terça-feira, 1 de junho de 2010

Ginástica Sueca versus Ginástica Respiratória (2)

(CONTINUAÇÃO)

Reproduziu Weiss de Oliveira 6 dos 18 preceitos de Tissié com alterações a seu cargo e adicionando novos preceitos que pôs ao serviço da “sua ginástica educativa de formação”, ministrada em três sessões semanais de 10 minutos de duração, que garantiam transformar “um monstro num rapaz perfeito”. Ainda hoje, em nome da verdade, não posso deixar de pensar que o pouco ou o muito da minha encadernação física não se ficou a dever, em nada, nada mesmo, ao Dr. Weiss de Oliveira mas, isso sim, a uma longa prática de muitas dezenas de anos (que ainda mantenho religiosamente) de “muito suor, sangue e lágrimas” de exercícios de musculação com pesos e halteres…

Mas, para mim, onde o médico Weiss de Oliveira mais se excedeu em conceitos acientíficos é quando evoca, em defesa da ginástica respiratória, o sudário de Cristo: Encontramo-nos assim perante uma coluna rectificada, e tão rectificada que nem a seladura lombar, tão pouco acentuada é, se acusa na imagem impressa no Sudário. Que mais decisivo argumento precisamos nós, os crentes, sobretudo, para estarmos seguros de que o terreno que pisamos tem sido firme?”

Desconhecia ele, pelos vistos, que as curvaturas fisiológicas da coluna vertebral são necessárias, numa perspectiva biomecânica, para uma maior flexibilidade da coluna que no caso de ser uma haste direita seria, também, menos amortecedora dos pequenos microtraumatismos da simples marcha diária e da corrida em solo duro e altamente prejudicial nos saltos em que o impacto da queda recai sobre os calcâneos, ainda mesmo que precedido da necessária e ligeira flexão dos membros inferiores.

Assume a voz de uma forte contestação a esta corrente preconizada e defendida por Weiss de Oliveira, o tenente-coronel António Leal de Oliveira (já por mim citado) doutorado em Educação Física pela Universidade de Gand (Bélgica) quando afirma ser a ginástica respiratória escolar “passiva, ociosa e indolente”. Indo ao âmago das origens da ginástica respiratória, Leal de Oliveira escreve: ”São os frades brâmanes Joghis e os monges chineses Tao Pé, restos dos primeiros brâmanes indianos, que dão aos movimentos respiratórios isolados um papel fundamental, quase exclusivo, na actividade física individual, conforme a ginástica que criticamos”. Em defesa da ginástica sueca, pilar do sistema de revigoramento físico dos escolares, este mesmo autor traça, em 1931, os seguintes princípios doutrinários:

“A Educação Física constitui hoje uma ciência pedagógica de grande complexidade, subsidiária das ciências biológicas – psicologia, anatomia, fisiologia, higiene, da mecânica [hoje apelidada de biomecânica], da moral, da sociologia, etc. Só um curso universitário de grande extensão de estudos pode formar professores competentes e com prestígio necessário para ministrar a educação pelos exercícios físicos nos estabelecimentos de ensino normal, secundário, técnico e superior, e orientar, doutrinária e tecnicamente toda a educação física do povo: sociedades de ginástica e sociedades desportivas. Esse curso, Instituto ou Escola, deverá constituir o centro cultural donde irradiará o movimento orientador e construtivo que fará progredir a ciência da especialidade, por meio de estudos especulativos e práticos de um enorme interesse para a ciência”.

No ano anterior tinha sido criada no ensino privado a Escola Superior de Educação Física, na Sociedade de Geografia de Lisboa, que funcionou de 1930 a 1940 tendo por base o método de Ling. Através da persistente acção de Leal de Oliveira foi criado, em 1940, o primeiro estabelecimento oficial de ensino superior de formação de professores de Educação Física, o Instituto Nacional de Educação Física (INEF), actual Faculdade de Motricidade Humana, com a finalidade de “instituir um centro de estudos científicos e da prática racional da Educação”, viveiro de professores que se dedicaram em dar ao método de Ling uma projecção teórico-prática escolar e clubística, com grandes êxitos internacionais, empenhando-se, por outro lado, com o mesmo inegável êxito, na formação de atletas desportivos dos clubes nas modalidades de atletismo, basquete, voleibol, andebol, etc.

