sexta-feira, 15 de abril de 2011

A palavra começada por ene

Neste blogue já nos detivemos no estranho facto de, por pressão de diversos grupos sociais (onde se contam grupos de encarregados de educação e de professores), deste há muito se tentarem afastar ou afastarem mesmo dos currículos escolares norte-americanos obras clássicas que, por alguma razão, são consideradas politicamente incorrectas. Uma dessas obras é As aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain. Indignado com tal proibição, e para assinalar o centenário da morte de Twain (1835-1910), um pequeno editor - New South Books - teve uma ideia: substituir as palavras que nela se tornaram tabu por palavras “aceitáveis”.

Assim, na nova edição, supervisionada por um professor universitário especialista na obra de Twain, "nigger" (negro) dá lugar a "slave" (escravo). São 219 alterações.

Mas… já que se muda uma palavra por que não se muda outra? Deve ter sido este raciocínio que levou a que se substituisse "injun", que designa, de modo depreciativo, índio americanos, por "indian", que é mais neutra.

Mas é a palavra "nigger" que, na língua inglesa, tem a conotação mais depreciativa e até ofensiva quando pronunciada pessoas não pretas, sobretudo se forem brancas, mas aceite quando usada por pessoas pretas. É ela que mais tem polarizado as atenções e os sentimentos, ao ponto de, no caso de ter de ser mesmo usada, as pessoas não pretas, sobretudo as brancas, substituirem-na pela expressão: "a palavra começada por ene" ("the N-word").

Tanto anos de educação escolar para o multiculturalismo deram nisto!?

6 comentários:

Anónimo disse...

O curioso é que "escravo" vem mesmo de "eslavo"! JCN

Anónimo disse...

Não conheço nenhum estudo sobre o assunto, mas penso que em Portugal, o termo "preto" é ainda considerado por muitos, como popular e depreciativo. Por sua vez o termo "negro", parece usufruir de um aparente cunho de nobreza e dignidade. Se recuarmos 50 anos isto era bem visível na propaganda do Estado Novo, onde o termo "negro" era utilizado frequentemente com este sentido.

Actualmente muitos portugueses parecem achar o termo "negro" ofensivo e "preto" correcto. Penso que isso é uma clara influência americana, onde a palavra "niger" é conotada com escravo ou liberto.

Sinais de um tempo de globalização em que entre mensagens de telemóvel e facebooks "compreendi" é substituído por "realizei", "letra musical" por "lírica" e "biólogo" por "biologista".

Carlos Pires disse...

Há muitas outras manifestações de "politicamente correcto".
Nas canções infantis, por exemplo. No Youtube se se procurar as "Pombinhas da Catrina" só se encontram versões mutiladas: sem as duas últimas quadras, nomeadamente sem os versos "Ó minha mãe não me bata / Que eu ainda sou pequenina" (http://www.youtube.com/watch?v=AgSTBwEwjt8).
No Brasil o escritor Monteiro Lobato foi acusado de racismo pelo Conselho Nacional de Educação, que sugeriu que o livro Caçadas de Pedrinho, fosse ou reescrito nalgumas passagens ou banido das escolas públicas, nomeadamente por a Tia Nastácia ser chamada de negra.

Luís Ferreira disse...

Mais um contributo para a discussão:

"América: o merecido declínio. Senado da Califórnia aprova ensino obrigatório de história gay nas escolas"

http://www.profblog.org/2011/04/america-o-merecido-declinio-senado-da.html

Anónimo disse...

Pejorativo ou não, o certo é que o termo "preto", cuja origem se desconhece, é privativo do idioma português. Disso se ocupou José Leite de Vasconcelos. JCN

Anónimo disse...

Confesso que tenho alguma dificuldade em perceber qual o alcance destas "correcções artísticas"... http://www.cbc.ca/news/world/story/2011/01/13/f-rfa-macdonald.html
Por este andar o Courbet corre o risco de ver-se impedido de nos mostrar A Origem do Mundo... http://www.musee-orsay.fr/index.php?id=851&L=1&tx_commentaire_pi1[showUid]=125&no_cache=1
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