terça-feira, 30 de agosto de 2011

AINDA O EDUQUÊS

A um artigo recente de António Mouzinho aqui publicado, um leitor de nome Manuel (sem mais!), deixou na caixa de comentários este que aqui destacamos. Publicamos também em baixo, embora com algum atraso, devido ao tempo de férias, a resposta de António Mouzinho.

Caro António Mouzinho:

De facto, o chamado «eduquês» tem sido muito pernicioso. Concordo absolutamente consigo. Mas pior ainda tem sido a «vulgata» do chamado «eduquês», tal como perniciosa se arrisca a ser a «vulgata» do «anti-eduquês», promovida por tanta gente do calibre dos vulgares «eduquêses», e que tende a generalizar-se como cartilha adoptada. Outra coisa é a compreensão da sociedade em que vivemos (em todas as suas componentes), a compreensão da realidade do Ensino e das Escolas e a análise funda e fundada dos problemas de que padecem; só assim se poderá fazer a sua inventariação objectiva e pormenorizada com vista à descoberta dos eventuais remédios. Temo que nos limitemos a transitar de «vulgata» em «vulgata».

Apesar de provavelmente já conhecer tudo o que lhe deixo abaixo, mesmo assim arrisco, esperando que, pelo menos, sorria e reflicta. Entre as dicotomias que nos limitam o pensamento, a compreensão e a acção, eu prefiro a aparentemente absurda 3.ª margem do rio (qual feliz formulação de Guimarães Rosa), por achá-la uma forma muito mais promissora de compreender, analisar e agir sobre a realidade. Desculpe-me o aparente paternalismo que a explicação possa conter, não é essa a minha intenção para consigo, mesmo assim clarifico porque também ajuda a clarificar o meu entendimento. A 1.ª margem representará, p. ex., o chamado «eduquês», a 2.ª margem o chamado «anti-eduquês», a 3.ª margem a vida na sua globalidade, diversidade, riqueza e potencialidades.

Mas podemos adoptar esta «fórmula» e colocar lá dentro o que quisermos, é bastante operatória para toda a realidade.

Aqui fica então o que lhe referi antes:

-PRÓXIMO ORIENTE
«O nosso mundo atingiu um estado crítico. Os filhos não escutam os seus pais. O fim do mundo não pode estar longe». (Sacerdote egípcio, 2000 a.C.)

«Esta juventude está podre desde o fundo do coração. Os jovens são maus e preguiçosos. Não serão nunca a juventude de outrora. Os de hoje não são capazes de manter a nossa cultura.» (Frase descoberta nas ruínas de uma olaria babilónica datada de 1000 a.C.)

GRÉCIA:
«A juventude ama o luxo, é mal-educada, zomba da autoridade e não tem nenhuma espécie de respeito pelos velhos. As crianças de hoje são tiranas. Não se levantam quando um velho entra numa sala, respondem a seus pais e são simplesmente más». (Sócrates, 470-399 a.C.)

«Não tenho nenhuma esperança no futuro do nosso país se a juventude de hoje toma o mando amanhã, porque esta juventude é insuportável, sem moderação, simplesmente terrível». (Hesíodo, 720 a.C.)

ROMA:
Onde é que isto vai parar? «Outrora, um desonesto era algo incrível. E agora, um tipo verdadeiramente íntegro é visto como um prodígio. Quanto aos jovens, é melhor nem falar. Onde já vai o tempo em que era visto como um sacrilégio um jovem não se levantar perante um idoso? Em resumo, devoção, correcção, rectidão, palavra de honra, respeito, valor, civismo, património cultural, etc. Tudo isso desapareceu. (...) Já não há em Roma mais lugar para um bravo Romano.» (Juvenal, séc. II d.C.)

PORTUGAL:
«A maioria dos estudantes […] desfalece perante o mais rudimentar trabalho analítico; raciocina errado, se raciocina; não sabe classificar; deduz mal, induz pior» (Decreto de 1894).
«Em Portugal, o aluno sai da escola primária um verdadeiro ignorante» (Albano Ramalho, inspector primário, 1909).
«Verifica-se nas respostas de muitos examinandos uma ignorância absoluta de certas matérias e lêem-se em muitas delas os disparates mais fantásticos» (Alves de Moura, 1939).
«O nível mental da maioria dos alunos do ensino liceal é muito baixo» (Fernando Pinho de Almeida, 1955).

