sexta-feira, 27 de novembro de 2009

PARA UM DEBATE SOBRE TELEMÓVEIS NA ESCOLA


Com a data do passado dia 23 de Novembro, de Tiago Videira, professor de Música e estudante de PhD em Digital Media, foi recebido um mail que, satisfazendo o pedido do seu subscritor, me foi endossado. Sem dúvida, tarefa ingrata me espera mas mãos à obra.

Começa o referido mail desta forma:

Exmos Srs., em especial Rui Baptista:

Escrevi esta reflexão que gostaria de lançar como repto, provocação, ou ponto de partida para um debate neste sentido a ser lançado no vosso blogue, se assim for entendido como pertinente.”

Claro que no Rerum considerou-se o debate “pertinente". Aliás como qualquer debate que tenha interesse público. E porque assim é transcrevo-o parcialmente (apenas, por questões espaciais). Escreveu Tiago Videira:

“Na sociedade actual é impossível escamotear a nova realidade que se vive: os meios digitais transportáveis já são um prolongamento da identidade dos jovens. Um mero telemóvel não é um mero telemóvel. Não é um acessório dispensável. Não. É um instrumento que prolonga os sentidos, as disponibilidades e a mente de quem o controla. É parte do jovem, é um órgão artificial, mas tão concreto como os outros. Indispensáveis para comunicar e partilhar. Será uma remediação de boca, de olhos, de ouvidos. E nele se contêm memórias e músicas e fotos. É também uma remediação de memória cerebral. E faz parte do indivíduo, da sua identidade, de quem ele é”. E mais adiante, acrescentou: “Por isso, a escola, a sala de aula onde os alunos deverão permanecer atentos e imóveis e destelemobilizados é um atentado à sua identidade. Se todas as razões e mais algumas haveria a levantar contra o actual sistema de ensino (claustrofóbico, sedentário), mais uma se levanta: auto-destruidor da identidade, amputador dos membros digitais dos jovens”.

Nem de propósito, dois dias depois é publicada no Correio da Manhã esta notícia:

“A carta de uma turma do último ano do secundário, no liceu Jean-Lurçat, de Paris, à respectiva professora de Inglês provocou uma mini-revolução. Os alunos contestaram a autoridade da mestre que proibia telemóveis na aula e o corpo docente reagiu em bloco e recusa dar aulas à turma rebelde. O ministro da Educação, Luc Chatel, mandou inspectores ao liceu averiguar e castigar os alunos indisciplinados. Quando eles quiseram ter palavra no caso, recusou: ‘De modo nenhum, não são os alunos que dão as aulas’”.

Como o Tiago Videira deve estar lembrado meses atrás teve lugar uma disputa violenta entre uma professora e uma aluna de uma escola secundária do Porto pela posse de um telemóvel que, na opinião daquela, estava a perturbar a disciplina da turma. O caso ocorreu no pequeno mundo português (não sei se teve o eco do caso francês) provocando uma opinião oposta à sua em grande parte da opinião e do poder públicos.

Recordo, aqui, uma situação, acontecida anos atrás, quando o telemóvel deixou de ser uma máquina pesada e dispendiosa, transportada nos automóveis, para se tornar num objecto portátil de quase ostentação social que levou o sociólogo António Barreto a escrever uma deliciosa crónica. Nela relatou-nos o caso picaresco de duas fulanas, em declarado exibicionismo, numa praia in do Algarve, com toldos tão próximos que as varetas quase se tocavam, a falarem uma com a outra por telemóvel em que a voz saída do aparelho era menos audível do que a voz humana sem essas modernices.

Para si, o uso do telemóvel “democratizou-se” como escreve no seu mail: “Na África subsariana neste momento os telemóveis disseminaram-se epidemicamente São um meio, provavelmente o único, de muitas crianças, de poderem comunicar e aprender. São uma tecnologia inclusiva delas na sociedade e absolutamente fulcral ao seu desenvolvimento”. Todavia, atrevo-me a duvidar que, dado o custo das chamadas, o seu uso se tenha disseminado, como diz, numa região do globo tão pobre ou com o dinheiro tão mal distribuído como o continente africano abaixo do deserto do Saara. Por outro lado, sabendo nós o clima de indisciplina que reina em muito das nossas escolas ponho sérias dúvidas de que se não trate de um novo motivo de indisciplina, com os alunos no decurso das aulas a enviarem e a receberem chamadas, a escreverem e a lerem mensagens, a ouvirem música, a tirarem fotografias uns aos outros, etc.

Estou muito longe de ser um especialista nesta matéria e, por outro lado, acredito no aforisma bem português e bem castiço: “Cada macaco no seu galho”. É, portanto, esta uma discussão que foge ao meu conhecimento. Assim, limito-me a satisfazer, com muito gosto, o seu pedido de repto, provocação ou mero ponto de partida. Curiosamente, e bem a propósito, ontem mesmo foi publicado um post neste blogue, intitulado “Concurso de Filmes Laboratoriais em Telemóveis”, demonstrativo de uma aplicação pedagógica dos telemóveis, o que me leva a não ter uma opinião maniqueísta sobre o assunto, quer criticando os seus defeitos, quer exaltando as suas virtudes. É tudo uma questão de conta, peso e medida. Aliás, há certas drogas cuja eficiência terapêutica depende das doses que se tomam. Em doses quantum satis curam, em doses excessivas matam.

Alea jacta est! Passo a palavra aos especialistas numa matéria que necessita de ser iluminada por possíveis e benquistos comentários.

30 comentários:

Fartinho da Silva disse...

Também gostaria de dar o meu contributo.

