sexta-feira, 25 de março de 2011

A Ciência em Portugal no segundo quartel do século XX

Post do historiador António Mota de Aguiar:

Na década de 20 alguns professores introduziram e defenderam a Teoria da Relatividade nas universidades onde leccionaram, ou deram cursos desta matéria nas Universidades Populares. Mas foi, sobretudo, o filósofo criacionista Leonardo Coimbra (1883-1936), o mais distinto animador cultural e principal pensador português desta década a defender essa teoria, tendo publicado na revista Águia vários artigos sobre ela e as suas implicações filosóficas. Ele pode ser considerado o pensador português dessa época mais relevante no campo da filosofia da ciência. Pensamos que a súmula do seu pensamento filosófico está patente nesta sua síntese:

“As teorias físicas são produtos da mais profunda elaboração mental”.

No começo da década de 30, são poucos os estudiosos em Portugal que se dedicam à investigação. Sobre este hiato da ciência em Portugal, o Capitão de Fragata Carvalho Brandão escrevia, em 1926, o seguinte:

“Um país que não sabe ou não quer concorrer para a Obra da Ciência pode considerar-se um parasita da civilização. Tal é até certo ponto a situação de Portugal” (“A Investigação científica e a Meteorologia em Portugal”, Seara Nova, nº 86, pp. 267-268, 6 de Maio de 1926.)

Apesar do desinteresse pela investigação científica dos universitários portugueses ser generalizado, demarcam-se, contudo, no começo desta década, três correntes do pensamento científico: um grupo de médicos distingue-se pelo seu labor em bioquímica; no quadro da concessão de bolsas pela Junta de Educação Nacional, começam a regressar ao País bolseiros provenientes do estrangeiro, com um capital de conhecimentos elevado e desejosos de os aplicarem em Portugal; e destacam-se ainda alguns jovens, estudantes das universidades portuguesas, que, juntamente com os grupos anteriores, irão assumir uma posição de relevo nas décadas de 30 e 40, no panorama da investigação científica nacional.

O despertar da ciência começa logo no virar da década, em 1930, numa polémica levada a cabo na Seara Nova sobre a validade da Teoria da Relatividade. Embora a Relatividade fosse já uma teoria confirmada e amplamente aceite pela comunidade científica internacional, em Portugal algumas vozes importantes opunham-se fortemente a esta teoria. Entre os mais notáveis anti-relativistas contava-se Gago Coutinho (1869-1959), geógrafo e distinto aviador português. É conhecida a polémica gerada na Seara Nova, entre este geógrafo e o astrónomo Manuel dos Reis (1900- 1992), em torno da validade da teoria (ver Seara Nova, n.ºs: 200, 203, 207, 209, 210, 219, 229, 1930).

A teoria de Einstein, ao destruir a crença no tempo absoluto - que não era mais que o tempo terrestre extrapolado para o espaço sideral – eliminou da concepção do homem o último mito de geocentrismo. Mas não era só a física relativista que amedrontava muitos espíritos da época, havia ainda a física quântica, que desvendava o infinitamente pequeno, e a lógica matemática, base de uma nova linguagem, que colocavam enormes problemas. Nem toda a gente, por preconceitos de vário tipo, estava aberta a interiorizar novas concepções do mundo.

Diga-se que Leonardo Coimbra foi um notável relativista o que não o impediu de, paralelamente, ser um pensador anti-positivista, dito "criacionista", de inspiração religiosa. E tinha razão, pensamos nós, porque ciência e fé são dois campos diferentes, onde se vai por vias diferentes: um pela investigação científica,e o outro pela crença interior do ser humano.

Como doutrina filosófica, abrangendo as novas teorias científicas neste quartel do século XX, apareceu o neo-positivismo ou nova filosofia da ciência, oriunda de um grupo de pensadores da Universidade de Viena, à qual por isso se deu também o nome de Círculo de Viena. O neo-positivismo era herdeiro do positivismo do século XIX.
A leitura do seguinte texto de Augusto Fitas, José M. Rodrigues, M. Fátima Nunes (A filosofia da ciência no Portugal do século XX, in Pedro Calafate, org., História do Pensamento Filosófico Português, vol. 5, séc. XX, p. 429, Editorial Caminho, 2000) permite-nos avaliar o confronto que se avizinhava entre os neo-positivistas do início do século XX, e os “filósofos” do Estado Novo, empedernidos nos três credos - Deus, Pátria e Família - e ajudados pelos chamados milagres de Fátima.

“O progresso científico no século XIX, o aparecimento de novas teorias científicas, afectou profundamente o pensamento filosófico que lhe era contemporâneo. Problemas como a origem do homem, o livre arbítrio, a imagem da natureza ou, até mesmo, a ideia de verdade fizeram com que muitos filósofos (…) se preocupassem bastante com o desenvolvimento da ciência e todas as suas implicações nas várias esferas do pensamento. Foi no século XIX que surgiu o positivismo, doutrina filosófica caracterizada por um optimismo geral nascido da certeza de que o progresso científico-tecnológico era imparável e que desembocaria inevitavelmente numa sociedade de bem-estar generalizado. (…) A filosofia das ciências é, no final do século XIX e princípios do século XX, a herdeira histórica do positivismo oitocentista, distinguindo-se desta corrente filosófica pela sua visão crítica da própria ciência e pelo esforço em determinar os limites exactos da validade desta.”

Mas só o estudo dos trabalhos científicos realizados pelos portugueses dessa época nos permite avaliar as suas propostas, o que tentaremos fazer numa outra oportunidade.

António Mota de Aguiar

1 comentário:

Anónimo disse...

A diferença que existe
entre o sábio e o poeta
é, no fundo, a que consiste
ou vai da lira à proveta!

JCN

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