segunda-feira, 20 de junho de 2011

Uma sociedade que desperta?

O caso do “copianço” geral numa disciplina do Centro de Estudos Judiciários tem aspectos interessantes. À primeira vista houve demasiada indignação, tendo em conta que copiar é uma façanha de que muitos alunos se orgulham. Os piores, em geral, mas não só. É o que se tem dito: temos uma cultura que convive bem com a fraude, o pequeno golpe e, como sabemos, a esperteza saloia é um dos nossos pontos fortes, porque é quase sempre premiada. Somos um organismo que transporta e alimenta germes patogénicos, mas tão habituais e actuando há tanto tempo que nem se dá por eles. É como as doenças crónicas que se vão mantendo estacionárias, com algumas crises, mas que logo voltam ao crónico.

O facto de ser no Centro de Estudos Judiciários deu origem ao escândalo. Que o é de facto, mas que, no essencial, não é diferente das outras escolas, nem pior. Reparem que se têm verificado casos de plágio em provas de mestrado e até de doutoramento, e isso, que atesta a miséria moral e intelectual do candidato, e que devia implicar a sua irradiação, tem sido, num ou noutro caso, resolvido em surdina, para evitar o mau nome da instituição. O que é um erro grave, pois deviam imediatamente ser postos na praça pública esses casos, e condenados exemplarmente. Não o fazer é deixar que possa pairar sobre a instituição e sobre todos os seus membros uma desconfiança letal. E injustíssima.

Este caso, como se trata de futuros juízes, escandalizou muita gente. O que é bom sinal mas revela inocência porque os juízes, e por maioria de razão os aprendizes, não são pessoas diferentes das outras e beberam o leite de uma cultura que vive bem com a pequena fraude. É muito provável que alguns desses senhores tenham criado o hábito de copiar ao longo da sua escolaridade. A solução encontrada pelo Centro de Estudos Judiciários de dar 10 a todos é um disparate, porque é injusto e mancha a instituição. Se não é possível saber quem de facto copiou, e anular definitivamente as provas, deverão fazer novos testes e dispor as coisas para que ninguém copie. E arranjem data onde for preciso. Não ouvi falar dos professores vigilantes, mas a sua acção, nestas coisas, é determinante. A qualidade profissional de um professor implica também eficácia neste aspeto. Já se sabe que, se o professor não fizer uma boa vigilância, haverá sempre quem copie, e isso é não só injusto para os que não copiam, mas é um golpe na credibilidade da instituição e, a prazo, uma infinidade de golpes no corpo social.

Há, porém, algo novo neste caso. A sua repercussão na comunicação social parece querer dizer que está a surgir uma consciência colectiva mais exigente e atenta. Ter-se-á percebido que não podemos querer ultrapassar crises e crescer e ficar ao nível dos países evoluídos mantendo e alimentando todas estas pequenas facadas sociais, toda esta multidão de falcatruas e desleixos e impunidades em que somos peritos e que desculpamos uns aos outros?

Vamos ver como o Conselho Pedagógico do Centro de Estudos Judiciários resolve agora o problema. Se a sua solução for no sentido de anular as provas aos que de facto copiaram e não lhes dar mais hipóteses, ou, no caso de não haver maneira de apanhar os copiões, obrigar todos a nova prova rigorosa e justa, estamos a criar forças para uma recuperação social e cultural. O seu exemplo terá repercussões. Se prevalecer a solução do dez para todos, bons e maus, honestos e desonestos, então a doença nacional vai continuar e vamos vegetar de crise em crise, como até agora. Não podemos querer passos-coelhos e sócrates e cavacos de primeira com esta desleixada miséria moral por aí à solta e impune.

João Boavida

14 comentários:

Anónimo disse...

Tem toda a razão e cobre todos os aspectos fundamentais. Os alunos copiarem nem é o mais grave nesta situação mas sim os responsáveis (vigiantes, instituição, etc.) que permitiram que isto acontecesse e os responsáveis que deram a resposta do 10 para toda a gente (a direcção) e o que há de vir.

Com péssimos exemplos destes vindos de cima é complicado mudar as coisas.

Ainda hoje, novo governo, novos deputados no primeiro dia na assembleia e, na minha opinião, deram um péssimo exemplo ao país em directo na TV. Uma tarde inteira a chamar 200 deputados um a um para porem um papel numa urna, por duas vezes. Enquanto se esperava pela chamada do nome, uns bocejavam, outros espreguiçavam-se e parecia que ninguém aproveitava o tempo para fazer alguma coisa de útil. Ninguém se pareceu importar com tamanha ineficiência. Nunca trabalhei assim.