Se os estudantes fossem seres imaculados e perfeitos, poderiam levar para a sala de aula, todos os seus prolongamentos sensoriais como televisões portáteis, leitores de ficheiros MP3, consolas de jogos, preservativos coloridos, etc., etc.. Se os professores fossem seres perfeitos e completos poderiam permitir a utilização de todas estas tecnologias porque sabiam que estavam perante alunos imaculados e perfeitos. Se as matérias a leccionar fossem perfeitas, todos os alunos as aprenderiam de forma fácil. Se a escola fosse um lugar perfeito todas as manhãs teriam um belo nascer do Sol e todos os final de tarde teriam um fantástico pôr-do-Sol. Se todos os pais e encarregados de educação fossem perfeitos acompanhariam de forma plena e completa a educação e o desempenho dos seus filhos e educandos. Se o Estado fosse perfeito trabalharia sempre a bem da população, etc., etc., etc.

Como o mundo real não é este, por favor paremos de delirar e baixemos ao planeta Terra!

No mundo real, no Portugal real, cerca de um terço dos "alunos" não permite que os restantes colegas aprendam. No Portugal real, o tal terço de "alunos" recebe todas as atenções dos "especialistas" da educação, dos "cientistas" da educação, do Estado paternalista, dos "professores", "psicólogos", etc., etc.. No Portugal real, este um terço de "alunos" utiliza o telemovel na sala de "aula" e na "escola" para tudo, mas MESMO para tudo. Filmam sovas de colegas e ameaçam os mesmos com a publicação desses filmes na Internet ou noutros locais se os ALUNOS que querem aprender os denunciarem por actos de puro VANDALISMO (como por exemplo, partir cadeiras, rebentar com material de laboratório, riscar os carros dos "professores", etc.)! Humilham "professores" e filmam esses actos de humilhação. Colocam esses filmes na Internet e enviam para todos os amigos que conhecem o link desse filme através do MS Messenger e avisando que devem ver o filme o mais depressa possível antes que seja removido pelo empresa de hospedagem. Alguns dos "pais" desses "meninos" NÃO acreditam quando os "professores" lhes dão conta daquilo que fazem os seus rebentos e alguns dos "pais" que acreditam afirmam: "Não fui eu que escolhi ser professor, como tal resolva o problema e não me chateie se faz favor!"

Este é o país real, este é o mundo real. Por favor, diga ao Tiago Videira, que uma coisa são os seus desejos outra, bem diferente, a realidade.

José Batista da Ascenção disse...

Em Braga, na Escola Secundária Carlos Amarante, há uma professora, de nome Adelina Moura, que tem usado o telemóvel como instrumento de ensino. Suponho até que está a fazer um doutoramento relacionado com o assunto. Aparentemente estará a ter resultados, pelo menos de acordo com uma notícia há tempos saída no jornal "Público". Por mim, gostaria que daqui a dez anos, mais coisa menos coisa, se indagasse junto desses alunos se realmente aprenderam melhor e sabem mais que os outros. E se estudasse a sério se houve realmente ganhos.

Anónimo disse...

O pénis faz parte da identidade dos adolescentes bem como todas as actividades que podem ter com ele. Refiro-me aos rapazes (das raparigas sei menos). Logo, com argumentos parecidos aos que defendem o uso do telemóvel, deve-se permitir, nas escola, que façam com o pénis o que quiserem e não se deve privá-los da sua identidade, etc. etc. Recordo-me que quando eu tinha 13, 14 anos, etc. uma das actividades a que mais nos dedicávmos mesmo nas aulas e intervalos era a masturbação. Às escondidas, claro, dos professores e professoras, mas vivia-se a noite fascista, agora, em democracia, abrem-se outras possibilidades de brincadeiras com o pénis. Bem, já não percebo se estou a delirar ou se são os entusiastas do telemóvel que deliram. Agora tenho a certeza que umas brincadeirinhas com o meu pénis me dão maior prazer do que com esses prolongamentos informáticos ou lá o que é.

Rui Baptista disse...

Prezado Fartinho da Silva:

De acordo consigo quando perspectiva o uso dos telemóveis nas aulas para o país e para os alunos que temos.

António Daniel disse...

Já agora que se use telemóveis durante um concerto musical.

Rui Baptista disse...

Caro José Batista da Ascenção:

Não tenho conhecimento do caso de que fala da professora de Braga. Mas posso, desde já, adiantar que no meu post referi-me, inclusivamente, ao "Concurso de Filmes Laboratoriais em Telemóveis".

Seria de interesse fazer chegar este post a essa professora para que ela nos relatasse a referida experiência.Mas desejo adiantar que os problemas não devem ser vistos só a preto e branco, descurando as zonas cinzentas.

José Meireles Graça disse...

Dou alegremente o meu não-contributo: Não parece excessivamente difícil rebater a colecção de tonterias de mais um wacko doutorado. Mas nem todas as teses, ainda que com caução académica, merecem debate. Como disse um famoso troca-tintas, às vezes um charuto é apenas um charuto.

Musicologo disse...

Permito-me já fazer um pequeno esclarecimento que não transbordou da minha carta original e que deturpa completamente o sentido.

Ninguém está a defender os telemóveis para serem utilizados no nosso sistema atávico de ensino actual com professores que falam e alunos que supostamente têm de ficar parados nas carteiras a ouvir.

O que se pretende é perguntar se vale a pena comprar uma guerra com alunos que não vão deixar de usar o telemóvel quer se queira quer não.

Se não valerá mais a pena aproveitar as potencialidades do "bicho" e reformular todo o sitema de ensino de forma a tornar os telemóveis, computadores, mp3, iphones, etc, como tecnologias inclusivas na aprendizagem, criando conteúdos e aplicações pedagógicas para eles.

É esta a minha verdadeira questão.

Fartinho da Silva disse...

Caro Musicólogo,

Antes de formular teorias deveria perceber o estado actual do "ensino" público. Quando afirma: "...com professores que falam e alunos que supostamente têm que ficar parados nas carteiras a ouvir.", está a falar de quê? Da "escola" que existe na sua imaginação ou naquela que existe no mundo real?

Rui Baptista disse...

