terça-feira, 8 de outubro de 2013

A CULTURA CIENTÍFICA EM PORTUGAL

Hoje às 18h30 estarei na Casa Andersen (Jardim Botânico no Campo Alegre) do Porto no lançamento do livro "A Cultura Científica em Portugal" de Luís MIguel Bernanrdo, editado pela Universidade do Porto. Eis um excerto sobre as funções e objectivos da ciência sobre um livro que vale muito a pena ler sobre o passado e o presente da cultura em Portugal: 

"Na civilização ocidental, a verdade, a liberdade, a justiça, o bem e a beleza constituem valores basilares “cuja posse realiza o mais aproximado ideal da felicidade humana” . A ciência moderna tem por objectivo a busca da verdade e transforma-se, na opinião de Henri Poincaré (1854-1912), em instrumento de moralidade e de justiça quando procura a verdade de uma forma desinteressada. Para este matemático, que também foi físico, filósofo e divulgador da ciência , o motivo do prazer e da beleza, no processo da busca da verdade, é particularmente importante :
O cientista não estuda a natureza porque ela é útil; ele estuda-a porque dela obtém prazer e obtém prazer porque ela é bela. Se a natureza não fosse bela, não valeria a pena ser conhecida, a vida não valeria a pena ser vivida.
 Nesta concepção purista, a ciência é um fim em si mesma, tal como a música, a pintura e a poesia.

Ao analisar a atitude dos cientistas perante a ciência, o famoso matemático português, Francisco Gomes Teixeira (1851-1933), sublimou o próprio conceito de beleza ao afirmar que
 “os que se ocupam das ciências começam a estudá-las pelo que têm de útil, principiam a amá-las quando compreendem o que têm de belo, e apaixonam-se por elas quando sobem assaz alto para abranger o que têm de sublime” . 
 Dadas as suas ligações profundas com os nossos valores civilizacionais, a ciência tem contribuído para o desenvolvimento intelectual, social, moral e artístico, que a nossa civilização tanto procura alcançar.

A imagem pura e utópica da ciência, exposta por Poincaré e Gomes Teixeira, começou por existir na Grécia Antiga. A ciência cartesiana possuía ainda o carácter especulativo da ciência grega, mas já com alguns sinais de finalidade prática . Porém, a ciência baconiana trazia já em si a semente do utilitarismo, embora Bacon valorizasse tanto os resultados inspiradores da ciência, a que chamava luminosos (“lucifera”), como os resultados práticos e utilitários (“fructifera”) . O princípio da subjugação da natureza e o uso das forças e das leis naturais em benefício do Homem ─ princípios defendidos por Francis Bacon ─ vingaram na Inglaterra do século XVII e, desde então, o baconianismo fez escola em todo o mundo.

 Oliveira Martins (1845-1894), não desprezando o papel da ciência e da tecnologia na sociedade, entendia que, num projecto nacional, o utilitarismo e o materialismo puro das nações ango-saxónicas deveria ser mitigado pelas virtudes do idealismo da “raça hispano-portuguesa” … Mesmo sem a desejada intervenção da nossa raça… a componente especulativa e aprazível continuou a fazer parte integrante da ciência. Actualmente, a ciência pura, associada à ideia do saber pelo saber, desinteressado e especulativo, conserva claramente esta componente. Por outro lado, a ciência aplicada tem por objectivo a satisfação de necessidades humanas, quer estas sejam reais ou imaginárias. Carlos de Melo afirmava em 1911 durante uma sessão pública da Academia de Ciências de Portugal : 
 Tem a Sciência três funções: teórica ou de adquisição, prática ou de aplicação, social ou de eboação. A primeira acumula o saber pela observação, pelo raciocínio, pelo cálculo, pela experiência; a segunda aplica o saber acumulado às necessidades materiais da vida, isto é, à defesa, conservação e progresso da espécie humana; a terceira concentra o poder espiritual da primeira e o poder temporal da segunda, orientando a fôrça e a independência adquiridas em prol da bondade e da justiça, nobilitando a Humanidade.
 Unamuno, citado por Herculano de Carvalho, reafirmava o carácter, tanto utilitário como cultural, da ciência: 
Porque a ciência tem duas saídas: uma que se dirige à prática, material, para construir a civilização que nos envolve e facilita a vida; outra que se eleva à acção teórica, espiritual, para produzir a cultura, que nos completa e fomenta a vida interior, e para criar a filosofia que, nas asas da inteligência, nos eleve ao coração e aprofunda o sentimento e a seriedade da vida. 
 Para a concretização dos seus objectivos e a realização das suas funções, a ciência utiliza meios que ela própria desenvolve e que vão dos conceitos de matemática pura e abstracta à instrumentação, da mais simples à mais sofisticada. Na sua missão de descoberta da verdade, a ciência tem mostrado uma eficácia incomparavelmente maior que todos os outros métodos não científicos, supostamente alternativos. Uma tal eficácia resulta do método ─ associado à disciplina de trabalho e à honestidade intelectual ─ e da superioridade da linguagem matemática que quantifica as relações entre os objectos de estudo. Através da análise e síntese matemáticas, a ciência moderna deixou de ter um carácter puramente indagador, conseguiu um notável grau de rigor descritivo e atingiu os mais elevados níveis de compreensão. Aliados a todos estes factores, “o desejo desinteressado de saber e a necessidade de dominar com eficiência objectos e forças da Natureza têm sido os mais fecundos e constantes impulsos do conhecimento”, como muito bem resumiu, há mais de sessenta anos, Joaquim de Carvalho."

Luís Miguel Bernardo

1 comentário:

Jorge Teixeira disse...

Na sociedade portuguesa, a verdade, a liberdade, a justiça, o bem são coisas que estão completamente ausentes. Vivemos hoje na mais completa barbárie. Cultura, a pouca que havia, tem sido sistemáticamente exterminada. Basta olhar à volta para todas as "reformas" escolares. Cultura científica não existe, nem dentro das próprias universidades. Basta ver a forma ridícula e absurda como hoje se redige em acordês, que é um produto da pseudo-ciência e nunca devia ter entrado dentro da Academia.

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