sábado, 18 de janeiro de 2014

Ninguém compra o que não conhece

É aborrecido, mas nem demorou assim tanto tempo para aparecer o exemplo de para que serve a divulgação. Aqui há uns tempos escrevi um post sobre os cortes feitos na FCT à divulgação científica. E dizia que esse facto mostrava que a FCT desconhecia o seu papel na sociedade. Porquê? Porque sem ser consumida, a ciência produzida em Portugal fica condenada. E para ser consumida, precisa ser divulgada. Não divulgada do ponto de vista educacional, para isso há milhares de canais alternativos, a maior parte gratuitos. Mas divulgada do ponto de vista comercial.

Uma conhecida cientista na área da Física da Matéria Condensada dizia há uns tempos a um jornal que fazia muito boa ciência, mas os empresários portugueses não queriam usa-la. E isto mostra em muito aquilo que eu quero transmitir neste post. Os empresários portugueses têm muitas formas de investir, a começar por investir em ciência que não é feita por portugueses. Porquê? Porque o esforço comercial de vender essa ciência já foi feita em Estocolmo, em Amesterdão, em Londres. Essa ciência eles conhecem. O ónus de vender a ciência feita em Portugal, ou o que quer que seja, é de quem produz, não é de quem consome. A não ser que algum dos leitores se considere culpado pela falta de vendas de outra pessoa qualquer. Enquanto investidor, posso investir em tudo o que seja ciência, mesmo que tenha pouco para investir. O que não falta no mundo são fundos de participações sociais que o fazem.

Mas mesmo que eu, dotado de toda a boa vontade patriótica, quisesse investir na ciência feita em Portugal, o que faria? Simples, é só andar a lamber os abstracts todos dos papers produzidos, ter capacidade de saber do que se trata, pegar naqueles que me parecem mais viáveis do ponto de vista económico e que faz mais sentido para aquilo que sei e aprofunda-los, ler as referências, os estados da arte, o que está feito e quem ocupa o mercado, etc. E ainda nem comecei a lidar com as idiossincrasias do mundo académico, de aturar prima donas que se acham bafejadas pelo hálito dos Deuses porque tiraram um doutoramento em Carcerária Marítima Aplicada e outros cromos abundantes.   Querem comparar isto a investir num fundo? Ou a pegar no dinheiro e comprar um Aston Martin?

Fazendo um diagnóstico honesto da ciência produzida em Portugal, quem é que sabe o que se pode fazer com aquilo que está a se feito na unidade do lado? Eu já nem estou a falar de um sujeito que tirou gestão na U. Rute Marlene e agora tem que gerir investimentos. Estou a falar dos cientistas. Quantos deles sabem as aplicações da investigação feita na unidade do lado?

Fazer ciência sem a vender é dinheiro deitado à rua. E isto não tem nada a ver com a área de investigação ou se é teórica ou tecnológica. Nada. Podia passar aqui dias a dar exemplos de grandes "vendas" de história ou física teórica. Trata-se de saber vender essa investigação. E vender ciência implica conhecê-la e vende-la porta a porta, não é  fazer programas de televisão ou publicar revistas. É olhar nos olhos de investidores que têm que decidir do dinheiro dos patrões e mostrar-lhes que aquilo é o que precisam para terem produto ou serviço.

Isto porque muita gente ficou escandalizada com a afirmação do ministro da Economia de que a ciência devia estar mais próxima da economia. Se tudo aquilo que disse acima considero válido quando se fala de  dinheiro de investidores é, por maioria de razão, válido para o dinheiro dos pobres. O ministro da Economia está repleto de razão, independentemente da fracção da culpa que lhe cabe. O ónus da venda é de quem produz. E da próxima vez que se desperdiçarem os recursos da divulgação, imaginem os cortes que vêm de seguida.

18 comentários:

Anónimo disse...

"Consumir ciência". Pode explicar melhor?

Anónimo disse...

Devagar , devagarinho, se chega ao pensamento único e.......... aos autos de fé

Maria da Luz disse...

A ciência é uma loja, com o é a religião, a arte, a filosofia... Sem economia não se come. Uma tristeza esta "espiritualização" da condição humana.

João Pires da Cruz disse...

Os medicamentos feitos de moléculas, discos de cabeças magnéticas, finanças de modelos matemáticos, turismo de história, poupança de impostos de descobertas sociais ... Se eu souber para que serve uma molécula (para dar um exemplo de uma coisa da qual não vejo um boi) até posso fazer o investimento de construir um plano de negócio, estudar mercados, meios de produção, etc. para ver se, eventualmente vale a pena. Se tiver que ir ler o abstract de um paper sobre a síntese do alpha-peri-beta-1,2-hidro-meta-pico-benzo-tri-quadri-feta-raio-que-parta...

João Pires da Cruz disse...

Chica, autos de fé???? Você vê isso tudo daquilo que eu disse?

João Pires da Cruz disse...

Podíamos ter só cientistas ricos, daqueles como no sec 17 que eram tão ricos que se poderiam dedicar à espiritualidade do saber. Mas eu estou preocupado nesta fase com os profissionais e como se consegue colocar estes miúdos brilhantes a trabalhar naquilo para que nasceram.

Maria da Luz disse...

Engano. Os ricos são só capazes de dinheiro. Os pobres são só capazes da falta dele. Os únicos capazes de espiritualidade são os vagabundos intelectuais, daqueles que desistiram da razão.

Anónimo disse...

Até consigo ver mais! Se o mercado é o deus todo poderoso, que mais valia têm velhos, doentes e deficientes? Apenas gastam recursos que podem ser alocados à produção de mais riqueza.


Ivone Melo

Pedro disse...