Meu Caro Tiago Vieira:

Desculpe não ter transcrito na íntegra o seu extenso texto. Foi só essa a razão. Todavia, se reparar eu limitei-me a criticar o mau uso actual dos telemóveis por parte dos alunos quando não serve de "ferramenta" para uma utilização de natureza pedagógica e científica.

Para fazer essa ponte "é fundamental que o estudante adquira uma compreensão e uma percepção nítida dos valores", como escreveu Albert Einstein.

Segue o texto integral:


"Na sociedade actual é impossível escamotear a nova realidade que se
vive: os meios digitais transportáveis já são um prolongamento da
identidade dos jovens. Um mero telemóvel não é um mero telemóvel. Não
é um acessório dispensável. Não. É uma instrumento que prolonga os
sentidos, as disponibilidades e a mente de quem o controla. É parte do
jovem, é um orgão artificial, mas tão concreto como os outros. É
indispensável para comunicar e partilhar. Será uma remediação de boca,
de olhos, de ouvidos. E nele se contém memórias e músicas e fotos. É
também uma remediação de memória cerebral. E faz parte do indivíduo,
da sua identidade, de quem ele é.

Pensar hoje num jovem sem o seu telemóvel é pensar numa criatura que
se vê e acha despida, despojada, violentada numa das suas ferramentas
mais profundas. É como pensar num leitor sem óculos, num pianista sem
piano, num cozinheiro sem faca. É algo que não sendo vital, é
absolutamente indispensável para o normal funcionamento dos processos
funcionais, cognitivos e emotivos do quotidiano.

Têm noção que hoje em dia os jovens tocam à campainha com o polegar?
Só por si isto demonstra a importância que tal tecnologia leva nos
processos até fisiobiológicos e motores dos infantes.

Por isso, a escola, a sala de aula onde os alunos deverão permanecer
atentos e imóveis e destelemobilizados é um atentado à sua identidade.
Se todas as razões e mais algumas haveria a levantar contra o actual
sistema de ensino (claustrofóbico, sendentário), mais uma se levanta:
auto-destruidor da identidade, amputador dos membros digitais dos
jovens.

Na África subsariana neste momento os telemóveis disseminaram-se
epidemicamente São um meio, provavelmente o único, de muitas crianças,
de poderem comunicar e aprender. São uma tecnologia inclusiva delas na
sociedade e absolutamente fulcral ao seu desenvolvimento.

E nesse ponto temos de convergir. Não é possível pensar no ensino hoje
em dia separado das tecnologias digitais. Telemóveis, iPhones, Mp4,
não são ameaças à atenção dos alunos. São ferramentas digitais
altamente potentes que eles manuseiam, compreendem e com os quais
interagem como ninguém. E deviam ser incluídas no ensino e não
hostilizadas.

Há a necessidade urgente e premente de criar conteúdos interactivos,
de criar ligações e estímulos, de fazer a ponte e canalizar os
conteúdos também para as plataformas móveis. Potenciar o seu uso de
uma forma pró-activa e reactiva ao conhecimento e ao saber. E nunca,
mas nunca comprar uma guerra, ou estaremos condenados ao fracasso.

Temos de nos adaptar aos jovens e à sua realidade se os queremos
atingir e ter sucesso. Não são eles quem se tem de adaptar a modelos
arcaicos e contra-identitários".

Unknown disse...

E o que devem fazer os professores para evitar serem fotografados sem consentimento, ou que as suas aulas sejam gravadas à sua revelia????????

joão viegas disse...

Caros,

Orgulho-me de ser o unico advogado no mundo (senão mesmo no sistema solar) que não tem telemovel, que se recusa completamente a ter e que se orgulha muito disso.

Ja foi aqui respondido de forma definitiva à pergunta do Rui Baptista pelo anonimo das 23:08 (entre outros).

Mas admito que o telemovel pode ter uma utilidade. Por exemplo, penso que se poderia dar com proveito, nas aulas de economia, o seguinte exercicio aos alunos :

"Calcule o preço total pago às operadoras telefonicas, em Portugal, num so mês, com conversas cretinas em que a substância principal consiste em infomarem-se dois ou mais interlocutores acerca da grave questão de saber "onde estão". Em seguida, compare esse total com a verba necessaria para acabar com a fome no mundo e exponha algumas conclusões que se podem tirar dessa comparação."

O telemovel é talvez a principal razão pela qual ja tomei providências para que a posteridade NAO saiba que vivi nesta época perfeitamente imbecil.

Boa continuação...

Rui Baptista disse...

Prezada Lelé Batita:

Tão evidente como diz. Mas não só! Haja em vista o que se passou em França. Espero que nos sirva de lição.

Ou será que se cumprirá, uma vez mais, o mau fado de outrora, quando Eça escreveu que "Portugal é um país traduzido do francês...em calão?"


O debate, pelos vistos, continua em aberto, qual procissão que ainda não saíu do adro da igreja.

José Batista da Ascenção disse...

Caro Rui Baptista:

Enviei um mail com a ligação para este sítio à professora Adelina Moura.

Musicologo disse...

Caro Fartinho da Silva

Passei o último ano a dar aulas no ensino público a 6º,7º e 8º anos e tentei contrariar o paradigma de aulas magistral que quanto a mim simplesmente já não funciona ou só funciona pelo medo. Um polícia à porta de cada sala?

Turmas de 30 alunos é impossível dar-se o que quer que seja. A experiência com o programa e as turmas de 6º ano foram exasperantes. Mas na minha disciplina, no 7º e 8º como sabe as turmas são desdobradas. A diferença é abissal. Nos turnos de 12 alunos em que se falava pouco, se mostravam muitos vídeos, se usava o computador e o datashow para passar informação e depois eles se levantavam do lugar e vinham para o "Palco" (centro da sala) cantar os resultados foram bastante animadores.

Trata-se tão só portanto de pensar que há uma mudança de fundo que precisa de ser feita. A começar pelo ponto principal de muito menos alunos por professor.

