domingo, 16 de maio de 2010

"Classroom Chaos": Útima escola

Texto na continuação de outros aqui publicados.

As descrições que Angela Mason fez do funcionamento de cinco escolas londrinas, por onde passou como professora substituta, sustentam, na verdade, o título que escolheu para o documentário que realizou: Caos nas salas de aulas.

Trata-se de escolas comuns que acolhem crianças e jovens de extractos socio-económicos e culturais diversificados (os problemas que a escola, no seu sentido mais geral, apresenta estão longe de se poderem explicar pela tão referida origem dos seus alunos) que denotam problemas graves em termos de disciplina, com as correspondentes consequências em termos de aprendizagens (ou o contrário, pois sugere-se nesta última sequência que a falta de estimulação dos alunos ao nível das aprendizagens pode desencader comportamentos inadequados).

Isso não impediu, porém, que a sua avaliação fosse positiva, ou tendencialmente positiva. Tal dissenso leva-nos a questionar o valor das diferentes abordagens de observação das escolas, sobretudo daquelas que não valem só por si, que estão anexadas a aspectos com efeitos directos na imagem e sobrevivência das próprias escolas e na vida das pessoas que nela trabalham.

Na sequência que, a seguir se pode ler, e que sintetiza a passagem de Mason pela sexta escola - Sir Jonh Cass School - faz-se referência ao facto de ela ter decidido reconhecer abertamente o duplo problema: de disciplina e de aprendizagem. A seguir a este passo fundamental, mas tão difícil de dar, envolveu os professores no seu diagnóstico cuidado, na escolha de estratégias para o superar e na sua transposição para o terreno com monitorização constrante... Os resultados que podem ser vistos aqui foram-se consolidando, mas não de um dia para o outro...

Os limites e os controlos são noções claramente ultrapassadas, mas alguns professores ainda as consideram essenciais. Li um artigo sobre um Director que introduziu uma nova cultura baseada particularmente na disciplina e no respeito.

Director da escola: Diria que somos uma escola tradicional que respeita os mais altos padrões de disciplina e de bom comportamento. É basicamente isso.

Tenho noção que filmei abertamente esta escola, ainda não tinha estado lá com câmaras ocultas. Pode-se sempre dizer que os alunos portaram-se bem porque sabiam que estavam a ser filmados. Só que eu já tinha entrado na escola, antes de a filmarmos, e o comportamento deles foi exactamente o mesmo. Vi crianças bem comportadas, um ambiente de disciplina, em toda a escola. Há dez anos, esta escola enfrentava problemas graves.

Director da escola: Se tivesse de descrever a escola como era antes, diria que os alunos tinham mais liberdade do que têm agora. Todos podiam sair á hora do almoço, que durava uma hora e vinte minutos. Infelizmente, muitos alunos acabavam por não regressar.

Professor da escola: Como podem ver, hoje só faltou um aluno. Posso mostrar-lhe, por exemplo, a folha de presenças do ano de 1994-95: Neste dia, só apareceram seis alunos e, à tarde, podem ver que faltaram todos. Pode tirar ilações sobre o que melhorou a nível de faltas.

Director da escola: Há algo de especial para hoje?

Haydn Evans e a sua equipa revolucionaram esta escola, classificando-a entre as escolas que mais evoluíram no país, três anos seguidos. Como é que fizeram? No bairro londrino de East End, a escola Sir Jonh Cass passou de uma escola de fracasso para um exemplo de grande sucesso.

Director da escola: A grande mudança começou com a classificação de 1998, que nos ‘empurrou’ para a lista das vinte escolas que mais evoluíram em todo o país. Introduzimos um conjunto de mudanças estruturais: encerramos a escola à hora do almoço, que foi encurtada, separámos os rapazes das raparigas, nas actividades lúdicas e lectivas. Temos uma presença discreta. Há sempre um adulto no portão à entrada dos alunos, as raparigas entram por um lado e os rapazes por outro, mas entram todos de forma ordeira. Mantemos todas as rotinas habituais de uma escola. Quando os alunos entram na sala de aula, têm de seguir um código de conduta como, por exemplo, prestar atenção ao professor quando estiver a falar, levantar a mão, etc. …” Estou só a ver, podem continuar!… Os alunos sabem que há um sistema de exigência, e sabe que, se o código não for respeitado, será agravado. Mas é raro ser necessário fazer isso. Não me lembro de alguma vez ter de intervir por causa de uma turma mais agitada.”