Manuel

Manuel (...?):

Tenho 61 anos e estou de férias.

Apesar disto, duas palavrinhas: não desculpo o paternalismo, claro que não – não conheço a citação do Guimarães Rosa, não conheço o contexto, não tenho de conhecer, e as metáforas são tramadas: por exemplo, se imaginarmos a secção de um rio como se de uma caleira de alumínio se tratasse, temos a margem direita à nossa direita, quando virados para o tubo de queda; a margem esquerda oposta; a terceira margem no fundo, onde se juntam a vasa e o verdete. É intragável. As metáforas podem ser escorregadias, arriscamos o traumatismo craniano a derrapar nas metáforas: os limos não perdoam. Quando chegamos à «vida na sua globalidade, diversidade, riqueza e potencialidades», atordoados com o trambolhão, já não pensamos coisa com coisa.

No entanto, não brindei ninguém com um amontoado de citações descontextualizadas. Não penso autofagicamente, e dei-me ao trabalho de propor duas traduções que falam da «vida na sua globalidade, diversidade, riqueza e potencialidades»: uma que refere b-a-ba, tabuada, operações aritméticas, etc.; a outra que avança com um sucinto, mas não menos real, projecto educativo, que poderia vantajosamente (quer dizer, para benefício de alunos concretos, pais concretos, uma educação concreta) substituir muita ganga que já vi, que há pelas escolas tout court e é empurrada para a frente pelas escolas de formação de formadores e um ministério intelectualmente agonizante.

Juntei um conjunto de obras que acho que merecem ser lidas inteiras, e sobre as quais o senhor não diz palavra. Falam da «vida na sua globalidade, diversidade, riqueza e potencialidades». Não são dicotómicas.

Sugeri trabalho «de exteriores», de leitura e reflexão, não me pus a pensar por fórmulas fazendo puzzles com o que já todos sabemos.

Não utilizei o termo «anti-eduquês», porque nem entendo o que é.

Poderia juntar mais umas frases do teor das suas; junto, em vez disso, mais um título, para esclarecer o que acho do pensamento lateral e das «terceiras» vias:

BONO, Edward de — Po: Beyond Yes And No. Harmondsworth: Penguin Books, 1973.

É um clássico do género.

E, por favor, não entenda isto tudo como um início de polémica: é o fim da resposta.

Como já dizia lá atrás: tenho 61 anos e estou de férias.

Respeitosamente,

António Mouzinho

5 comentários:

Carlos Pires disse...

O Manuel anda aparentemente em campanha. Há semanas fez o "comício" aqui. Comecei por lhe responder, mas depois também percebi que não vale a pena.

Manuel disse...

Carlos Pires:
O mesmo poderia eu dizer de si se usasse os seus critérios para avaliar o comportamento e as atitudes do Outro.
O Carlos tem as suas opiniões e defende-as em todo o lado, até tem um «palanque» para isso e eu nunca lhe disse que andava a fazer comícios.
Ou quer negar-me o direito a ter as minhas opiniões, já vamos por esse caminho?
Muito mais do que não concordar com as minhas ideias, o que não é nada de estranho nem de criticável pela minha parte, o que acho curioso é que fique (fiquem) tão incomodado (incomodados) com opiniões alheias diferentes.
As vossas narrativas não suportam o contraditório?
Mas os blogs não são, precisamente, espaços de diálogo e de contraditório?
Ou o que interessa é o coro de unanimidades?
Tal como não voltei (nem voltarei) a incomodar a paz que deseja no seu «Dúvida Metódica», aqui farei o mesmo.
Nunca devemos forçar a nossa presença em casa alheia em que não somos desejados.
Podem ficar todos na paz que desejam, convencidos de que têm a verdade toda do vosso lado.
Afinal, não há nada mais gratificante do que estarmos satisfeitos connosco próprios.
Eu, por mim, prefiro a atitude da dúvida, procurando ouvir e discutir com os outros, aprender com eles, questionar sempre as minhas provisórias «certezas».
Nunca fui de ideias fixas para sempre, jamais serei.
Mas também não costumo comprar todas as «verdades» à venda na praça, por mais na moda que possam estar.