Mas regra geral o sistema de querer ter adolescentes sentados o dia inteiro imóveis e serenos é completamente irreal. E sem os seus telemóveis mais irreal é.

As minhas preocupações vão nesse sentido. Não são teorias. São questões. É perguntar "o que se pode fazer para mudar isto?", porque "ISTO" não funciona!...

Caro Rui Baptista,

Antes de mais muito obrigado por ter dado oportunidade a que as minhas dúvidas fossem expostas aqui no blogue.

Percebi claramente o seu ponto de vista. Mas eu questiono-me então como se ensinam esses valores e essas posturas prévias se elas não vêm de casa ensinadas (e na maior parte dos casos não vêm) e se tem 30 adolescentes com hormonas aos pulos num mesmo espaço. Na prática como isso se faz?

Será que a solução tem mesmo de passar pelo medo e pela proibição?

Anónimo disse...

O telemóvel de hoje é o relógio, a máquina de calcular, de fotografar, de gravar e enviar mensagens, etc.
Anteriormente, os pais, os alunos ou quer que fosse, se tivesse necessidade urgente comunicava para a escola, através da portaria da mesma. Ou seja, o circuito de comunicações tinha um intermediário, o que limitava as comunicações às situações "urgentes".
A utilização indiscriminada do telemóvel (por todos - pessoal docente e não docente, alunos - leva a que se analise o posicionamento do telemóvel na escola (entidida como local de trabalho). Impedir a utilização de telemóveis seria a medida mais indicada, mas não é exequível nos moldes em que funcionam as escolas (basta pensar qual o processo que um familiar segue para comunicar com um/a aluno/a).
Os telemóveis terão, cada vez, a ser mais sofisticados e poderosos (computadores de bolso).
O telemóvel mais sofisticado não ficará ao alcance de todos. Hoje, as "aulas" transformaram-se em toques sonoros, em envios de mensagens, em gravações e fotos,...
Das duas uma: ou a aula clássica chegou ao fim do ciclo e utiliza-se uma plataforma de acesso com os conteúdos e as aulas serão para retirar dúvidas,de acompanhamento, etc.; ou é necessário um processo de retirada dos telemóveis em toda a área escolar, para permitir leccionar classicamente (professor v alunos).

João Moreira

Anónimo disse...

Obviamente a solução tem de passar pelo medo e pela proibição. Com, aliás, em tudo que é imposto pelo estado.

Fartinho da Silva disse...

Caro Musicologo,

Abandonei a "escola" pública há pouco mais de dois anos porque concluí que eu não estava a trabalhar para os "alunos" mas sim para justificar o emprego de terceiros, hoje estou numa Escola a sério! Nesta Escola a sério, os professores estudam e ensinam, os estudantes estudam e aprendem e os pais são responsáveis pela educação dos seus filhos.

As propinas mensais variam entre 450 euros e 850 euros tendo em conta os serviços escolhidos e se se trata de estudantes do 3º Ciclo do Ensino Básico ou do Ensino Secundário!

Não há indisciplina, não há insucesso, não há computadores na sala de aula, não há telemoveis, etc.! Adivinhe onde uma boa parte dos políticos, "cientistas" e "especialistas" da educação, "psicólogos da educação", grandes gestores, banqueiros, etc., coloca os seus filhos.

Adivinhe agora quem é que vai ficar com os melhores cargos!





Pois é! As ideias "progressistas" e "inovadoras" são fantásticas e extraordinárias... desde que aplicadas aos filhos dos outros!

Adelina Moura disse...

Em primeiro lugar, quero felicitar a ideia de abrir discussão sobre o assunto, permitindo que se partilhem ideias e se cruzem pontos de vista.
O meu colega José Batista fez o favor de me dar conta desta discussão e aqui partilhar algumas experiências que tenho realizado com os meus alunos do ensino secundário.
A tecnologia é hoje reconhecida como tendo o potencial de transformar a vida de milhões de pessoas e os dispositivos móveis estão a configurar a nossa forma de viver, trabalhar e aprender. Os nossos alunos usam intensamente e de forma multifacetada os seus telemóveis, gerindo diferentes media, muitas vezes de forma colaborativa e criativa, em contextos informais. As práticas digitais, intimamente ligadas à identidade das gerações mais jovens, são potenciadoras de aprendizagens colaborativas e criativas, mas exercidas a maior parte das vezes forma do contexto escolar. Há vários estudos que mostram que a atracção que os jovens têm pelo telemóvel pode ser usada para promoção da aprendizagem. A natureza disruptiva das tecnologias móveis facilita a mudança de uma pedagogia centrada no ensino, para pedagogias sócio-construtivistas centradas na aprendizagem e no aprendente.
A computação ubíqua, através de dispositivos móveis, permite o acesso anytime, anywhere à Internet, conduzindo ao aparecimento de novos paradigmas educacionais. É neste contexto que podemos falar do mobile learning (aprendizagem suportada por dispositivos móveis). Os telemóveis converteram-se em dispositivos híbridos capazes de oferecer uma variedade de serviços e funções multimédia. Ao permitirem tirar fotos, gravar vídeos e voz, enviar emails, usar mensagens instantâneas e aceder à Internet transformaram-se em ferramentas educativas que importa aproveitar. A sua capacidade de armazenamento de dados é superior aos computadores portáteis de há dez anos antes (o meu portátil comprado em 1999 tem apenas 5Gb, hoje o iPhone tem no mínimo 8Gb). Há quem compare o telemóvel a um canivete suíço, mas se o usarmos só para abrir cápsulas estamos a desperdiçar o potencial desta ferramenta, o mesmo se passa com o telemóvel se apenas o usarmos para comunicação de voz.
Sem me alongar mais nas considerações de ordem teórica, servem apenas para enquadrar o meu trabalho de investigação e para compreensão das experiências que tenho realizado com os meus alunos dentro e fora da sala de aula, desde há cerca de 4 anos. O telemóvel, o leitor mp3, mp4, o iPod, a PSP, o portátil, a Pen USB, o PDA, o Pocket PC são alguns dos dispositivos móveis que os meus alunos levam para a sala de aula e que enquadro juntamente com outras ferramentas mais tradicionais e estratégias de aprendizagem pensadas para aproveitar as potencialidades destes recursos.
Deixo os endereços dos ambientes de aprendizagem que criei para apoiar o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem:
http://geramovel.wirenode.mobi/
http://geramovel.wirenode.mobi/
http://sites.google.com/site/aulasdeportuguesonline/
http://adelinamouravitae.com.sapo.pt/ -

