mundo novo que se anuncia com a revolução em curso na genética.

Nos formidáveis avanços da genética os físicos têm desempenhado um papel proeminente. No Human Genome Project  participaram ao lado de químicos, biólogos, médicos e informáticos. Nas modernas empresas inovadoras que propõem soluções económicas são os responsáveis por electrónica que complementa a bioquímica e, nalguns casos, por soluções engenhosas de biotecnologia (com os nanoporos por onde passa uma cordão de ADN de modo a medir a corrente eléctrica e, portanto, a passagem sequencial das bases que formam o cordão, Fig. 4).



Fig. 4. Esquema de funcionamento de um nanoporo por onde passa um cordão de ADN. Esta solução é, por enquanto, futurista do ponto de vista comercial, mas nada impede que possa ser realizada.


Fig. 5.  James Watson e Francis Crick em 1953 juntos a um modelo tridimensional de ADN que eles próprios montaram.

A presença dos físicos nos estudos de genética está longe de ser nova. A estrutura da molécula do ADN foi descoberta em 1953 na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, por um físico inglês, Francis Crick, e por um então jovem biólogo norte-americano, James Watson, usando técnicas físicas de difracção de raios X (Fig. 5). A história está contada no livro A Dupla Hélice (Gradiva). E eles próprios reconheceram que uma forte motivação para o seu trabalho foi o livro de outro físico, o austríaco Erwin Schroedinger,  o autor da equação com o seu nome, que em 1943  publicou O que é a Vida? (Fragmentos), onde se interrogava sobre as bases físicas da hereditariedade, adivinhando de forma correcta o conteúdo dos cromossomas existente no interior do núcleo celular: “It is these chromosomes ... that contain in some kind of code-script the entire pattern of the individual's future development and of its functioning in the mature state.”

De facto, a biologia molecular foi, na sua origem, obra de físicos. O dinamarquês Niels Bohr, uma vez decifrado o essencial da teoria quântica que explicaba, nas palavras do inglês Paul Dirac, “toda a química e quase toda a física”  encorajou alguns jovens a seguirem carreira na biologia. Foi assim que o físico teórico alemão Max Delbrueck decidiu estudar a genética da mosca da fruta no Departamento de Biologia do Caltech. 

O caso da investigação do genoma, do homem ou de outros seres vivos, mostra como a ciência moderna é interdisciplinar. E como a física ocupa, desde há muitos anos e ao lado de outras ciências, um lugar indispensável no esforço de compreensão do mundo, incluindo naturalmente o mundo vivo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Transhumanismo, gnosticismo esta leitura da ciência possível é uma verdadeira fraude. Não obrigado! A questão nunca está na ciência, antes está sempre nos propósitos de quem a faz e paga.

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