Em nossos dias, a formação desportiva assentou arraiais de monarca absoluto na formação da juventude portuguesa que frequenta as nossas escolas. É sempre difícil precisar datas, mas eu atrevo-me a balizar a vida do método de Ling, entremeado com a prática desportiva, até finais da década de 60 e princípios da década de 70. Nos ginásios das escolas deparamo-nos, hoje, com espaldares, bancos suecos, traves, bocks, plintos, etc., transformados em verdadeiras peças de museu em prova de ingratidão para com um passado de glória e de bons serviços prestados à formação de toda uma juventude. As mudanças (embora nem sempre para melhor) são justificadas por Roland Barthes quando escreve: “Existe uma erótica do novo, o antigo é sempre suspeito!”

8 comentários:

Anónimo disse...

"Suspeito"... de quê?!... JCN

joão boaventura disse...

O governo provisório da República, agora que se festeja o centenário, também apostou na solução dos problemas gímnicos, mas, como só sabe fazer revoluções, solicitou à Sociedade Promotora da Educação Física Nacional (SPEFN), em carta de 18 de Abril de 1911, a elaboração de um projecto de reforma do ensino ginástico.

O mesmo é redigido em duas semanas, se é que não estaria já escrito e guardado na gaveta, aguardando oportunidade, e remetido à Direcção-Geral de Instrução Secundária, Superior e Especial, em ofício de 2 de Maio do mesmo ano, que lhe dá seguimento ao decretar, em 29 do mesmo mês, a criação de duas Escolas de Educação Física, anexas às Universidades de Lisboa e Coimbra , destinadas à formação de docentes de educação física.

Cada curso duraria 3 anos, e as disciplinas propostas pela SPEFN, foram integralmente respeitadas, sem qualquer objecção, alteração ou emenda, ou porque era matéria fora dos conhecimentos republicanos, ou porque era assunto para outras calendas.

O governo, entre a recepção do programa e a sua publicação na folha oficial, demorou apenas 27 dias, o que denotava alguma celeridade; talvez a celeridade de quem se quer ver despojado de tão pesado encargo, na convicção de que as críticas se desvaneceriam perante um projecto tão audacioso, e na certeza de que as duas escolas nunca serão criadas nem funcionarão, ou porque o vício da incompetência está implantado, ou porque não há coragem para declarar que a questão da saúde não é prioritária, ou porque os cofres estavam exauridos.

E como a República estava a braços com as guerrilhas monárquicas, as bombas e as greves, dia sim, dia não, as preocupações ginásticas que esperassem por melhores dias.

De facto, as intenções do legislador, não saíram defraudadas, porque as duas escolas, como se aguardava, nunca funcionaram, e só muito tardiamente, e muito intencionalmente (um reconhecimento que choca porque dez anos não são dez dias), passados dez anos, é que o governo, com desfaçatez, o reconhece oficialmente, no decreto n.º 7.246, de 22 de Janeiro de 1921, e institui provisoriamente o curso normal de educação física, nestes termos:

"Considerando que necessário se torna remediar os inconvenientes resultantes da não execução do decreto (…) que criou as escolas de educação física em Portugal (…); tendo em vista a impossibilidade de organizar desde já o curso normal de educação física conforme as bases propostas pela delegação mista dos delegados dos Ministérios da Guerra, Marinha e Instrução Pública, aprovadas pelos respectivos Ministros, mas sendo urgente dar execução ao disposto no art.º 84.º do decreto com força de lei n.º 4.650, de 14.7.1918," apostava-se na criação dessa impossibilidade.

(continua)

joão boaventura disse...

(continuação)

Para que se observasse que havia todo o empenho republicano na implantação da escola, o normativo adiantava que "enquanto não funcionarem as respectivas escolas normais, terá duração de três anos e será constituído pelas seguintes disciplinas: a) Anatomia descritiva; b) Fisiologia geral; c) Higiene escolar; d) Pedagogia (com exercício de pedagogia experimental); e) História da pedagogia; além da respectiva prática pedagógica. § único. As disciplinas de anatomia descritiva e fisiologia geral são frequentadas nas faculdades de Medicina das três Universidades, e constituem o 1.º ano do respectivo curso; a higiene geral, a pedagogia geral e a história da pedagogia serão cursadas nas escolas normais superiores do País. § 2.º. A prática pedagógica realizar-se-á por meio de estágio nos dois últimos anos do curso, nos liceus que pela Direcção-Geral do Ensino Secundário forem designados para esse fim."