PS: O mobile learning ainda está na sua infância, por isso muito ainda há a investigar e a discutir. A questão que se coloca é saber como o culto que os jovens têm pelo telemóvel pode ser aplicado na educação. Para isso, é necessário entender as representações que os jovens possuem dos seus telemóveis e analisar como é possível professores e instituições educativas encararem o processo educativo de perspectivas diferentes e encontrarem estratégias para a sua integração. O desenho de experiências de aprendizagem autêntica tem sido indicado como sendo o caminho para que a aprendizagem seja relevante, pessoal e significativa. E isto é possível através da adopção de dispositivos móveis, entre eles, o telemóvel, na educação por ser uma forma de combinar a vida real e a vida da escola.

Rui Baptista disse...

Caro Musicólogo:

Não tem nada que agradecer a publicação do seu texto por trazer ter tido o mérito de trazer para a opinião pública uma questão polémica que está longe de ser pacífica.

E tanto assim é, que por si foi feita uma pergunta que a tenho por dúvida: "Será que a solução tem mesmo de passar pelo medo e pela proibição?"

Dentro de certos limites, claro que não. Mas a convivência em sociedade pressupõe certas proibições. Já pensou, por exemplo, o estado caótico que se geraria se todos os automobilistas não fossem obrigados a obedecer ao código de estradas, desrespeitando-o falando ao telemóvel pondo com isso em risco a segurança dos transeuntes e dos outros automobilistas?

De igual forma, e salvaguardadas as devidas proporções, educar uma criança ou um jovem não deve ser o da permissividade de os deixar fazer tudo para chegada a vida adulta e profissional continuar a fazer o que lhe der na real gana. E aí sim, eles serão os primeiros a recriminar uma educação do “laissez faire, laissez passer” que lhes passou a trazer travos amargos de boca.

Defendo, como aliás quero pensar que defende, uma educação de valores em que a disciplina deve ser, de preferência, interiorizada pelo jovem mas, logo, encaminhada pelo adulto sempre que sair dos trilhos que a tornem prejudicial para um bom e civilizado ambiente na sala de aula. Aliás, um juiz norte-americano sobre a liberdade disse, de forma lapidar: “A liberdade dos seus punhos termina onde começa o nariz do seu concidadão” (citado de memória).

O mito do bom selvagem de Rousseau de que a criança nasce pura e que a sociedade é que a corrompe (como se a genética e o meio ambiente não interagissem entre si) serve para tudo até para criar problemas de consciência ao melhores dos pais quando confrontados com o comportamento anti-social dos filhos. Mas este problema levar-nos-ia a uma discussão em que o ter se se sobrepõe ao ser numa sociedade moderna gerada durante a II Guerra Mundial em que o papel da mãe educadora se transformou no papel de mãe trabalhadora, Mas deixemos esta discussão para os sociólogos, economistas, etc.

Resumindo e concluindo. Discordo que o uso dos telemóveis seja a panaceia para resolver o problema da disciplina, ainda mesmo numa sociedade hedónica em que a Educação deixa de ser algo que envolva esforço para passar a ser um circo em que o papel de palhaço cabe ao professor para gáudio e prazer dos alunos...

Mas, mais uma vez, lhe recordo que não estou contra o uso do telemóvel como “ferramenta” pedagógica. Tentar levar a crer, ou apenas sugerir, ser essa a minha posição é uma análise um tanto ou quanto leviana quando referi o post "Concurso de Filmes Laboratoriaus e Telemóveis". Está recordado?

Mas, por outro lado, defendo que a solução francesa teve o mérito de seguir o conselho da “vox populi” da nossa terra: “Para grandes males, grandes remédios”.

Mesmo a terminar: todos nós tivemos professores que nada tinham de ferrabrás mas que sabiam manter uma classe disciplinada e interessada sem o uso do telemóvel. A isso, entre outros nomes, chama-se respeito que leva o aluno a distinguir entre o professor indulgente e o professor "banana". O primeiro é indulgente enquanto a indulgência não prejudica o rendimento das actividades escolares. O segundo é "banana" por não ser capaz de uma actuação mais enérgica susceptível de propiciar um clima de disciplina salutar.

De resto, como tive o cuidade de escrever no meu post, "estou muito longe deser um especialista nesta matéria e, por outro lado, acredito no aforisma bem português e bem castiço: 'Cada macaco no seu galho'".

Saúdo, por isso, a análise ponderada da professora Adelina Moura que trouxe até nós, em louvável intenção, a sua experiência nesta matéria de forma não maniqueísta.

Fartinho da Silva disse...

Quando a Adelina Moura se refere ao seu trabalho de investigação, por algum momento pensou nas consequências dessa investigação no futuro dos seus alunos em relação ao mercado de trabalho? Pensou num prazo superior a 5 anos? E a 10 anos?

O telemóvel, diz a autora, é um centro de culto dos jovens e como tal deve ser integrado na sala de aula... Quando os os adolescentes atingem os 14, 15 anos têm como culto a música e não o telemovel. Alguma vez a autora considerou incluir nas suas aulas aparelhagens Hi-Fi? Alguma vez julgou necessitar de integrar o black metal no "processo ensino-aprendizagem"?

