sábado, 19 de junho de 2010

Ora bolas!

Novo texto de Filipe Oliveira, Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, onde, entre outros aspectos, se destaca uma análise da evolução da dificuldade dos exames nacionais de Matemática.

Nos últimos anos temos assistido a uma quebra significativa do nível de exigência do Exame Nacional de Matemática 12.º-A. Uma prova equilibrada deve naturalmente conter questões mais fáceis e questões mais difíceis. No entanto, aquilo que se tem verificado é a existência de um número exagerado de questões demasiado elementares, que em muitos casos se resolvem por simples bom senso ou recorrendo a técnicas muito rudimentares para este nível de ensino. Esta situação desautoriza o trabalho dos professores, que, nas escolas, procuram preparar os seus alunos para os desafios que irão encontrar no Ensino Superior. Por outro lado, induz em erro os alunos quanto aos objectivos que devem ser atingidos no final do Ensino Secundário.

Contrariamente ao que sucede no caso das Provas de Aferição do 4.º e do 6.º ano, quando analisamos a Matemática do 12.º ano é difícil para o grande público constatar por si próprio este baixo nível de exigência.

Deste ponto de vista, as questões relativas à Teoria das Probabilidades são particularmente interessantes: muitas vezes, esses enunciados reflectem situações que podem ser descritas sem recurso a jargão técnico, ficando assim ao alcance de qualquer pessoa - mesmo que apenas possua escassos conhecimentos de Matemática - formar uma opinião quanto ao grau de dificuldade dos problemas propostos. Antes de exibirmos alguns exemplos, gostaríamos de salientar o seguinte:

No 12.º ano, existem vários exames nacionais de Matemática. O exame “Matemática-A” destina-se aos alunos que após 9 anos de estudos no Ensino Básico optaram por um ensino diferenciado e especializado em ciências. Em particular, terão recebido três anos de formação específica em Matemática com vista a ingressarem no Ensino Superior em cursos de Ciências, Engenharia ou Economia. São estes alunos que dentro de poucos anos terão à sua responsabilidade o desenvolvimento científico, tecnológico e económico do país.

2007: Exame Nacional de Matemática A, 1.ª fase
Num saco, encontram-se cinco bolas, cada uma com uma letra da palavra TIMOR. Extraem-se as cinco bolas sequencialmente, dispondo-as da esquerda para a direita. À terceira extracção, as três bolas sorteadas formavam a palavra T IM_ _.
Sabendo este facto, qual a probabilidade de no fim deste sorteio se vir a obter a palavra TIMOR?

Resposta: Nesta situação, a palavra final será TIMOR se se obtiver a letra O na próxima extracção, o que tem probabilidade ½ (ou seja, 50%) de acontecer. Bastava pois perguntar: qual é a probabilidade de sair uma determinada bola, havendo duas à escolha?

2008: Exame Nacional de Matemática A, 1.ª fase
Numa caixa encontram-se 3 bolas verdes e 4 bolas azuis.
Introduziu-se uma nova bola, de cor verde ou azul. Após esta operação, sabe-se que a probabilidade de uma bola extraída aleatoriamente da caixa ser azul é de 50%. “Prove” que a bola introduzida na caixa era de cor verde.
Resposta: Existem oito bolas na caixa. Como a probabilidade de se extrair uma bola azul é de 50%, metade das bolas são azuis (e a outra metade são verdes). Logo a bola introduzida é de cor verde.

2008: Exame Nacional de Matemática A, 2 ª fase
A caixa A contém 2 bolas verdes e 1 bola vermelha. A caixa B contém 1 bola verde e 3 bolas vermelhas. Lança-se um dado com seis faces. Se sair “5”, retira-se uma bola aleatoriamente da caixa A. Caso contrário retira-se uma bola aleatoriamente da caixa B.

Sabemos que saiu “5” no dado . Qual é a probabilidade de a bola retirada ser verde?

Resposta: Tendo saído “5” no dado, retira-se aleatoriamente uma bola da caixa A. Como esta caixa contém 3 bolas, duas das quais verdes, a probabilidade é de 2/3.

E para este ano? No passado dia 15 de Março, o GAVE emitiu o Teste Intermédio 12º – Matemática -A. Segundo informação disponibilizada no sítio do G.A.V.E., "... no que se refere à tipologia dos itens e aos respectivos critérios de classificação, os testes intermédios ilustram, com elevado grau de fidelidade, o modelo de prova de exame a apresentar no corrente ano lectivo."

Estamos pois perante uma antevisão fidedigna daquilo que será o próximo Exame Nacional do 12º ano de Matemática A. Nesta prova, podemos encontrar a seguinte questão:

2010: Teste intermédio 12.º – Matemática A
Numa caixa encontram-se três bolas com o número 0, duas bolas com o número 1 e uma bola com o número 2.

Desta caixa extraíram-se duas bolas. Sabendo que a soma dos valores nelas inscritos é 1, qual a probabilidade de se terem extraído bolas com o mesmo número?

Resposta: É impossível, pelo que a probabilidade é nula. A pergunta é tão simples, que a única dificuldade está em crer que o examinador seja tão condescendente.

Serão estas questões adequadas, ou sequer razoáveis, tendo em conta a idade, o percurso e as aspirações dos alunos a que se destinam?

5 comentários:

Anónimo disse...

Eu fiz o da 1ª fase de 2008 e, acreditem, fiquei extremamente confuso porque pensei realmente que havia alguma coisa na pergunta que me estava a escapar.

Digamos que são 15 pontos de bónus

Raul Lima disse...

Se condescendêssemos e admitíssemos que houve uma gralha e que, na questão de 2010, deveria ler-se "a soma dos valores nelas inscritos é 2" e não 1, já poderíamos dizer que estávamos a um nível idêntico ao dos anos anteriores (2=2+0=1+1). Mas como é claro que não é gralha, dir-se-ia que a pergunta original era essa mas foi posteriormente considerada demasiado difícil, donde a troca do 2 pelo 1 - o que a transforma numa pergunta de um absurdo questionário de revista de domingo de Verão para crianças e não numa pergunta de um exame...

Anónimo disse...

Isto é de um exame nacional?? Eu dava isso em métodos no 10º ano, no ano de 2000 quando não havia matemáticas A e Bs apenas matemática e quem ia para letras tinha um ano de métodos quantitativos no décimo ano!
Que chachada! e depois esta gente vai ser responsável pelo desenvolvimento cientifico de Portugal??

PedroS disse...

A minha filha (9 anos, 3º ano) respondeu correctamente sem ajuda à pergunta do teste intermédio do 12º ano - matemática A. Está tudo dito :-(

Anónimo disse...

Embora as respostas valham pelo resultado "certo" ou "errado", tal acontece por tradição, porque tem sido assim, e porque a evolução para um novo paradigma de ensino integrando o cliente nas suas várias vertentes, deve ser gradual e sustentada. O q de facto interessa é a pergunta.

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