terça-feira, 5 de maio de 2009

DARWIN, EÇA E COMPANHIA


Informação recebida do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (clique para ver melhor).

Resumo do tema pelo coordenador da tertúlia:

"Quem diria, vendo nos antigos paraísos afogueados, o macaco balançar-se nos grossos troncos da batata gigante, que aquele felpudo e hirsuto personagem seria um dia barão, camarista, bispo e redactor de gazetas?"

Esta pergunta era feita por Eça de Queiroz, no final do século XIX, numa carta a um seu amigo incluída hoje na obra "Correspondência". Eça, quando era estudante na Universidade de Coimbra de 1861 a 1866, colega de Antero de Quental e de outros nomes da famosa geração de 70, deve ter ouvido falar de Darwin e deve até ter discutido o livro "Origem das Espécies", de Charles Darwin, publicado em 1859 que viria a fazer correr rios de tinta. O mesmo Eça foi contemporâneo da morte de Darwin em 1882, depois de ter descrito nas "Cartas de Inglaterra" a exposição de um macaco que, em Londres, não quis saber de Darwin. Próximo do final da sua vida, no conto "Adão e Eva no Paraíso", Eça glosou o tema da origem humana: "Adão, Pai dos Homens, foi criado no dia 28 de Outubro, às duas horas da tarde..." Um dos primeiros receptores de Darwin entre nós é um membro da geração de 70, grande amigo de Eça e de Antero: Jaime Batalha Reis, o agrónomo, mais tarde diplomata, que submeteu em 1866 uma tese doutoral em Lisboa que referia Darwin, uma referência só batida em prioridade pela de Júlio Henriques, professor de Botânica da Universidade de Coimbra. Por outro lado, as ideias evolucionistas influenciaram a obra poética e filosófica de Antero de Quental, autor do célebre soneto intitulado "Evolução": “Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo / tronco ou ramo na incógnita floresta...” Também o historiador Oliveira Martins foi um divulgador das ideias evolucionistas, preferindo focar os aspectos da evolução humana.

Nesse tempo, as tertúlias eram frequentes e a ciência informava a discussão literária e filosófica. Pode até dizer-se que Darwin entrou mais em Portugal por essa via cultural do que pelo lado da ciência pura e dura Hoje em dia, ao invocarmos a geração de 70, que haveria de originar o grupo dos "vencidos da vida", várias questões se oferecem à discussão: Porque é que "a vida venceu" esses jovens que, na sua juventude, tão esperançados estavam da mudança do país, fazendo-o sair de um atraso ancestral? Que papel teve a ciência ou a falta dela nessa derrota, que não é só deles mas afinal de todos nós? Como é que a ciência continua hoje a informar a literatura, a filosofia e, mais em geral, as nossas vidas? Questões para debater no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, no local muito perto do sítio onde Eça conheceu Antero, e por ocasião de uma exposição que nos mostra a recepção de Darwin no mundo, em Portugal e, em particular, na Universidade de Coimbra.

6 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Não concordo mesmo nada com a leitura que faz de Antero de Quental, em especial do poema "Evolução", como se esta palavra fosse sinónimo de darwinismo. Ora, a evolução é mais antiga que Darwin, que, de resto, evitou o termo. Na poesia portuguesa, o conhecimento de Darwin é quase sempre mediado e em segunda-mão, donde resulta a caricatura do macaco, mas mesmo esta pode ter sido trazida pela recepção de Nietzsche. Antero e Darwin não casam, nem no inferno. :)

nuvens de fumo disse...

Em os maias nas “Memórias de um átomo” Ega escreve precisamente sobre a evolução não só das espécies como do universo. Do que eu me lembro. Claro que nunca acabou a sua obra prima….

“…das Nebulosas primitivas: depois vinha embrulhado, faisca candente, na massa de fogo que devia ser mais tarde a Terra: enfim, fazia parte da primeira folha de planta que surgiu da crosta ainda mole do globo. Desde então, viajando nas incessantes transformações da substância, o átomo do Ega entrava na rude estrutura do Orango, pai da humanidade - e mais tarde vivia nos lábios de Platão. Negrejava no burel dos santos, refulgia na espada dos heróis, palpitava no coração dos poetas. Gota de água nos lagos de Galileia, ouvira o falar de Jesus, aos fins da tarde, quando os apóstolos recolhiam as redes; nó de madeira na tribuna da Convenção, sentira o frio da mão de Robespierre. Errara nos vastos anéis de Saturno; e as madrugadas da terra tinham-no orvalhado, pétala resplandecente de um dormente e lânguido lírio. Fora omnipresente, era omnisciente. Achando-se finalmente no bico da pena do Ega, e cansado desta jornada através do Ser, repousava - escrevendo as suas Memórias... Tal era este formidável trabalho - de que os admiradores do Ega, em Coimbra, diziam, pensativos e como esmagados de respeito:
- É uma Bíblia!

António Viriato disse...

Mais do que louvar a Ciência, atitude sempre meritória, ainda mais no reino do relativismo impante presente, importa ver como se regem ou comportam muitos daqueles que passam por ser actuais os arautos do Darwinismo comemorativista.

A maioria deles segue hoje um mero jogo de interesses pessoais ou de grupo, contabilizao arrepio de qualquer atitude ou inclinação científica, contabilizando ganhos ou vantagens pontuais, em cada questão que encontram pela frente.

Mais grave ainda do que a ignorância, é a atitude anti-científica dominante na casta política que nos governa e ameaça continuar a governar.

António Viriato disse...

Corrijo vários erros existentes no anterior comentário.

Mais do que louvar a Ciência, atitude sempre meritória, ainda mais no reino do presente relativismo cultural, impante de soberba e de vaidade, importa ver como se regem ou comportam muitos daqueles que passam por ser os actuais arautos do Darwinismo comemorativista.

A maioria deles segue hoje um mero jogo de interesses pessoais ou de grupo, ao arrepio de qualquer atitude ou inclinação científica, contabilizando ganhos ou vantagens pontuais, em cada questão que encontram pela frente.

Mais grave ainda do que a ignorância, é a atitude anti-científica dominante na casta política que nos governa e ameaça continuar a governar.

Carlos Fiolhais disse...

Caro Francisco Saraiva de Sousa:
A minha referência à influência das ideias evolucionistas na obra poética e filosófica de Antero está correcta. Na sessão terei oportunidade de a desenvolver, o que não faz sentido no resumo.
O distanciamento de Antero das ideias positivistas é demasiado conhecido para que eu o possa desconhecer.
Carlos Fiolhais

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Caro C Fiolhais

Então, estamos de acordo: editei um post sobre a evolução na perspectiva de Antero:

http://cyberdemocracia.blogspot.com/2009/05/antero-de-quental-evolucao.html

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