Se as tecnologias móveis são tão centrais na vida dos jovens, porque serão proibidas em países tão atrasados como a Alemanha (em alguns estados)? Porque serão proibidas em ambientes tão terceiro-mundistas como as salas de cinema, ou as reuniões entre CEOs?

Quando fala no jargão mobile learning (mais conhecido por m-learning), também posso falar noutros igualmente julgados decisivos há não muitos anos atrás como, por exemplo, e-learning, m-learning, b-learning! Isto para não ir mais atrás no tempo para me referir ao ensino à distância por telefone, televisão, correspondência, etc.! Algum vingou?

Quando fala em capacidade de armazenamento dos telemoveis quando comparada com os portáteis de há 10 anos, não consigo perceber o que quer dizer com isso! Por acaso, os alunos há dez anos atrás traziam portáteis para as salas de aula? Por outro lado, a PlayStation 3, oferece 120 GB de HDD!!

Quando se refere a experiências de aprendizagem autêntica, o que quer dizer com isso? Quando afirma que tem sido indicado o caminho para que a aprendizagem seja relevante, pessoal e significativa, esqueceu-se de referir quem é que tem indicado esse caminho.

Na ciência não basta acreditarmos em algo, é necessário demonstrar que temos razão! É por essa razão que a ciência é substancialmente diferente do mito! E é por isso que quando leio trabalhos de "investigação" na área do ensino fico arrepiado, as referências bibliográficas são na generalidade referências circulares, as amostras objecto de estudo são demasiado pequenas, a duração do trabalho de campo é muitíssimo curto, a metodologia de trabalho (quando indicada) é duvidosa podendo tirar-se as conclusões indicadas nos papers assim como o seu contrário.

Outro aspecto que me tem espantado com as "investigações" na área das "ciências" da educação é a confusão que por lá reina entre informática, tecnologias de informação, tecnologias de informação e comunicação, redes de computadores, integração de dados, serviços web, gestão de processos e... jovens!!

Sou formador de informática desde 1989 e NUNCA vi um jovem saber algo significativo (para utilizar um jargão do "eduquês") de computadores sem saber IMENSO de matemática, português e inglês!!

Posso acrescentar mais, até agora apenas conheci dois formandos ou alunos com conhecimentos profundos de algum tema significativo (mais uma vez a utilizar o jargão dominante) sem saber de forma profunda de matemática e português..

NOTA: utilizo uma plataforma web de suporte à formação e ao ensino desde 1998 e quem o tem utilizado com mais assiduidade têm sido os formados com mais de 18 anos!! Sempre assim foi, e assim continua a ser! Quanto mais novos os alunos ou os formando menor o grau de utilização, excepto entre os alunos ou formandos com idades entre os 10 e os 12 anos (não percebo as razões) e entre os 50 e os 65 anos (por razões óbvias).

Fartinho da Silva disse...

Caro Rui Baptista,

De facto, o centro das pedagogias românticas centra-se em Rousseau que no século 18, com os conhecimentos científicos existentes na altura, julgou que as crianças nasciam imaculadas e a sociedade é que as corrompia. Infelizmente, em pleno século 21, com todos os conhecimentos neurológicos, genéticos e sociais entretanto adquiridos com tanto esforço continuamos a ouvir e a a ler que quem não partilha da fé do "bom selvagem" é antidemocrático e antiprogressista!

Mais, quem não comunga desta fé é obrigado a deixar o "ensino" público para poder acompanhar a evolução do homem e da ciência!

Rui Baptista disse...

Caro Fartinho da Silva:

Julgo comungarmos da mesma opinião, entre muitas outras coisas, no que se refere à última linha do 1.º § do seu comentário. Costumo dizer, e já escrevi algures, que neste país “em que é útil balar como os carneiros” (Eça), cada vez mais me convenço que quem diz o que pensa é reaccionário; quem diz o que o partido lhe manda é progressista.

Ignorante confesso das modernas tecnologias (lá diz o ditado “burro velho não aprende línguas”), tenho feito um grande esforço para tirar delas partido sem delas me tornar escravo. Aliás, julgo, que as melhores e mais modernas tecnologias se mal aplicadas tornam-se em péssimas tecnologias.

Cultor medíocre da arte da escrita, temo mesmo que a ortografia utilizada nas mensagens dos telemóveis faça com que os alunos percam, cada vez mais, o culto de ler obras dos nossos melhores escritores que devem estar a dar voltas no túmulo revoltados com o estado de permissividade a que o ensino da língua portuguesa chegou. Para além disso, perdeu-se o hábito de exercitar a memória (o escritor José Cardoso Pires chamou-lhe a coisa mais preciosa que temos). E já que falo da memória, num comentário anterior dela fiz uso com esta citação:”A liberdade dos seus punhos termina onde começa o nariz do seu concidadão”. Na verdade, a transcrição correcta é esta:”A liberdade dos seus punhos acaba onde começa o nariz do seu vizinho”. O meu computador foi a memória não tão fiel como ele, mas mais portátil e fiel companheira de todos os dias e de todas as ocasiões.

Esta é uma realidade. Portugal está a mudar. “Os revolucionários em Portugal já não são o que eram. Agora identificam-se pelos seus fatos listados e telemóveis topo de gama” (“Finantial Times”, 10/03/2004). Receio que os filhos desses “ex-revolucionários” se tornem seus apêndices de carne e osso aparecendo nas escolas com telemóveis topo de gama que os auxiliem nas suas tarefas escolares (umas vezes bem, outras mal) tornando o ensino selectivo não em face da massa cinzenta dos alunos mas das contas bancárias dos pais.

Mas isto são cogitações minhas que merecem ser escalpelizadas pelos professores Fartinho da Silva e Aldina Moura, nadadores de longa distância no “maré magnum” da novas tecnologias, em comparação com a banheira em que chapinho sem possibilidade alguma de gritar: “Eureka!”

Adelina Moura disse...

Caro Fartinho da Silva,

tentarei responder às questões que me coloca sem entrar em grandes detalhes, apesar de reconhecer que o assunto merece um debate profundo.