José Batista da Ascenção disse...

Caro Professor João Boavida:

A nossa cultura não convive bem apenas com a pequena fraude mas também com a grande fraude. Exemplo: "Maria de Lurdes Rodrigues acaba de ser acusada pelo DIAP de Lisboa do crime de prevaricação, por ter contratado ilicitamente João Pedroso – investigador universitário e irmão do ex-dirigente do PS, Paulo Pedroso – para consultor jurídico do Ministério da educação, entre 2005 e 2007", conforme noticiado no "portal Sapo".
Porquê só agora?
Não se sabia?
Isto terá alguma coisa a ver com o resultado das eleições do passado dia 05?
O que havemos de pensar?

Anónimo disse...

Nos conformes do balanço
sobre a nossa identidade,
parte faz o copianço
da nossa mentalidade!

JCN

Anónimo disse...

Quem pequenas fraudes faz
no exercício do poder
ou noutro campo qualquer
também do resto é capaz!

JCN

Pinto de Sá disse...

O mais grave do caso, todavia, foi a explicação que a Directora do CEJ deu para a pena branda aplicada ("10" a todos): que quem, na Universidade, nunca copiou, "atirasse a primeira pedra"!
Deu-me imediata vontade de pegar numa pedra e atirar-lha... à pessoa dela!!!
É absolutamente inconcebível que a referida senhora confesse assim, publicamente, que ELA PRÓPRIA copiou na Faculdade e, ainda por cima, o venha defender!
Com que idoneidade podem estes futuros magistrados condenar alguém por fraude, quando esses eventuais arguidos lhes atirarem à cara: "quem nunca cometeu fraudes, que atire a primeira pedra"?

Anónimo disse...

Improper behaviour

In the interest of a successful IMO 2011, contestants are expected to work quietly without disturbing others, and of course respect the obligation to work on their own. They need to follow these instructions and rules. In case of violations, the Chief Invigilator may issue a warning, report incidents to the jury for further action, or take other suitable action to maintain the integrity of the competition.

https://www.imo2011.nl/information-for-contestants

Fartinho da Silva disse...

São os filhos da escola pública democrática e inclusiva... ou alguém tinha dúvidas que se chegaria a isto? É só fazer contas...

Anónimo disse...

Mas foram TODOS os alunos do curso do CEJ que copiaram? Até agora ainda não encontrei a resposta a esta pergunta, porque se não foram a monstruosidade ainda é maior do que aparenta...
Concordo que a Sra Directora do CEJ merecia ser lapidada, mas como essa pena não existe no direito português basta-me saber – até como contribuinte! - que a Sra terá de procurar emprego fora da Função Pública, e o mais depressa possível...
AM

Anónimo disse...

Uma coisa é a atitude da Directora, outra o copianço. Este é praticado em larga escala, é natural e muito poucos podem atirar uma pedra (exceptua-se Pinto de Sá). Fui bom aluno e nunca tive coragem para impedir os meus colegas (sobretudo alguns já com idade e aflitos na vida) de copiarem por mim. Nunca pensei em denunciar a fraude a a muitos passei papéis sem o professor ver. Isso era o meu sentido de solidariedade...mas, mais tarde, como professor, nunca hesitei em anular (e fazer chumbar) quem eu topasse a copiar.
São duas coisas distintas. Porém nenhuma das faltas merece lapidação nem em pensamento.

Anónimo disse...

Há tanta gente culpada
da nossa situação
que vai faltar munição
para a correr à pedrada!

JCN

Anónimo disse...

Essa da pedrada, eu discordo. Olhe, junte-se ao Fernando Ruas, um grande adepto da pedrada.

Pinto de Sá disse...

Ao Anónimo que me referiu, tenho a confessar que também fui bom aluno mas que nunca permiti que copiassem por mim! É que eu trabalhava de dia e estudava à noite e tinha uma filha deficiente (traumastismo de parto) para a qual nunca tive apoios, de modo que não tinha fins de semana nem férias. Era o que mais faltava, alimentar preguiçosos!
Hoje, como professor, sou obrigado a tolerar o copianço, claro, tal como tenho que me resignar a Bolonha. Mas sou voluntário da 1ª linha para qualquer brigada que o Crato queira promover para acabar com isto!!!
Quanto ao outro assunto que outro comentador mencionou, o do processo à Ministra, e que ele se admira de "só agora": o caso foi detalhadamente tratado na imprensa da altura. O tal docente não só não produziu nada do que lhe fora contratado, como recebeu por esse "serviço" estando em dedicação esclusiva na Universidade. Se quem lhe concedeu a abébia também deva ser processado, disso já não sei porque desconheço como foram os detalhes da contratação. Mas o passo de caracol é o ritmo típico da nossa justiça...

