sexta-feira, 2 de agosto de 2013

INTRODUÇÃO À TEORIA DO CONHECIMENTO

Trecho sobre "Racionalismo e empirismo" do livro "Introdução à Teoria do Conhecimento", de Dan O'Brien, que acaba de sair na Gradiva (colecção Filosofia Aberta) com tradução de Pedro Gaspar e revisão científica de Aires Almeida:

"Os racionalistas acentuam a importância do conhecimento a priori, e aqui será útil introduzir um pensador racionalista de vulto e avaliar o papel do conhecimento a priori na sua epistemologia. Descartes é porventura o epistemólogo mais influente da filosofia ocidental, e iremos considerar vários aspectos do seu pensamento ao longo do livro. As suas Meditações foram escritas num tom autobiográfico: o filósofo aparece- nos sentado à lareira, matutando sobre a natureza do conhecimento. Primeiro, levanta algumas dúvidas de natureza céptica no sentido de que poderemos não ter qualquer conhecimento do mundo (capítulo 9); no entanto, encontra salvação num elemento seguro do conhecimento: «cogito, ergo sum» («Penso, logo existo »); isto é por vezes referido como o cogito. A nossa própria existência é algo acerca do qual não podemos estar enganados. Depois, usando um raciocínio inteiramente a priori, tenta demonstrar que Deus também existe (capítulo 15). Deus, bom como é — uma vez mais, algo que podemos saber a priori — não poderia permitir que fôssemos criaturas epistemicamente tão limitadas, e assim temos certas crenças justificadas acerca do mundo empírico. Certos aspectos cruciais da epistemologia de Descartes são, pois, desenvolvidos por meio do raciocínio a priori. Importa esclarecer, no entanto, que Descartes não renega toda a experiência. Depois de encontrarmos uma demonstração a priori da existência de Deus, temos de proceder a observações cuidadosas do mundo a fim de adquirir maior conhecimento. No entanto, é o conhecimento a priori que permite, em última instância, justificar as crenças empíricas que adquirimos dessa forma.

Os empiristas aceitam que algumas verdades podem ser conhecidas a priori, mas essas verdades são consideradas desinteressantes, não-instrutivas e tautológicas. Ao tomarmos conhecimento de que os solteiros são homens não-casados, não aprendemos nada de substancial acerca do mundo, mas apenas algo acerca do significado das nossas palavras, ou seja, que, em português, «solteiro» tem o mesmo significado que «homem não-casado».

[A]s verdades da razão pura, as proposições que sabemos serem válidas independentemente de toda a experiência, são-no em virtude da sua falta de conteúdo factual. Dizer que uma proposição é verdadeira a priori é dizer que é uma tautologia. E as tautologias, embora possam servir para nos guiar na nossa demanda empírica do conhecimento, não contêm em si mesmas qualquer informação sobre qualquer questão de facto. (Ayer, 1990, p. 83)

Este tipo de conhecimento é a priori porque pode ser adquirido em virtude da mera compreensão dos conceitos relevantes; não requer qualquer outro tipo de investigação do mundo. Os empiristas afirmam que todas as verdades a priori são «analíticas», tal como as descreveu Immanuel Kant. São verdadeiras em virtude dos significados dos termos utilizados para as exprimir, e a sua verdade só pode ser descoberta com recurso à análise filosófica. As verdades analíticas contrastam, deste ponto de vista, com as verdades que são «sintéticas». As verdades sintéticas não dependem apenas do que os nossos termos significam, mas também daquilo que o mundo revela ser. O facto de os coalas comerem folhas de eucalipto não faz parte do conceito de COALA; não obstante, é verdadeiro, e é-o porque descobrimos que é isto que os coalas fazem. É uma verdade sintética. Não devemos, no entanto, equiparar a distinção entre o empírico e o a priori à distinção entre o sintético e o analítico. A primeira é uma distinção epistemológica: tem a ver com a fonte da justificação para as nossas crenças. A segunda é uma distinção semântica: o que está em causa é se certas verdades o são apenas em virtude dos significados dos conceitos relevantes. Apesar de estas distinções dizerem respeito à justificação e ao significado, respectivamente —dois aspectos distintos da linguagem e do pensamento — o empirista afirma que elas moldam o nosso conhecimento da mesma maneira: todo o nosso conhecimento a priori, e apenas ele, é analítico, e todo o nosso conhecimento empírico, e apenas ele, é sintético. O único conhecimento independente da nossa experiência que podemos ter é, segundo o empirista, o que diz respeito ao significado das nossas palavras e pensamentos; qualquer conhecimento substancial do mundo deve ser adquirido através da experiência. É esta posição que iremos questionar na secção seguinte. (No capítulo 11 iremos examinar também a tese de Willard Quine segundo a qual todo o conhecimento é empírico e nada pode ser conhecido a priori, nem mesmo os significados.)"

Dan O'Brien

2 comentários:

Rosário Freitas disse...

Continuam a ser duas questões muito importantes para a compreensão da epistemologia. Parabéns pela publicação.

João Lisboa disse...

Leitura urgente para quem muito necessita dela: http://lishbuna.blogspot.pt/2013/08/blog-post_1340.html

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