1. A investigação é um processo de construção do conhecimento cuja principal meta é gerar novos conhecimentos e/ou corroborar ou refutar algum conhecimento pré-existente (Wikipédia). A Investigação que estou a realizar é também um processo de aprendizagem para mim sobre as minhas práticas educativas no sentido de aperfeiçoar a minha profissionalidade. È com os meus alunos, num ambiente natural que eu me questiono, reflicto sobre o que faço, sobre o que observo no intuito de encontrar respostas que me ajudem a melhorar as minhas práticas pedagógicas e a elevar os padrões de sucesso dos alunos que cada ano me são confiados. O caminho da investigação é árduo, sinuoso, cheio de altos e baixos, mas desafiante.
Na última década tenho dedicado parte do tempo a tentar compreender as implicações do uso de tecnologias no processo de ensino e aprendizagem. As experiências que tenho realizado têm ocorrido sobre a minha acção no seio da sala de aula com os meus alunos. Por isso, pensar nas consequências da minha acção educativa está sempre latente. Se ouço da boca dos alunos agradecimentos e reacções positivas sobre determinadas estratégias pedagógicas, com ou sem tecnologias, é para mim sinal de que estou no caminho certo para chegar às metas desejadas.
A tecnologia, por si só, não provoca qualquer alteração no processo de ensino e aprendizagem, é necessário que o aluno tenha predisposição para a aprendizagem e sinta curiosidade pelo saber e é isso que tento incrementar nos meus alunos. Se a tecnologia me ajudar a conseguir conquistar a atenção dos alunos para que os 90 minutos sejam profícuos então tenho de a aproveitar e usá-la. Os “bons alunos” estão motivados por natureza, mas infelizmente não são esses que temos diariamente à nossa frente.
Quando uma aluna me diz, depois de ter realizado uma actividade de resumo em apenas 140 caracteres para enviar para o Twitter, “assim aprendi a resumir os textos coisa que nunca soube fazer”, o que está aqui em causa não é o uso do telemóvel como suporte de escrita ou o Twitter para publicação do trabalho, mas mais importante do que isso é o acto de aprendizagem que aconteceu por intermédio destes recursos. Para mim as tecnologias são ferramentas que podem apoiar a aprendizagem e é essa ideia que passo aos alunos para que ao longo da vida saibam onde e como procurar informação que depois transformem em conhecimento. Frases como a que esta aluna me disso tenho dezenas delas que me ajudam a entender as consequências da minha acção educativa.

Adelina Moura disse...

(Continuação)
2. Para mim as tecnologias são ferramentas e como tal, já usei aparelhagens Hi-Fi na sala de aula, noutros tempos, em que era preciso carregar quilos de tecnologia para que os alunos pudessem ouvir Edith Piaf e que hoje com apenas um MP4 de 40g e umas colunas de bolso, faço o mesmo ou ainda melhor. São outros tempos!
De facto os jovens de 14 e 15 anos têm culto pela música, mas como é nos seus telemóveis que a ouvem, estes dispositivos tornaram-se o centro das suas vidas, que eu aproveito, através dos podcasts que lhes ofereço, para que ouçam sempre que quiserem a minha voz a ler e a explicar o romance Os Maias ou a analisar poemas de Fernando Pessoa, e devo dizer-lhe que todos os alunos os ouvem, em casa, a caminho da escola, no autocarro, ou mesmo no local de trabalho como acontece com os alunos trabalhadores da noite que têm de conjugar bem o tempo de trabalho e de estudo. Quando um deles me disse que graça ao mp4 que lhe emprestei para as aulas de francês conseguiu uma boa nota no exame de Filosofia, porque aprendeu comigo que podia também ele gravar em áudio os seus apontamentos e ouvi-los enquanto fazias reparações no local de trabalho sem precisar de parar. Isto, são consequências a minha acção com tecnologias. Afinal os nossos jovens também são capazes de ouvir outras coisas para além da música preferida, se nós lhas proporcionarmos.
Quando vejo alunos que iniciaram o ano lectivo com uma competência leitora em língua francesa negativa e que depois de lhes ter dado em formato mp3 todos os textos do manual lidos por mim para eles treinarem em casa a leitura e não dependerem da escassa leitura que se faz na sala de aula, a maior parte das vezes por falta de tempo, e passam a ler correctamente e com vivacidade. Isto é consequência da utilização de tecnologias móveis na educação.

3. As tecnologias são inócuas, o mau uso ou abuso que fazemos delas é que é pernicioso, por isso, é dever da escolar promover competências de literacia tecnológica. Nesta era da mobilidade, faz todo o sentido falar em desenvolver competências de “literacia móvel”.
As tecnologias móveis estarão proibidas enquanto nós não lhes soubermos dar outro uso. Quando descobrirmos que elas nos podem a ajudar a fazer melhor, então certamente deixarão de estar proibidas. Há já, em especial, na Europa, na América do Norte e em países do Pacífico, estudos piloto e experiências sobre m-learning que importa conhecer e reflectir os resultados.
Quando pergunto aos alunos se eles não se distraem nas minhas aulas com o telemóvel eles riem-se e dizem: “Come é que a professora quer que a gente se distraia se estamos a trabalhar com eles!”


4. O futuro eu não o adivinho, mas que vai ser móvel, disso não tenho dúvida. Ninguém nega que o telemóvel está a ser a tecnologia mais rapidamente adoptada em toda a história, A sua quase universalização faz dele a ferramenta de aprendizagem mais apropriada. Todos os meus alunos têm telemóvel.
O que eu faço nas minhas práticas lectivas é e-learning, m-learning e b-learning, paradigmas educacionais que estão a ganhar cada vez mais espaço nos sistemas de formação e educação em virtude da evolução das tecnologias de informação e comunicação e actualmente das tecnologias wireless.

Adelina Moura disse...