José Batista da Ascenção disse...

Caro Pinto de Sá:

A pergunta "só agora?" que fiz no comentário (lá) acima não traduz da minha parte qualquer admiração, traduz, isso sim, o minha profunda desaprovação, pelo tempo decorrido... Realmente, eu admira-me que é que o processo tenha sido aberto, mesmo (absurdamente) tarde... Esclareço que nada percebo de leis, mas isso nada tem a ver, suponho, com o facto de não compreender como um ministério contrata "por fora", nas condições em que o fez (e com os "proveitos" que teve), alguém que vai fazer um trabalho que devia ser feito pelas próprias pessoas do ministério.
E a pergunta seguinte "não se sabia?" é apenas uma pergunta irónica: toda a gente sabia, porque o caso foi profusamente tratado pela imprensa, como diz.

É por isso que eu digo que a nossa cultura (leia-se: nós) convive (leia-se: convivemos) bem com a pequena, com a média, com a grande e com a muito grande fraude...

E até aceitamos que os protagonistas da fraude se apresentem descaradamente em público, por exemplo nas pantalhas das televisões, a afirmar que "têm a consciência tranquila". Como se isso oferecesse qualquer dúvida..., pelo menos a mim.

E afirmam também que tudo é legal. Eu estou em crer que será porque eles se julgam a própria lei, e, por isso, tudo o que façam só pode ser legal.

Quer ver, com outro exemplo concreto, o que valem as leis?
No final do ano lectivo de 2005/2006, aos alunos que foram a exame de química e de física na primeira fase foi possibilitado que o repetissem na segunda fase. Isto era e é proibido por lei. No caso da química, o exame parece que tinha erros, que alguns professores universitários apontavam e outros negavam. Mas o de física era um exame a que ninguém apontou qualquer defeito, embora alguns o considerassem um pouco difícil. Mas, uma decisão ministerial, passou por cima da lei, permitindo que alguns alunos pudessem fazer exame duas vezes, enquanto os que tinham optado por ir apenas à segunda fase só puderam fazer esse, aliás de acordo com a lei e (sobretudo) com a ética.
Eu perguntei então, como pergunto agora: como foi possível?; onde estavam as instituições que zelam pelo cumprimento das leis?; quem obteve (efectivemente) benefício(s) com tal procedimento?
Olhe que, se calhar, não era muito difícil fazer o levantamento de respostas possíveis à última questão...
E, no entanto, que se atreveu a mexer no assunto?

E é assim, caro Pinto de Sá.
Não acha que "o passo de caracol, [como] ritmo típico da nossa justiça" [assim como outros "passos"] tem particulares interessados?
Nem calcula o que eu gostaria que me "repreendessm" assertiva e fundamentadamente, sobre o meu modo de olhar (estas) coisas...

Cordialmente.

José Batista da Ascenção disse...

Ui, que mal escrito está o comentário que fiz esta manhã:

A ver se vejo todos os erros:

Logo na 3ª linha, "o minha" em vez de "a minha";
Na 5ª linha, "eu admira-me que é" em vez de "eu admira-me é que";
Depois, na 7ª linha, "como um ministério" em vez de "como é que um ministério";
Mais adiante: "aos alunos que foram a exame de química e de física na primeira fase foi possibilitado que o repetissem na segunda fase" em vez de "aos alunos que fizeram exame quer de química quer de física na primeira fase foi permitido que o(s) repetissem na segunda fase";
E já mais perto do fim: "efectivemente" em vez de "efectivamente";
E a terminar o antepenúltimo parágrafo: " que se atreveu", em vez de quem se atreveu";
E na penúltima linha: "(estas)", em vez de "as/estas".

Ufa!
E é (bem) capaz de haver outros lapsos, incluindo nesta corrigenda.
Ele há dias em que não vale a pena um homem levantar a "pena". Donde,

Apresento desculpas, e ponho o teclado de pousio.

NOVA ATLÂNTIDA

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