Fiquei impressionada com Haydn e a sua Direcção, e a forma como introduziram a tolerância zero à indisciplina. Também é verdade que qualquer infracção é imediatamente atacada. Também é preciso dizer que a minha experiência é mínima se comparada com a dos membros de Haydn Evans, cuja presença na escola é firme, mas sem resultados práticos.

Director da escola: Tira o brinco, por favor. Obrigado… Perco muito tempo com isto. Seja qual for a disciplina, estou sempre disponível. Desculpa, rapaz. És do 8.º ano. Não podes passar por aqui.

Para Haydn, a disciplina é uma batalha constante, que nunca esmorece.

Director da escola: Vê lá se encostas os pés à parede e se ficas de frente para a parede. Não te quero ver a olhar para os lados. Obrigado… Enfrentamos os comportamentos mais indisciplinados e reagimos de imediato. Se for um incidente mais grave, o aluno fica retido no fim do dia, entramos em contacto com os pais, pedindo que venham à escola, no dia seguinte, ou nesse mesmo dia, para falarmos sobre esse comportamento. Quanto mais depressa reagirmos, mais eficaz é a resposta. Uma das explicações para o bom comportamento dos alunos e para a elevada taxa de participação é a forte intervenção da maioria dos pais.

Professora: Faltam 5 minutos.

A equipa coesa da escola Sir Jonh Cass – deve ser realçado – não é a única parte da solução, a meu ver, o papel dos pais, que controlam e condicionam o comportamento dos filhos, também deve ser tido em conta. Enquanto mãe, sei que a disciplina em casa é um factor importante que também entra em conta.

Professora de História: O respeito pelos adultos é um grande problema. Muitos pais, sobretudo os mais novos, ainda vêem os professores e a escola como o inimigo, acabando por transmitir aos filhos. Quando os filhos vão para a escola, já vêm com essa noção incutida. O estímulo à aprendizagem não é consensual entre pais e docentes.

Há professores que afirmam que o problema é mais amplo.

Professor de Física: Os professores tendem a culpar os pais pelo comportamento dos filhos que largam à porta da escola e, por conseguinte, o facto de não conseguirem ensinar as crianças deve ser culpa deles. É uma transferência de culpa perfeitamente desnecessária. Já afirmei que o problema é muito mais amplo do que isso. Em determinadas situações, os próprios adultos não sabem como lidar com os mais novos.”

Porém, apesar do comportamento perturbador de alguns alunos, há momentos que fazem com que tudo valha a pena. O desafio deste trabalho é fantástico, sobretudo quando lidamos com crianças e algo faz “clique”.

Professora: Força, Karen. Tu consegues. Muito bem, já começaste.

Vê-se que eles vão ganhando entusiasmo pela disciplina, e que podem ser bons nalguma coisa, que têm talentos. Ser professor tem aspectos positivos.

Professora: Não te vou dar uma avaliação negativa. Vou dar-te uma oportunidade. Conseguiste recuperar de um começo atribulado. Agora estás muito melhor. Não é?
Aluno: Sim. Está melhor.
Professora: Estou muito contente por ti.
Aluno: Também estou muito satisfeito.

Durante o período em que não exerci a profissão, consegui aperceber-me que os professores passaram a lidar com grandes alterações do currículo. O planeamento muda a cada seis meses. As directivas centrais mandam-nos fazer coisas de uma forma completamente diferente da que estávamos habituados. Só vejo professores “afogados em papéis”.

Professor de Inglês: Em relação aos problemas nas salas de aula, posso dar o meu testemunho. É uma dor de cabeça sempre que vêm ordens de cima… “Faça isto assim. Se não o fizeres, estás a fazer mal”… São tantas as coisas que acabam com o nosso entusiasmo.”

A primeira aula que dei foi de Religião. Isso não me suscitará problema se o manual que usei tivesse sido concebido de uma forma mais viva e fácil, mas, pelo contrário, era muito eloquente. Avivar aquela turma era um verdadeiro desafio.

Professora: Não mexas no cabelo. Há dez minutos que não fazes outra coisa.

Tornou-se claro para mim que a explicação para o mau comportamento dos alunos podia estar relacionada com o facto de não serem desafiados intelectualmente. Será que alguém já tentou perceber se os alunos estão a ser devidamente “estimulados”?

