domingo, 10 de novembro de 2013

Sós



Um livro recente, da psicóloga Sherry Turkle, tem o sugestivo nome "Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other". É um livro que chama a atenção para um paradoxo que já me tinha dado conta: nunca tivemos tantos e tão ricos meios de comunicação e no entanto nunca vivemos tão sós.

Começo por admitir que autor destas linhas é, ele próprio, um ciberfanático com dezenas de contas em redes sociais e que vive imerso em tecnologia quase 24h por dia. Mas há qualquer coisa errada com a tecnologia. Ou melhor, com a forma como a tecnologia está a transformar radicalmente as pessoas e sua socialização.

Era suposto a tecnologia melhorar o mundo e a sociedade. E em muitos aspectos isso aconteceu e continua a acontecer a uma velocidade vertiginosa. Mas não tenho tanta certeza que a tecnologia nos tenha tornado melhores pessoas e em sociedades melhores (o que seja que isso significa). É o lado humano da questão que me preocupa.

Um dia observei algo que me fez repensar a minha perspectiva da tecnologia e o seu efeito nas pessoas. Numa sala com vários adolescentes, vi-os a olhar a cada 20 segundos para o seu telemóvel ou smartphones (talvez enviando tweets, emails, SMS ou a "checkar" o status do Facebook). Nem foi tanto isso que me surpreendeu, mas o silêncio de cortar à faca que se fazia sentir. Aquele cenário fez-me calafrios, como se estivesse num filme de terror em que os jovens à minha frente fossem todos reféns de uma força obscura maligna que quisesse dominar o mundo.

Aparentemente, pelo menos na sua perspectiva, eles estavam a socializar-se: a partilhar o seu status no Facebook, a enviar fotos para o Instagram, a enviar talvez um SMS ao amigo ao lado a dizer o quanto se estava a divertir. Mas eu não os via assim. Eu via-os sós, completamente sós.

Há várias formas de solidão, e considero até que a solidão é não só saudável como indispensável para uma adequada socialização. Uma solidão que nos faça reflectir nos nossos valores e atitudes. Uma solidão incomodativa que questione as nossas crenças e incorpore os outros na nossa perspectiva.

Mas aquela não era esse tipo de solidão. Era uma solidão produzida pelo medo de estarem sós. A solidão do pior tipo e um completo paradoxo. Eles não queriam estar fora da "onda", fora das redes sociais, fora da enxurrada de SMS sem sentido e totalmente vazios de conteúdo. Eles queriam estar lá onde "se passava a acção". E estavam. Só que ao estar "lá" não estavam "cá".


4 comentários:

André Rodrigues disse...

sugiro a visualização deste clipe de video, inspirado nas ideias do livro. muito sugestivo, 4 minutos de informação lúcida e perturbadora!
http://vimeo.com/70534716

Anónimo disse...

"nunca vivemos tão sós." É claro que isto não é verdade apesar de estar na moda dizê-lo. Por que razão está na moda uma coisa tão obviamente falsa é que eu não sei explicar.

Eremita disse...

Socializar com quem? A fazer o quê? A ouvir que teorias?

Afinal, qual é a diferença entre a virtualidade das redes sociais e a virtualidade dos amigos presenciais? Fora a família nuclear (e às vezes, nem essa) o social é virtual. Estamos "lá" para fazermos o que nos interessa e vermo-nos ao espelho. E já agora, em conjunto, somos mais giros... Jogamos... Vamos à praia com mais tralha... Vamos ao café debicar umas palavritas... Dizemos mal uns dos outros... Politicamos... Catamo-nos… Tiramos fotografias… Fazemos umas solidariedadezinhas… Mostramos o quão importantes ou lindos ou inteligentes somos... e coisas assim... diz que saudáveis psicologicamente... porque estes vazios são inevitáveis, dada a imensa HUMANIDADE de que sofremos.

Ora, a solidão pode deixar de o ser quando se puxa da estante (ou, mais raramente, de outro sítio) um crânio que realmente fale, sem verborreia, nem cascas físicas, nem aquelas coisas tão interessantes e fundamentais para a felicidade macacal. Por isso, a literatura, a ciência deveriam ser obrigatórias até ao fim de qualquer ciclo de estudos. Não vá algum precioso ser, com pouca pachorra para este intenso e profundo social, querer sentir-se bem acompanhado com a solidão…
Temos de criar alternativas de nós a nós próprios.

augusto küttner de magalhães disse...

Horrivel esta solidão.

Um destes dias num restaurante ao almoço de sábado, mãe, pai, e filha e filho adolescentes. Almoçaram sem trocar uma palavra. Uma única. a nao ser com o empregado para escolher o que iriam comer.


Comeram cada um virado para o seu ipad, iphone, telemovel, a comida entrava mecanicamente na boca. Acabado o repasto os jovens levantaram-se e disseram esperamos lá fora.

Os pais sem falar entre si pediram a conta, pagaram e sair. Quatro pessoas numa mesa ou quatro pessoas cada uma na sua, foi exactamente a mesma SOLIDÃO!!!!!!!!!

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