quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

150 ANOS DA DEFINIÇÃO DE CÉLULA - A EFEMÉRIDE QUE FICOU POR COMEMORAR


No ano de 2011 ocorreu uma efeméride que passou totalmente desapercebida a quase todos, incluindo a maior parte da comunidade científica: os 150 anos da definição de célula feita pelo biólogo alemão Max Schultze (1825 – 1874). O reparo surgiu de uma carta enviada pelo biólogo alemão U. Kutschera (do Instituto de Biologia da Universidade de Kassel, Alemanha) ao editor da revista Nature, publicada a 22 de Dezembro de 2011.

Max Schultze é conhecido dos neurocientistas pela sua identificação e caracterização das terminações nervosas associadas aos órgãos sensoriais, e o seu trabalho minucioso sobre as diferentes células componentes da retina é pioneiro.



E é conhecido dos hematologistas pela sua contribuição definitiva para a identificação das plaquetas sanguíneas. O seu papel como microscopista é incontornável, tendo sido fundador da revista Archiv für Mikroskopische Anatomie, em 1865 (foi seu director até ao ano da sua morte).


Contudo, é uma personagem quase esquecida na história da biologia. Uma pesquisa breve na internet permite verificar que Schultze foi pioneiro da observação intracelular, anatomista e histologista de excelência, embora a sua contribuição paradigmática para a Teoria Celular seja, de facto, pouco referida.

Ao comparar observações microscópicas da composição intracelular (protoplasmática) de tecidos musculares de animais, com as de organismos unicelulares como os protozoários, Schultze entendeu que a definição de célula, estrutura baptizada, em 1665, por Robert Hooke (personagem marcante da revolução científica do século XVII) a partir da palavra latina cella (pequena divisão ou quarto de paredes rígidas), estava muito incompleta.



A célula, unidade da vida tal como tinha sido postulado na Teoria Celular de Schwann e Schleiden, em 1839, tinha de ser definida de forma mais completa e universal. Não podia reduzir-se à sua membrana ou parede exterior, tinha que ganhar outra dimensão com a sua natureza interior. Tinha de incluir os componentes intracelulares observados por Schultze como comuns a células de tecidos animais e a organismos unicelulares. Ele notou que havia uma história comum a todas as células, ou melhor a todos os organismos, e que essa história estava inscrita no seio da célula.

O seu trabalho contribuiu, assim e decididamente, para dar novos horizontes à Teoria Celular. A publicação em 1861 do seu artigo On muscle-particles and what we should call a cell (Archiv für Anatomie, Physiologie und wissenschaftliche Medicin, 1861, 1–27) pode ser considerada a pedra basilar da Biologia e Fisiologia Celular. Neste artigo, o autor discute as suas observações das “partículas” componentes das células musculares e discute o que é que pode ou não ser designado por célula.



Apesar de ter caído em esquecimento, Schultze causou, na sua época, uma ruptura paradigmática com a nova definição de célul, tendo aberto novos horizontes conceptuais para o entendimento do conceito de célula e, muito mais significativo, o conceito da evolução da célula, incluindo a ideia de uma célula ancestral comum a todos os organismos vivos. Este aspecto ganha outra relevância se atentarmos a que “A Origem das Espécies” de Charles Darwin tinha sido publicada cerca de três anos antes, em 1858. Na Biologia tudo estava em revolução!

Os avanços na instrumentação microscópica não terão sido alheios à nova definição. A célula é a mesma para Schultze e para Hooke. Mas a tecnologia marca a diferença na capacidade de observação, e, portanto, no avanço do conhecimento da natureza celular.

Ainda hoje é assim. Aliás, é assim desde que a ciência se tornou moderna pela utilização de instrumentos nas observações. E isto ocorreu não pela observação do muito pequeno com a ajuda do microscópico, mas sim do muito longínquo com a ajuda do telescópio, a começar com a luneta de Galileu Galilei, no mês de Março de 1610.

António Piedade
Ciência na Imprensa Regional

4 comentários:

João Pedro Cesariny Calafate disse...

Muito interessante o texto e com profunda vertente em educação em ciências. Parabéns António!

Maria Nazaré de Souza Oliveira disse...

Excelente notícia e excelente texto!
Vou partilhar!

Muito obgrigada e... BOM ANO!

Anónimo disse...

bacana o texto eu nem li

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Quando trás, nome desta amplitude, é importantíssimo ao leitor. Em exemplo de Galileu Galilei, de exclusiva teoria. Isto é ciência em educação, contínua. Óptimo artigo, professor António Piedade.

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