Este curso durou apenas dois anos, porque em 1923 passou para a escola normal primária de Lisboa. As aulas de anatomia descritiva eram ministradas no Instituto de Anatomia da Faculdade de Medicina de Lisboa, pelo médico Henrique de Vilhena que, no relatório que elaborou sobre a actividade científica do mesmo Instituto refere:

"Em alguns anos lectivos, 1921-22, até pelo menos, 25-26, tiveram no Instituto o ensino oficial de anatomia para o então denominado Curso Normal de Educação Física, os alunos matriculados neste curso. Destinava-se ele à preparação, na educação física, dos professores oficiais do ensino primário, que poderiam assim subministrar aos seus alunos a prática elementar respectiva. / Os exames, incidindo sobretudo na osteologia, miologia e artrologia, em sua parte mais necessária para o efeito, fizeram-se também no Instituto. / Esses alunos, além de assistirem às lições mais comuns, frequentaram as aulas práticas. Também frequentaram estas últimas aulas, por alguns anos a seguir a 1929 ou 1930-40, os alunos do curso de educação física da Sociedade de Geografia de Lisboa." Vide “Sobre a actividade científica do Instituto de Anatomia da Faculdade de Medicina de Lisboa (1910 ou 1911 a 1940)”, in Arquivo de Anatomia e Antropologia, vol. XXII, 1941-1943, Lisboa, 1943).

Acontece ainda que a criação desta escola tinha afinal um objectivo, que era o dar rápido cumprimento ao referido art.º 84.º, onde se tinha estipulado que ”Haverá professores efectivos e agregados de educação física, os quais serão nomeados pelo Governo, mediante concurso documental, de entre os indivíduos habilitados com o curso normal de educação física que oportunamente for organizado”.

Demonstrando-se assim que o governo, em 1918, já sabia que os dois nados-mortos cursos de 1911 nunca tinham funcionado, que esperou por 1918 para anunciar a oportuna organização de outro nada-morto curso normal de educação física, e que displicentemente aguardou por 1921 para criar provisoriamente, o curso em questão, com o que matava duas faltas: a dos cursos de 1911 que nunca funcionaram, e a do art.º 84.º de 1918, resultante da falta de uma escola normal.

O que punha em evidência a total descoordenação e desorientação dos sucessivos governos, em constante violação das suas competências. Mas a República, enquanto durou, entre 1910 e 1921, abrigou um Estado que acolheu 28 governos, o que pode dar uma ideia das dificuldades com que o país foi gerido, e da facilidade com que todos tinham direito a governar durante algum tempo. Isto explicará as sucessivas crises de que foi palco.

(continua)

Jaime Piedade Valente disse...

A frase de Barthes referida no final é tão, tão absurda!

joão boaventura disse...

(continuação)

Decorridos quase três anos, e interiorizado o hábito legislativo, novas alterações se produzem, em 1923, com a desculpa de que, tendo-se demonstrado ser insuficiente a preparação pedagógica “o curso normal de educação física é integrado na Escola Normal Superior” (ENS). O diploma porque sai com incorrecções é republicado passados dois meses. Isto é, há uma permanente legiferação de normas, ou erradas, ou insuficientes, ou incompletas, ou omissas, ou pedagogicamente alteradas, para posteriores acréscimos, ou correcções que, por sua vez, por conterem erros ou insuficiências, são objectos de novos normativos. Note-se que o governo manda integrar na ENS um curso que mal funcionou. Assim se vai fazendo a história do direito do campo do corpo: enrolando e empastelando as normas jurídicas. Talvez esta inabilidade resulte, como refere Habermas (1997: 20), da tensão entre os normativistas, ameaçados de perderem o contacto com a realidade social, e os objectivistas que fazem abstracção dos aspectos normativos.

