terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A marcha implacável da desordem


Roger Penrose explica em "Ciclos do tempo" que acaba de sair na colecção Ciência Aberta da Gradiva a famosa segunda lei da termodinâmica, que para C.P. Snow é tão ou mais importante como bagagem cultural que a obra de Shakespeare. Um extracto:


"A segunda lei da termodinâmica — o que é esta lei? Qual é o seu papel central no comportamento físico? E de que modo representa genuinamente um mistério profundo? Nas secções seguintes deste livro tentaremos entender a natureza enigmática deste mistério e como podemos percorrer um longo caminho de modo a resolvê‑lo.

Este percurso levar‑nos‑á a áreas inexploradas da cosmologia, e a questões que estou convencido que apenas podem ser resolvidas com uma perspectiva radicalmente nova da história do nosso universo. Mas trataremos estes assuntos mais tarde. De momento vamos restringir a nossa atenção à tarefa de entender melhor o que representa esta lei omnipresente.

Normalmente quando pensamos numa «lei da física» pensamos nalgum tipo de afirmação sobre a igualdade de duas coisas diferentes. A segunda lei de Newton, por exemplo, relaciona a taxa de variação do momento de uma partícula (o momento é a massa multiplicada pela velocidade) com a força total que actua na partícula. Outro exemplo, a lei da conservação da energia, assegura que a energia total de um sistema isolado num determinado momento é igual à sua energia em qualquer outro momento. De igual modo, as leis da conservação da carga eléctrica, do momento linear e do momento angular, correspondem cada uma a uma igualdade para a carga eléctrica total, o momento linear total e o momento angular total. A famosa lei de Einstein E = mc2 assegura que a energia de um sistema é sempre igual à sua massa multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz. Ainda outro exemplo, a terceira lei de Newton, assegura que a força exercida por um corpo A num corpo B em qualquer momento é sempre igual e oposta às forças que actuam em A devido a B. E assim sucessivamente para muitas outras leis físicas.

Trata‑se sempre de igualdades — e isto também se aplica ao que se chama primeira lei da termodinâmica, que é na realidade apenas a lei da conservação da energia, mas agora num contexto termodinâmico. Dizemos «termodinâmico» porque agora é tida em conta a energia da agitação térmica, isto é, a energia dos movimentos aleatórios das partículas constituintes. Esta energia é a energia de calor de um sistema, e definimos a temperatura do sistema como esta energia por grau de liberdade (como veremos de novo mais tarde). Por exemplo, quando a fricção da resistência do ar abranda um projéctil, a lei da conservação da energia total (isto é, a primeira lei da termodinâmica) não é violada — apesar da perda de energia cinética, devido ao abrandamento do projéctil — porque as moléculas do ar, e as do projéctil, ficam ligeiramente mais energéticas nos seus movimentos aleatórios com o aquecimento provocado pela fricção.

Contudo, a segunda lei da termodinâmica não é uma igualdade, mas uma desigualdade, que garante apenas que uma certa propriedade chamada entropia de um sistema isolado — que é uma medida da desordem do sistema, ou «aleatoriedade» — é maior (ou pelo menos não é menor) mais tarde do que foi anteriormente. Em paralelo com esta aparente fraqueza do enunciado da lei, veremos que também há algo de vago e uma certa subjectividade na própria definição de entropia de um sistema. Além do mais, na maior parte das formulações, somos levados a concluir que há momentos ocasionais ou excepcionais em que a entropia de facto (mas temporariamente) diminui com o tempo (numa flutuação), apesar de a tendência geral ser o aumento da entropia.

Contudo, em contraste com a aparente imprecisão inerente à segunda lei (como me referirei a ela a partir de agora), esta tem uma universalidade que vai muito além de qualquer sistema particular de regras específicas de dinâmica. Aplica‑se igualmente bem, por exemplo, à teoria da relatividade e à teoria de Newton, e também aos campos contínuos da teoria de Maxwell do electromagnetismo (que estudaremos um pouco em §2.6, §3.1 e §3.2, e em bastante mais pormenor no apêndice A1), do mesmo modo que a teorias de partículas discretas. Aplica‑se também a teorias dinâmicas hipotéticas que acreditamos não terem relevância para o universo que habitamos, apesar de ser mais pertinente quando aplicada a dinâmicas realistas, como a mecânica newtoniana, que têm evolução determinística e são reversíveis no tempo, de modo que, para cada evolução válida para o futuro, inverter a direcção do tempo dá‑nos uma outra evolução igualmente válida de acordo com a dinâmica.

Pondo as coisas em termos familiares, se tivermos um filme com alguma acção de acordo com leis da dinâmica — como as leis de Newton —, que são reversíveis no tempo, a situação representada quando o filme é visto de trás para a frente também está de acordo com as leis da dinâmica.

O leitor provavelmente estará confuso com isto, porque enquanto um filme de um ovo a rolar de uma mesa, a cair ao chão e a partir‑se representaria um processo dinâmico permitido, o filme de trás para a frente — com o ovo partido espalhado no chão a juntar‑se milagrosamente a partir dos pedaços de casca, com a gema e a clara a juntarem‑se e a serem rodeadas pela casca, e depois a saltar por si para o tampo da mesa — não é um acontecimento que esperemos ver alguma vez num processo físico real (figura 1.1). Contudo, a dinâmica newtoniana de cada molécula individual, com a sua reacção de aceleração (de acordo com a segunda lei de Newton) a todas a forças que actuam na molécula, e as reacções elásticas envolvidas em todas as colisões entre partículas, é completamente reversível no tempo. Este seria também o caso para o comportamento mais pormenorizado de partículas relativistas e quânticas, de acordo com os princípios usuais da física moderna — apesar de haver algumas subtilezas na física de buracos negros em relatividade geral, e também em mecânica quântica, nas quais não quero entrar em pormenor por enquanto."

Roger Penrose

3 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Correcto de muitíssima importância. Era necessário ter percebido o direccionamento científico Perouse.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Penrose*

Cláudia da Silva Tomazi disse...

C'almaria



Per navegastes a nem temor
de paradígma tam distinto,
o teria um vento de clamor,
acolher-te-ía é vosso recinto!

Querer e batel, palavra e ardor,
sábio o tê-lo e, mui agraciada
quão homérico e com sabor,
houvera da rima esvoaçada.

No luar em véu de soluço,
teu derradeiro, era tristonho,
posto a velar-te de mo castiço,

e, quantos dias?! Vira-te risonho,
curar-te-ía:ninhos de assombro;
erguer-te-ía à nem escombro.

DUZENTOS ANOS DE AMOR

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