(Continuação)
5. Os telemóveis actualmente são também sistemas de armazenamento de dados com grande capacidade. Permitem guardar informação em diversos formatos: mp3, Word, pdf, mpeg, etc. São pequenos computadores de bolso e os nossos alunos já perceberam esse potencial. Quando a capacidade do telemóvel não chega compram cartões de memória podendo expandir a capacidade de armazenamento dos seus dispositivos para mais de 4Gb, mas quando possuem um iPod ou um iPhone então têm mais de 8 Gb para armazenar quase todo o tipo de informação. O que temos de desenvolver neles é o espírito crítico para selecção da enorme quantidade de informação a que acedem. Só temos de aproveitar estas capacidades dos dispositivos e disponibilizar aos alunos informação para que possam aceder a ela onde e quando desejem, respeitando os ritmos e perfis de aprendizagem de cada um. Os nossos alunos são generosos e aceitam naturalmente a invasão dos seus objectos pessoais com conteúdos disciplinares.
Quando crio exercícios de escolha múltipla em formato .jar para serem resolvidos no telemóvel, os alunos agradecem a possibilidade que lhes dou de aprenderem definições, enriquecerem o vocabulário, aprenderem noções gramaticais, etc., etc. nos tempos livres.


6. Como deve compreender é fastidioso escrever um post carregado de referências bibliográficas. Tenho escrito sobre o assunto por isso poderá encontrar essas referências nos meus escritos. Aprendizagens autênticas são aquelas que decorrem de actividades de aprendizagem em contextos reais. Por exemplo, manter uma conversa em francês com um colega nativo, em contexto de projectos de geminação de turmas, através do msn ou por e-mail, ou outro sistema de comunicação. Recolha de dados, com o telemóvel (fotos, vídeos, …) em trabalho de campo. Todo um mundo de aprendizagem a explorar.

Sem me alongar mais digo que a descoberta e a conquista exigem uma atitude perseverante e um estado de espírito aberto aos sinais do mundo. A mudança é o que temos de mais constante neste mundo e a ela temos de nos adaptar.
Fim

Rui Baptista disse...

Errata:

Não sei se estamos na época da caça às gralhas. "In dubio", na 3.ª linha do último § do meu comentário (29/11, 14:08) aparece um acento agudo no "e" da expressão latina "mare magnum".

Erro meu, de que me penitencio e que o meu professor de latim do liceu, não me desculparia.

Rui leprechaun disse...

O ministro da Educação, Luc Chatel, mandou inspectores ao liceu averiguar e castigar os alunos indisciplinados. Quando eles quiseram ter palavra no caso, recusou: 'De modo nenhum, não são os alunos que dão as aulas'.

Deveras espantoso este estúpido autoritarismo serôdio, obviamente inútil e contraproducente. Mas vindo de um país onde até se regulamenta sobre o vestuário e acessórios que os alunos podem trazer para a escola, estas parvoíces ministeriais ou outras que tais não serão de admirar.

Os alunos DÃO as aulas tanto quanto os professores, o processo de ensino-aprendizagem é interactivo e bi-direccional, alguém o ensine a esse Lucas do Castelo!

É certo que nem sei como vai o ensino em França, nesses rankings comparativos que andam na moda, mas duvido muito que ande por lugares cimeiros com "sumidades" deste (baixo) jaez...

Os textos de Tiago Videira e Adelina Moura são absolutamente excelentes, restaria apenas indagar se existirá algum limite etário para o uso pedagógico de telemóveis e afins. Ou melhor, qual o limiar dessa utilização em situações de aprendizagem. Parece-me que ambos falam apenas de adolescentes, logo do 3º ciclo em diante, será?

De resto, nihil obstat! :)

Anónimo disse...

Cara Leprechaun:
E quanto à utilização da pilinha para efeitos pedagógicos (o que era muito frequente no meu tempo) nihil obstat?
Gostaria imenso de saber o que pensa.

Cristina Basílio disse...

Saudações a todos,

Fiquei curiosa e, ao mesmo tempo, satisfeita por o 'Rerum Natura' ter dado início a esta discussão. É, de facto, um assunto que divide intestinamente, os educadores. De um lado, temos aqueles para quem a prática lectiva deve assentar no paradigma da aula magistral,na qual o aluno tem uma intervenção condicionada e não é chamado a orientar o seu próprio processo de aprendizagem. Do outro, os empreendedores, cuja concepção da escola, a relação com o aluno, a sua leitura do mundo, os incitam a dar corpo a uma outra estrutura de aula, não como um espaço de esvaziamento de conteúdos, mas como espaço de construção de sentidos, em momentos individuais de estudo autónomo, em grupo construindo estratégias de resolução de problemas ou desenvolvimento de projectos, ou em colectivo, para auto e heteroavaliação das aprendizagens efectuadas. É natural que as tecnologias educativas entrem como parte do processo de construção de sentidos, quer como veículo de comunicação, quer como plataforma de entendimento geracional.

É necessário, para uma eficaz comunicação entre interlocutores, a ausência de ruído. E é fácil surgirem muitos "ruídos" na sala de aula. Utilizar o telemóvel como instrumento de trabalho ajuda, com toda a certeza, a encará-lo numa perspectiva integradora, de utilização mais abrangente,com um intuito funcional, e não apenas como móbil de entretenimento.

Conheçam-se os softwares de produção de conteúdos mobile e um admirável mundo novo, não menos pedagógico, se abrirá como potencial edificador de aprendizagens,nem todas formais, é certo, mas igualmente enriquecedoras e estruturantes.

A Escola, entendida como elemento edificador do saber, tem que olhar pelos diferentes perfis que a ela acedem. E muitos, por força de diferentes contextos e percursos de vida, não aprendem de forma linear. Esta é uma realidade que não podemos escamotear, sob pena de comprometermos o futuro. O dos alunos e o da Escola.

Professora do ensino particular e investigadora em Ciências da Educação

NOVA ATLÂNTIDA

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