Professor de Química: O problema é que o conceito de que a escola serve para transmitir aos jovens conhecimento e sabedoria, está cada vez mais desactualizado, resumindo-se a uma simples transferência de conhecimentos que pode ser feito por qualquer um. Portanto, já não é preciso ter professores especializados numa disciplina, nem pessoas com formação para executar essa tarefa.

Desde que voltei a dar aulas, fiquei surpreendida com a incapacidade que os professores têm em se afastar das infindáveis provas nacionais e dos currículos. Actualmente, é fácil sacar da Internet programas inteiros preparados pelas agências estatais. Gostava tanto de preparar as minhas aulas! Creio que era uma forma de transmitir o gosto pela docência. Mas, desde que volteia a dar aulas, recebo material “intelectualmente pobre” para as aulas. Material que tenho de usar porque é com base nele que os alunos serão avaliados.

Professor de Inglês: Muitos professores têm medo de mudar alguma coisa, de fugir das directivas da tutela. As aulas só podem ter uma única estrutura: uma entrada, o corpo da matéria, fazer parte de um conjunto. As aulas, a aprendizagem só podem ter essa estrutura. Não há qualquer vontade em aprofundar o tema, em tentar coisas novas. Nós não conhecemos o programa, o Governo é que sabe.

Todos os políticos afirmam que a Educação é muito importante para a sociedade. Desde os anos 70, quando eu dava aulas, que os sucessivos Governos tentam construir uma nação mais instruída, mas, à conta disso, aniquilam a autoridade dos docentes. Estou fisicamente desgastada com o nível de perturbação que há nas salas de aula, mas posso esquecer isso e voltar ao meu verdadeiro emprego.

Deixo a minha experiência de professora substituta mais triste, se tiver em conta o que esta profissão tem de enfrentar. Os professores não merecem ser tratados desta forma pela sociedade em geral e pelos Governos em particular. As crianças são claramente o factor mais importante na Educação, mas julgo que chegou o momento de devolver as salas de aula aos professores e às crianças.

2 comentários:

Pratos de Ouro disse...

Divulgue PF

http://espacosdeconvivio.blogspot.com/

Assim irei eu começar nesta caminhada pelos sitios mais agradáveis (ou não) que com o tempo vou visitando. este blog é isso mesmo, um espaço de convivio e quase que uma montra de espaços aconselhados para uns finais de manhã, tarde e noite.

Obrigados

Anónimo disse...

Falando sobre a relação entre a origem sócio-económica dos alunos e a aprendizagem: é líquido, foi-o no passado e sê-lo-á no futuro. E o mesmo se passa com o que Helena Damião expressa “a falta de estimulação dos alunos ao nível das aprendizagens pode desencadear [não pode, desencadeia mesmo) comportamentos inadequados”.
Não se pode admitir um destes dois factores – a origem sócio económica dos alunos e a falta de estimulação das aprendizagens - e desencadear medidas para o resolver, ignrando o outro. Ou seja, se o problema tem pelo menos estas duas faces, nunca o poderemos resolver se ignorarmos uma delas. A reflexão tem de se basear na realidade, caso contrário os “dissensos” continuarão a reproduzir-se como coelhos.
O que fazer? Impor a disciplina de palmatória na mão ignorando os desfavorecidos e colocando-os em pé de igualdade com os que, com as necessidades básicas satisfeitas, têm capacidade de resposta para o que lhes é exigido?
O que fazer? Desculpabilizar os mais desfavorecidos dando-lhes um sentimento de impunidade que os transforma em ditadores a enforcarem-se com as próprias mãos, ignorando aqueles que têm capacidades cuja energia desperdiçada se transforma em indisciplina? Esta é a realidade actual no nosso país, e certamente noutros.
Enquanto estudante, li a Farsa de Inês Pereira (que já não faz parte dos programas). Quando a desgraçada da Inês conclui que “antes asno que me leve que cavalo que me derrube”, lembro-me de, numa espécie de Grito de Ipiramga adolescente dizer para com os meus botões: “Nem uma coisa nem outra”. E esta certeza acompanhou-me desde então: Nem uma coisa nem outra!
Imagino uma solução, obviamente discutível, que não passa nem por impor disciplina de palmatória na mão, nem por separar rapazes e raparigas, que me parece um grande absurdo: fazer turmas com alunos que querem estudar, fazer turmas com alunos que não sabem muito bem o que querem, e fazer turmas com alunos que não querem estudar. Com os inevitáveis Códigos de Conduta e com as devidas consequências, porque o que define uma república das bananas é precisamente a ausência de consequências.

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