Da teorização sobre as moléculas à sua aplicação à farmacologia passaram dezenas de anos; do conjunto de teorias que permitiram os discos de cabeças magnéticas à concretização destes percorreram-se mais de meio século; da invenção da história (que é fundamental para existência de um país) ao turismo histórico foram séculos; dos modelos matemáticos, puramente especulativos, no bom sentido do termo, à sua aplicação às ciências económicas, quase um século. Os exemplos que dá e que poderia dar são, em geral, marginais nos campos (a história resumes-se ao turismo?; a física de partículas, a literatura ou a filosofia a nada?) e com um hiato temporal tão alargado que deixam de ser exemplos. Aliás, os exemplos que dá são exemplos do oposto que quer argumentar: só depois de décadas de trabalho teórico, especulativo, movido por aquilo que é essencial em ciência (que não é tecnologia, mas scientia), enchendo caixotes de lixo de tentativas e rascunhos, é que existem condições para alguém produzir algo com valor económico directo. Portanto, não é a ciência fundamental (nas suas múltiplas áreas) que andar a vender produtos às empresas, pois isso é não é o seu objecto, mas são as empresas que têm que compreender que só poderão alguma vez competitivas a nível global se houver investimento durante dezenas de anos (!) em ciência fundamental. Só assim poderá existir massa crítica, conhecimento especializado e lider. O contrário disto é comprar a ciência que foi desenvolvida noutros cantos do mundo e nunca sair da semi-estagnação. Colocar a economia como entidade suprema num país com uma economia de dona-de-casa, sem industrias, sem formação intelectual, é repetir o fado de se ser provinciano e querer fazer fotocopia do que é feito "lá fora". É dizer que o importante é vender, esquecendo que não há nada para vender. E que para vender algo diferenciador são precisos anos e anos de trabalho. É como afirmar que as empresas devem dar lucro logo no seu primeiro ano, quando a história mostra que a grande parte das empresas fortes demoraram anos e anos de construção (e, muitas vezes, de prejuízos). Já vimos este filme no século 19, no século 20; já vimos este filme em todos países subdesenvolvidos. Não conhecer a história é a forma ideal de repetir os seus enganos. É este o caminho que a FCT e alguns ministros optaram. É uma estupidez típica de gente com fraca formação intelectual e o garante que o país vai continuar a ser pobre.

Anónimo disse...

Entregámos o leme do país a gente tacanha e agora estamos naturalmente a começar a afundar. Este João Piresa da Cruz é apenas uma caixa de ressonância desse pensamento pequenino que, quanto muito, produz riqueza de fichas de casino.

João Pires da Cruz disse...

E não é que depois disto, este João Pires da Cruz é aquele que vai continuar a vender a sua ciência? Lixado para essa retórica, não é? Deixem-me adivinhar é este João Pires da Cruz o culpado por a vossa ciência não valer um euro? Ninguém lhe dar valor ao ponto de trocar o café da manhã pela vossa enorme capacidade intelectual? Acho bem, fiquem com a vossa ciência, desde que não me obriguem a dar dinheiro por ela, nem venham pedir bolsas...

Anónimo disse...

Se sabe que toda a ciência em Portugal não vale um euro, nem agora, nem daqui por muitos anos, então deveria ir para profeta económico. Daquele tipo de profetas económicos que ao mesmo tempo que afirma que algo não vale um euro, afirma que é ele que a vende e - mais! - que não está disposto a contribuir para que ela exista e julga que as máquinas - também as café - surgem de geração espontânea. De facto, a retórica é lixada; envolve argumentos e estrutura lógica e é preciso pensar, imagino que o incomode. Vá lá então vender ventos e atirar as cartas para decidir sobre a qualidade da ciência em Portugal. Quem sabe se ainda não é convidado para professor de empreendedorismo?

João Pires da Cruz disse...

Eu não disse que a ciência em Portugal não vale um euro. Quem disse foi você, admitindo que a sequencia de anónimos correspondem à mesma pessoa.

Pedro disse...

Não. O anónimo das 15h é outra pessoa. Cito-o: "Deixem-me adivinhar é este João Pires da Cruz o culpado por a vossa ciência não valer um euro? Ninguém lhe dar valor ao ponto de trocar o café da manhã pela vossa enorme capacidade intelectual?". Sublinho o "vosso" que é escrito e repetido por si, relembrando-o que estávamos a falar da ciência em Portugal. É uma questão de honestidade intelectual.

João Pires da Cruz disse...

Continuo sem falar da ciência em Portugal. Nem toda a ciência em Portugal precisa de recorrer ao dinheiro dos pobres. Há centenas de pessoas que fazem ciência e outras pessoas pagam livremente por isso. Ou você é a ciência em Portugal?

maria disse...

pois é . dinheiro para a ciencia , dinheiro para a cultura ... muito importante ! mais do que pão . do dinheiro para a cultura eu já vi algumas coisas ( comecei a ver, não se consegue ver até ao fim de tão chato ) , será que o retorno do que pago para a ciencia é qualquer coisa como a branca de neve do cesar das nebes ? é que se for , passo. mais sensato comprar já feito nos usa ou india,

maria disse...

mas que eles não nasceram para aquilo..foram atrás de uma moda ou de propaganda ou de publicidade. acharam giro ser cientista, mas não é quem quer , é quem pode. e quem pode , são muito poucos. o génio não anda por aí ao desbarato. e pagar coisas medianas não apetece. , é que não apetece mesmo. os miudos todos dão chutos na bola , futebol é o máximo ! mas jogadores há pucos. eusebiando falando , muitos cientistas da escola jamais entrariam em campo :)

Anónimo disse...

Pela forma como escreve, a maria é o exemplo da razão pela qual temos que investir mais na formação, a todos níveis.

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