A propósito do funcionamento do curso normal de educação física, e da forma como estava planeado, o Tenente Leal de Oliveira, tece considerações críticas muito duras no Diário de Notícias, de 13 de Setembro de 1923, das quais se respiga: “(…) o professor de educação física enferruja os seus membros, torna preguiçosas as suas funções, porque unicamente teve durante um ano um trabalho puramente intelectual (…); este curso de educação física é um curso aleijado: não tem sequência… é um curso de educação física em que se não educam fisicamente os alunos”. No mesmo Diário de Notícias, de 22 de Janeiro de 1924, o mesmo autor volta a pronunciar-se sobre a imperfeição do curso normal, porque algumas cadeiras continuam sem professores, e solicitando ao ministro da Instrução que organize (sem recorrer a comissões, porque é conhecida a falência e inoperância das comissões) uma Escola Normal de Educação Física, segundo os moldes suecos

Passados os serviços públicos da instrução primária das Câmaras para o Estado, a partir de 1 de Julho de 1918, permanece o vício normativo inconsequente ao estipular-se que cada “escola terá anexos um ginásio modelo e campo de jogos”, e que, se as escolas primárias não tiverem terrenos para jogos, deveriam as Câmaras Municipais “arranjar clareiras com telheiros”, como em África. No entanto, como o ensino da educação física é obrigatório, nenhum internato será autorizado a abrir ou a funcionar, sem ter o material necessário para o ensino da educação física, isto é, “ginásio e campo de jogos”. Declaradamente, as escolas oficiais do Estado podem funcionar, nas piores condições, sem ginásio e sem campo de jogos, mas os internatos não. Esta política repetir-se-á na vigência do Estado Novo.

(Continua)

Anónimo disse...

É no que dão... as frases fetas! JCN

joão boaventura disse...

(Conclusão por excessivamente longo)

Perante a inoperância estatal, em 1930, a Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL), sob a presidência do Conde de Penha Garcia, resolve criar a Escola Superior de Educação Física (ESEF), cuja abertura mereceu uma sessão especial em 22 de Novembro, contando o corpo docente com a colaboração do Dr. Leal de Oliveira e de nove médicos, leccionando gratuitamente (D. Fernando de Almeida, António Botoréo, José Salazar Carreira, Victor Fontes, José de Guimarães, José G. Pacheco de Miranda, F. Pinto de Miranda, João de Paiva Nazaré, e Reis Santos).

O curso tinha a duração de 4 anos, especificando o Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, n.º 3-4, Março-Abril, 4.ª Série, 1931, as disciplinas constantes em cada ano. Para ser admitido ao curso era necessário, depois de ser sócio da referida Sociedade, estar inscrito na secção denominada Grupo de Educação Integral, ao qual incumbia a administração e orientação da ESEF. Segundo Os Sports, de 07.12.1934, no curso de 1934-35, estavam inscritos “médicos, advogados, estudantes de medicina, um antigo dirigente da Associação Académica de Coimbra, um corredor de velocidade e um internacional de futebol.” As fontes dos periódicos só dão notícias da existência da ESEF até ao ano lectivo de 1938-1939. É provável que o facto de haver conhecimento, em Fevereiro de 1939, de ter sido presente à Assembleia Nacional uma proposta de Lei para a criação do Instituto Nacional de Educação Física, tivesse motivado o fim da ESEF, considerando que os jornais a votaram ao esquecimento. A este propósito, o médico W. de Oliveira (1939: XIII, 61), em termos pouco abonatórios declararia:

“Na realidade, existem, mais ou menos, e pela sua ordem cronológica: a Escola de educação física da Armada, e uma outra do Exercito; e, por fim a Sociedade de Geografia de Lisboa também julgou prestar serviço á Nação fundando uma Escola Superior de Educação Física. / Para pais continental tão pequeno já é floração exuberante em demasia, tanto mais que, além dos preparados por todas estas instituições, começa a aparecer, e por geração espontânea, toda uma actividade cinésica, por tal forma dinâmica e extensiva a todas as suas modalidades, que Portugal virá a ter (se o projectado «Instituto Nacional de Educação Física» chegar a sair da «Forja da Lei» tal como foi concebido), coroa condigna para tão formidável gestação… A situação ficará, contudo, ainda pior do que até aqui, visto nesse caso ir aumentar o número de milicianos a exercer ilegalmente a medicina.” (“Os «milicianos» e o exercício ilegal da Medicina”, in Acção Médica, n.º XIII, Jul.-Set., 1939).

A polémica entre Leal de Oliveira e Weiss de Oliveira, designada de “guerra dos Oliveiras”, não era mais do que as “guerra dos métodos”, já desencadeada na Alemanha, mas noutro contexto, bem como a “guerra dos métodos” muito polemizada na França, nos princípios do séc. XX, entre Georges Hébert que tinha criado o “método natural”, Emile Coste que apoiava o método de Ling, e Georges Demeny que tinha proposto o seu “método francês ecléctico”.

Anónimo disse...

Corrijo a gralha "fetas" por "feitas". JCN

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