Cláudia S. Tomazi disse...

Que bom homem não é então digno por julgada sua boa intenção, se até um furacão nestes tempos ganha status feminino e o que não pensaria Hesíodo. Que é um tempo interesseiro ou tempo de necessidades?

Por começar diria que li em algum lugar um provérbio, diga-se chinês: que antes de ser escritor alguém deveria ler mil livros. Posto que este deva ser um provérbio ao mundo e que na China, uma sumidade é a permissão de alguém ter de propriedade estes mil livres que não depositários, entre outras realidades.
Eis que para fazer-se Pelé um jogador marcaria de mil gols, seria este candidato benfeitor dos campos necessariamente um Pelé, se assim tal feito?

Bom então que castrem a felicidade, se esta somente por simetrias e em qual simetria humana poderia corresponder à igualdade?
Um coração com quatro válvulas ou um par de olhos, talvez o rins, mas se de todo o corpo tal simetria bilateral afugentará as possibilidades, então de que lado fica este coração solitário? Certamente ficará do lado da sobrevivência, batendo, batendo ainda que solitário.
Concluam, mas com fundamentos de causa. Pois toda causa, esta sim, se digna a julgamentos para então aperfeiçoar de seu instrumento, e não as pessoas, por expressarem quando de suas angústias ou impotências.

Cordialmente

Manuel disse...

Caro Administrador do blog «De Reum Natura»:

Peço-lhe o favor de me publicar este comentário de resposta ao de Carlos Pires, no qual sou visado de forma inadequada.
É que eu deixei-o às 10h18, mas ainda não foi publicado.
Dado tratar-se do meu último comentário no «De Reum Natura», penso que não será excessivo fazer-lhe este pedido.
Grato pela atenção.

Carlos Pires:

O mesmo poderia eu dizer de si se usasse os seus critérios para avaliar o comportamento e as atitudes do Outro.
O Carlos tem as suas opiniões e defende-as em todo o lado, até tem um «palanque» para isso e eu nunca lhe disse que andava a fazer comícios.
Ou quer negar-me o direito a ter as minhas opiniões, já vamos por esse caminho?
Muito mais do que não concordar com as minhas ideias, o que não é nada de estranho nem de criticável pela minha parte, o que acho curioso é que fique (fiquem) tão incomodado (incomodados) com opiniões alheias diferentes.
As vossas narrativas não suportam o contraditório?
Mas os blogs não são, precisamente, espaços de diálogo e de contraditório?
Ou o que interessa é o coro de unanimidades?
Tal como não voltei (nem voltarei) a incomodar a paz que deseja no seu «Dúvida Metódica», aqui farei o mesmo.
Nunca devemos forçar a nossa presença em casa alheia em que não somos desejados.
Podem ficar todos na paz que desejam, convencidos de que têm a verdade toda do vosso lado.
Afinal, não há nada mais gratificante do que estarmos satisfeitos connosco próprios.
Eu, por mim, prefiro a atitude da dúvida, procurando ouvir e discutir com os outros, aprender com eles, questionar sempre as minhas provisórias «certezas».
Nunca fui de ideias fixas para sempre, jamais serei.
Mas também não costumo comprar todas as «verdades» à venda na praça, por mais na moda que possam estar.

Maria Maia disse...

Estranha simetria


insólita solicito gritos
soletro-te em sons de sim maduros
(qual queres)

mais sólida reconheço-me
em pura alegria

grito em ti
o que num artifício crias:
o ponto em que sorrindo me desatas

submerges em desmedido gozo
- tu deveras não recatas

a letra tamanha
não acata
nossa estranha simetria

NOVA ATLÂNTIDA

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