quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Pedradas na lógica

Aristóteles (384 a. C.-322 a. C.)
Os que tiveram o privilégio de estudar, aprenderam que a lógica é o ramo da filosofia que ensina a pensar correctamente na busca séria do conhecimento. Aprendemos ainda que foi Aristóteles, no século IV a. C., o introdutor desta metodologia do pensamento da Grécia Antiga, o mesmo que ainda regula as nossas vidas. A lógica é, pois, como que a ferramenta do pensador.

Conta-se que um jovem curioso de saber se dirigiu a este que foi discípulo de Platão, e mestre de Teofrasto e de Alexandre, o Grande, dizendo-lhe que queria aprender com ele coisas sobre animais e invertebrados. Como resposta, Aristóteles (que também foi naturalista e quem primeiro dividiu os animais em vertebrados e invertebrados) ter-lhe-á dito, complacente: «Meu jovem, a tua frase conduz a um erro grave, posto que, logicamente, pressupõe que os invertebrados não são animais. E a verdade é que são. As formigas ou os mosquitos são tão animais como os cavalos ou as galinhas».

É por demais sabido que, entre nós, quando mudam os protagonistas da coisa pública, mudam-se os nomes de ministérios, de secretarias de estado, de direcções-gerais, de institutos, laboratórios e outros organismos públicos, ao sabor das novas políticas, o que sempre acarreta perturbações no trabalho e custos desnecessários. Mas é assim. Sempre assim foi e continuará a ser.

Quando, em 2007, sabe-se lá por que iluminada inspiração, o governo do Engº José Sócrates entendeu mudar o nome do Instituto de Conservação da Natureza, bem conhecido por todos pela sigla ICN, para “Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade” (Decreto-Lei 136/2007, de 27 de Abril), lá longe, no reino das almas, o filósofo terá comentado: «Estes rapazes acabam de cometer um erro grave, posto que, logicamente, a nova designação pressupõe que a biodiversidade não pertence à natureza. E a verdade é que pertence». E terá acrescentado: «O antigo nome deste departamento do Estado estava correcto, dizia tudo, o necessário e o suficiente».

Como já afirmei noutros locais, esta nova designação do citado organismo foi, pois, redundante, desnecessária, logicamente absurda e cientificamente ridícula. Não obstante as vozes que se levantaram contra este dislate, eis que, cinco anos depois, outros rapazes cometeram a mesma burrice, ao rebaptizá-lo de “Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas” (Decreto-Lei n.º 135/2012, de 29 de Junho), numa aceitação implícita de que as florestas não fazem parte da mãe natureza.

Estas duas infelizes designações oficiais que responsáveis da administração resolveram atribuir a esta prestigiada instituição, revelam-se tão absurdas como as que, entre outras barbaridades, põem em evidência esta negação do pensamento lógico:

“Sindicato dos médicos e dos cardiologistas”
“Confraternização de militares e sargentos”
“Dia mundial dos monumentos e dos castelos”
“Direcção-Geral do desporto e do futebol”
“Acção metropolitana de apoio à família e aos filhos”
“Observatório para o estudo dos pequenos mamíferos e dos morcegos”
“Liga de defesa e valorização das árvores e dos sobreiros”
“Comissão reguladora da venda do peixe e do bacalhau”
“Sociedade exportadora de frutas e de laranjas”
“Fundo de apoio à comunicação social e aos jornais”
“Associação nacional para a defesa do pequeno comércio e das retrosarias”
“Governantes e ministros em férias no Algarve”
etc., etc.,

num nunca mais acabar de disparates alheios ao pensamento do imortal estagirita e criador do Liceu de Atenas.

São doze violentas pedradas na lógica. Proferir ou escrever estas frases seria subentender que os filhos não pertencem à família, que os morcegos não são mamíferos, que os sobreiros podem ser tudo menos árvores e que o bacalhau não é peixe, nem as laranjas, frutos. Seria afirmar que os jornais estão fora da comunicação social e que os senhores ministros não são governantes, o que, nalguns casos, até faz algum sentido.

Pela sua acção de notada componente científica, importante, louvável e conhecida, o nome mais ajustado ao organismo em causa seria, simplesmente, “Instituto de Conservação da Biodiversidade”, posto que a natureza viva tem sido, desde sempre, a sua real e, praticamente, única vocação, deixando as preocupações da geodiversidade e as da geoconservação às instituições que já mostraram muito e bom trabalho nestes domínios como são o Laboratório Nacional de Energia e Geologia e as Universidades.

A. Galopim de Carvalho

3 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

A superior imagem da lógica.

Bom cidadão disse...

Veja que pode ser meramente uma questão de uma virgula... Ou seja, poder-se-ia chamar "Instituto da Conservação da Natureza, e da Biodiversidade", sendo óbvio que a conservação da natureza, estando ligada, não é o mesmo nem inclui totalmente a Biodiversidade...
Não afirmo que aquilo que diz está incorreto, é apenas uma alternativa logicamente mais assertiva. Resta saber se seria esta a intenção de quem deu este nome ao Instituto em questão - distinguir conservação da própria diversidade em si, em vez de referir a conservação da natureza, e a conservação da Biodiversidade.

Unknown disse...

Recomenda-se ao autor do comentário intitulado °Bom cidadão° uma revisão da lógica matemática, atento a que o artigo está imaculadamente correto....

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