sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Exames e igualdade

No texto Sobre os exames, publicado no De Rerum Natura, o nosso leitor Miguel Galrinho afirma a importância dos exames nacionais como forma de testar as aprendizagens efectivamente conseguidas e garantir a igualdade de oportunidades.

Concordando com a tese - já a tendo defendido neste blogue -, lembro que a estruturação de qualquer prova bem como os critérios para a sua correcção são decididas a partir do grau de dificuldade que pretendemos imprimir-lhe, entre outros aspectos.

Assim sendo, percebe-se que tais decisões devam ser tomadas por entidades especializadas e independentes, de modo que em todo o processo avaliativo não possa ter lugar qualquer influência do poder político-partidário, económico, associativo, da opinião pública ou outro qualquer.

Conscientes desta circunstância, além de devermos continuar a exigir rigor técnico na avaliação de carácter nacional, é importante valorizarmos programas de avaliação internacional - como o Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS) ou o Program for International Student Assessment (PISA) - que, por princípio, são autónomos, dependendo as suas decisões apenas e só da conceptualização que fazem da aprendizagem nas áreas disciplinares em causa, a qual determina o que se deve testar em termos de conhecimentos e competências.

Esta preocupação com a objectividade dos exames que permite a igualdade de oportunidades, está patente no seguinte texto de D. Schwanitz:

“Na Alemanha, as escolas padecem de uma contradição atormentadora: é suposto os alunos aprenderem o mesmo em todo o lado para assegurar que as habilitações escolares – com destaque para as de acesso ao ensino superior – tenham um nível ao menos aproximadamente homogéneo. No entanto, cada estado federal define a sua própria política escolar cujas características dependem respectivamente do partido que o governa (…).

É por isso que existem dois campos antagónicos que são os Estados federais, governados pelo partido social-democrata (SPD), e os regidos pelo partido democrata-cristão (CDU).

A menina dos olhos do SPD é a escola integrada (que reúne todas as variantes do ensino secundário) (…). A intenção subjacente à ideia de escola integrada foi a redução das diferenças entre classes sociais e o aumento das hipóteses de todos ascenderem socialmente devido a uma preparação cultural abrangente a fim de poderem levar uma vida rica e plena. Para além disso, havia a esperança de a escola integrada promover o que era designado por «competência comunicativa», significando uma maior compreensão mútua.

O CDU, pelo contrário, continuou apostado no sistema escolar tripartido com os liceus, as escolas secundárias de ensino médio e as escolas de ensino secundário de base. Hoje em dia já é bastante pacífico afirmarmos que, a avaliar pelos resultados, o CDU ganhou esta disputa: a escola integrada não cumpriu as expectativas geradas em seu redor. Todas as avaliações comparativas dos aproveitamentos escolares demonstraram que os alunos do ensino integrado são mais fracos do que os alunos dos liceus e mesmo do que os alunos das escolas secundárias de ensino médio de escalões comparáveis. E ficou mesmo provado que a inferioridade em termos intelectuais não é compensada por uma superioridade em matéria de competência social. As investigações neste sentido, longe de serem controversas, comprovam sem margem para dúvidas: as escolas integradas apresentam taxas de violência e de criminalidade superiores às das outras escolas, o consumo de drogas está mais disseminado e a falta de escrúpulos é maior, em contrapartida, os aproveitamentos em alemão e matemática são inferiores. E, de um modo geral, o diploma final do liceu, o Abitur, é mais fácil de obter nos Estados que durante muito tempo foram governados pelo SPD do que naqueles estados federais, em que o CDU tem andado a suceder a si próprio na administração pública. Assim sendo, a um finalista de Hamburgo, da Renânia do Norte – Vestefália ou do Hesse é exigido menos do que a um colega seu proveniente da Baviera ou do Bade-Vurtemberga. Apesar disso, o Abitur é reconhecido em toda a Alemanha como habilitação de acesso ao ensino superior, independentemente do Estado em que foi obtido. Isto é duplamente injusto: o finalista bávaro precisa de ter um aproveitamento superior para conseguir a mesma média que o seu colega de Hamburgo (…). Por outro lado, um aluno altamente dotado de Hamburgo não tem a possibilidade de aprender tanto como um aluno bávaro da mesma idade, já que não lhe é exigido tanto. Com as notas inflacionadas (desvalorizadas), também não tem possibilidade de se destacar, ficando assim no mesmo barco com uma quantidade de alunos medíocres (…).

As notas não constituem parâmetros absolutos, mas sim de comparação; tal como o dinheiro, tornam comparável o incomparável (…). No entanto isso foi escamoteado. As notas foram inflacionadas. Foi como com a inflação do dinheiro: toda a gente tinha a carteira recheada de notas de mil, mas não conseguia comprar nada com elas (…). As notas passaram a estar para a escola como as frases feitas estão para a linguagem: deixaram de ter qualquer significado.

Com isto, nas escolas as normas desmoronaram-se. Para os adolescentes que, por natureza tendem para um pensamento fortemente normativo, tal foi um pretexto para desdenharem da sua escola; não podiam identificar-se com uma instituição destas. O desprezo também tomou conta dos professores, os quais foram entregues a um destino terrível.”

Referência da obra citada:
Schwanitz, D. (2004). Cultura: Tudo o que é preciso saber. Lisboa: Dom Quixote.

3 comentários:

Anónimo disse...

Gostava de perguntar à Profª Helena Damião se concorda com a introdução em Portugal de um sistema baseado no modelo alemão em que a selecção/escolha das vias escolares se faz muito cedo em função das notas dos alunos. Como julgo que deve saber existem estudos que demonstram que esta distribuição dos alunos se encontra fortemente dependente da sua origem social.
PJ

Helena Damião disse...

Caro leitor
Agradecendo o seu comentário, refiro o seguinte:
Escolhi o texto pela frontalidade com que aborda a influência política que tende a exerce-se (ou, de facto, se exerce) nos exames com carácter nacional (ou estadual) e nas circunstâncias que os rodeiam.
Porém, como assinalou, o texto levanta, paralelamente, a questão da influência que a condição social tem no percurso escolar, apesar de estar longe de ser a única variável a considerar. A este respeito retomo uma das animadoras conclusões do programa PISA relativas ao nosso país: "a escola pode fazer a diferença". De facto, escolas portuguesas conseguem proporcionar um ensino de qualidade a alunos de todas as condições sociais, esforçando-se, claro está, por garantir a igualdade de oportunidades.
Respondendo directamente à sua pergunta: não concordo que em Portugal a selecção/escolha das vias escolares seja condicionada pela origem social, étnica, económica, religiosa, cultural ou outra em que tentamos agrupar a humanidade. Por princípio, toda a criança, sem qualquer excepção, tem os mesmos direitos em termos de educação.
Quanto à idade de selecção/escolha das vias escolares, apesar de ser um assunto em que tenho pensado, não tenho ideia formada a respeito.

Anónimo disse...

Cara Professora Helena Damião:

Muito obrigado pela sua resposta.
Penso que que este blogue fica muito a ganhar quando se gera uma interacção entre comentadores e autores. Naturalmente que estes últimos terão sempre a liberdade de responder/reagir às questões e comentários que considerem pertinentes.

PJ

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