quarta-feira, 16 de maio de 2012

Um parafuso químico muito geológico



Texto de divulgação da Química que pedimos à professora Margarida Milheiro:

Alexandre-Emile Béguyer de Chancourtois (1820-1886) foi o primeiro cientista a apresentar uma representação dos elementos químicos, ordenada segundo a sua massa atómica e propriedades físicas e químicas. Chamou-lhe parafuso telúrico, a primeira organização de elementos químicos em 3D. Mas Chancourtois não era químico, mas sim geólogo, tendo a sua formação tido muita importância na representação que criou.

Chancourtois apresentou a sua proposta de organização dos elementos químicos a 13 de Outubro de 1862, no decorrer de uma sessão da Académie des Sciences em Paris. Era constituída por uma tabela organizada sob a forma de um cilindro dividido em 16 partes verticais iguais, baseado na massa atómica do oxigénio (massa atómica ≈ 16). Elementos químicos com uma diferença de “números característicos” de 16 apresentavam, para Chancourtois, propriedades químicas e físicas semelhantes.

Chancourtois ordenou os elementos químicos segundo a sua massa atómica, a que deu o nome de “números característicos” (nombres caracteristiques, no original). Os elementos químicos estão representados sobre uma linha descendente, da esquerda para a direita, com um ângulo de 45º em relação ao eixo vertical, como se pode ver na figura seguinte.

A organização dos elementos no parafuso telúrico permite que elementos da mesma “família” ou grupo (elementos com propriedades físicas e químicas semelhantes) apareçam em linha verticais, ordenados em ordem crescente de cima para baixo. Para Chancourtois elementos químicos com uma diferença de “números característicos” de 16 apresentavam propriedades químicas e físicas semelhantes.

Chancourtois agrupou correctamente elementos do grupo dos metais alcalinos (lítio [Li], sódio [Na] e potássio [K]), metais alcalino-terrosos (magnésio [Mg] e cálcio [Ca]) e elementos do grupo dos halogéneos (fluir [F] e cloro [Cl]). 

Quando Chancourtois apresentou o parafuso telúrico em 1862 existia ainda um grande debate relativo à forma correcta de determinar a massa atómica dos elementos. Chancourtois seguiu a hipótese apresentada pelo químico britânico William Prout (1785-1850), de que “a massa atómica de cada elemento químico é um múltiplo inteiro da massa atómica do hidrogénio” [massa atómica do hidrogénio ≈ 1,0]. Assim Chancourtois arredondou os valores das massas atómicas de forma a tornarem-se números inteiros. Um exemplo é o cloro (Cl), cuja massa atómica (≈ 35,5) foi arredondada para 35, de forma a ficar exactamente alinhado verticalmente com o flúor (F), de massa atómica 19 (19 + 16 = 35).

Chancourtois chamou à sua representação “vis tellurique” ou parafuso telúrico. O nome parafuso resulta da estrutura cilíndrica e da leitura em espiral, de cima para baixo. O termo telúrico refere-se ao elemento químico telúrio (Te), que ocupa o ponto central da tabela de Chancourtois. A posição do elemento telúrio no centro da tabela parece não ter sido casual. O termo telúrio vem de tellos (o termo grego para “terra”) e Chancourtois era geólogo. Em Portugal o parafuso telúrico é mais conhecido como caracol de Chancourtois.

Embora hoje seja conhecido apenas pela sua proposta de organização de elementos químicos, no seu tempo Chancourtois era um famoso geólogo, professor na área de Geologia na École des Mines em Paris, França. Foi um dos responsáveis pela cartografia do mapa geológico de França na escala 1:80 000 (função que manteve até 1875). Para além disso Chancourtois foi oficial da Legião Francesa (1856) e Chefe de Gabinete do Ministério de Argélia e das Colónias de Napoleão. Em 1880 tornou-se Inspector Geral de Minas, da divisão das regiões Norte e Oeste, cargo que reteve até à sua morte.

O parafuso telúrico, sistema criado por Chancourtois para a ordenação dos elementos químicos, foi em geral ignorado pela comunidade científica da época, em particular os químicos. Vários factos contribuíram para isso:

(I) Chancourtois não era químico mas sim geólogo. Não tinha uma formação de base em Química e para a construção do parafuso telúrico baseou-se muito em conceitos de Geologia, tais como a constituição química de minerais e rochas. A formação de Chancourtois como geólogo também influenciou a escolha do cilindro (sólido geométrico) como bases de representação do seu modelo assim como o próprio nome parafuso telúrico, de tellos, o termo grego para “terra” (como referido anteriormente).

(II) Chancourtois não fez uma divulgação generalizada do seu modelo, o parafuso telúrico, entre a comunidade científica (e entre os químicos em particular), principalmente fora de França. Apenas publicou artigos em revistas francesas (escritas em françes), não publicou nenhum artigo em revistas de Química e não defendeu a sua prioridade na descoberta da periodicidade dos elementos químicos perante Dmitri Mendeleev (1834-1907) ou Julius Lothar Meyer (1830-1895).

(III) O modelo do parafuso telúrico foi apresentado na revista Comptes Rendus, da Académie des Sciences, com a transcrição do discurso feito por Chancourtois perante elementos da Académie em 1862. O texto é de difícil compreensão e cheio de referências de Geologia. Pior ainda, o texto não é acompanhado por um esquema do parafuso telúrico (que poderia ajudar na compreensão do texto) porque o esquema foi considerado demasiado complexo pelo editor. Chancourtois publicou o esquema algum tempo depois, sobre a forma de um panfleto que distribuiu entre amigos e conhecidos, pelo que poucos tiveram acesso directo ao mesmo. O artigo onde Chancourtois apresenta pela primeira vez o parafuso telúrico, pode ser encontrado em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k30115/f757.chemindefer.

(IV) Chancourtois introduziu no parafuso telúrico componentes que não na época já não eram considerados elementos químicos, como óxidos e cianetos, amónia e outros radicais.

Nota: Texto adaptado do original, que pode ser encontrado no blog “Ema não é uma avestruz”, escrito sob o pseudónimo de Rita Robalo Sobreiro.

Sem comentários:

A ARTE DE INSISTIR

Quando se pensa nisso o tempo todo, alguma descoberta se consegue. Que uma ideia venha ao engodo e o espírito desassossegue, nela se co...