segunda-feira, 9 de março de 2009

Avaliação forsomativa!?

Muitas pessoas de fora e de dentro da Pedagogia têm denunciado um certo tipo de linguagem muito usada na área da educação — nos documentos legais e curriculares, em artigos, livros, teses que se apresentam como científicas, em manuais escolares, em cartas de responsáveis por políticas e medidas educativas, nos conteúdos do "Magalhães"... — que parece ter sido inventada para não se conseguir chegar a um entendimento mínimo.
Essas denúncias não têm surtido qualquer efeito: a clareza, o rigor e, mesmo, a correcção ortográfica e gramatical são regras sistematicamente ignoradas.

Há uns anos atrás, face à confusão que percebi que os professores faziam da noção de avaliação formativa, resolvi dar uma vista de olhos ao que eles diziam que liam. O resultado, muito abreviado, foi o seguinte:

[1] “A avaliação formativa não se expressa em qualquer índice quantitativo. A avaliação sumativa decorre da avaliação formativa e traduz-se numa escala de 1 a 5.” (Ministério da Educação, 1992, Guia de Reforma do Sistema Educativo: guia para pais e professores, 31).

[2] “A avaliação formativa traduzindo-se normalmente de forma descritiva e qualitativa, pode, em momentos determinados, exprimir-se num índice quantitativo, designadamente no termo de cada período e final de ano lectivo” (Despacho n.º 162/ ME/91 de 23 de Outubro).

[3] “A avaliação formativa traduz-se de forma descritiva e qualitativa, podendo utilizar perfis de aproveitamento ou registos estruturados de avaliação” (Despacho normativo n.º 98-A/92).

[4] “A esta avaliação [formativa] não se atribuem notas (...) pois traduz-se numa informação descritiva e qualificativa (...) que permita ao aluno co-gerir as suas aprendizagens com o professor facilitador” (Alves & Fernandes, 1996, 143-145).

[5] “(...) no final de cada período, com base nos resultados da avaliação formativa realiza-se o balanço da aprendizagem, a avaliação sumativa, (...) atribuindo-se, no caso dos 2.º e 3.º ciclos uma classificação na escala de 1 a 5” (Conceição, 1992, 66).

[6] “A sua notação [da avaliação formativa] é, em princípio, descritiva e qualitativa, mas torna-se quantitativa no final de cada período. A avaliação sumativa, da responsabilidade da escola, passa a realizar-se normalmente apenas no final de cada um dos ciclos do básico e no final do secundário” (Alaiz, 1992, 57).

[7] “Consequentemente a avaliação formativa na sua forma ideal acontecerá ao longo do processo de ensino-aprendizagem e nunca deverá, formalmente, ser usada para classificar e muito menos para decidir a passagem ou reprovação do aluno” (Cortesão, 1993, 12-13).

Pois é, as dúvidas dos professores eram justificadas:

- A avaliação formativa expressa-se de maneira qualitativa e/ou quantitativa?
- Se se expressa quantitativamente, quando é que isso acontece e qual o referencial a ter em conta (uma escala, um índice, perfis de aproveitamento…)?
- A avaliação formativa é dependente e/ou independente da avaliação sumativa?
- Se as duas modalidades de avaliação são interdependentes como se articulam?
.
Voltemos aos extractos dos textos acima apresentados... Poderemos concluir que a avaliação formativa é — ou é em princípio [6]?, ou é formalmente [7]? — descritiva e qualificativa? Não é qualitativa, não serve para atribuir classificações [4]?

Se, normalmente, a avaliação formativa não serve para quantificar, em momentos determinados [2] — esses momentos são o final de cada período e do ano lectivo [2] ou são só o final de cada período? [5, 6]. Pode exprimir-se [2] — ou, exprime-se? [5, 6] — num índice quantitativo [2, 3]?Mas, se não se exprime em qualquer índice quantitativo, como poderá decorrer dela a avaliação sumativa [1]?

Bom, o leitor já percebeu que a principal modalidade de avaliação do ensino básico não podia ser mais confusa. E, exactamente, por se tratar da principal modalidade de avaliação do ensino básico, o seu significado não deveria deixar qualquer margem para dúvidas…

Noto, ainda, que se retomarmos o sentido que B. S. Bloom — um nome muito importante na área de planificação e avaliação do ensino e da aprendizagem — deu à noção de avaliação formativa, constatamos, com apreensão, que esse sentido foi completamente deturpado. Ou seja, recorreu-se a uma noção que tinha um significado preciso e operacional e atribui-se-lhe uma pluralidade de significados imprecisos, de modo que ninguém saiba, com segurança, como avaliar os alunos.

Documentos referidos:
- Alaiz, V. (1992). Descobrir a avaliação. Noesis, n.º 22, 57-58.
- Conceição, J. M. (1992). Ainda sobre o novo sistema de avaliação. Noesis. nº 25, 64-67.
- Cortesão, L. (1993). Avaliação formativa: que desafios?. Lisboa: Asa.
- Despacho n.º 162/ ME/91, de 23 de Outubro.
- Despacho normativo n.º 98-A/92, de 20 de Junho.
- Ministério da Educação (1992). Roteiro da Reforma do Sistema Educativo: guia para pais e professores (1986-1996).

3 comentários:

Anónimo disse...

Já agora, eu, que sou leigo na matéria, gostaria que a eminente Helena Damião explicasse qual, no seu entender, o sentido que o tal Bloom deu à noção de avaliação formativa.

Realmente, à primeira vista e para quem está por fora, os extratos são algo bizantinos. Mas pode ser que tenham alguma lógica interna para quem está por dentro da matéria.

Não parece curial baralhar o tema das confusões do Magalhães com estoutro.

Fartinho da Silva disse...

São as "ciências" da educação pós-modernas e pagas com o dinheiro, cada vez mais escasso, do contribuinte!

Helena Damião disse...

Tem razão, caro “Anónimo”, em solicitar informação adicional acerca do modelo de avaliação das aprendizagens de B.S.Bloom. Tão pouco se fala nele que admito ser desconhecido mesmo entre as novas gerações de professores e doutros profissionais com funções educativas. E é desconhecido, não pelo facto de se ter relevado desadequado, mas em virtude da influência que correntes pós-modernas extremas têm tido nas decisões das políticas e medidas educativas, como, aliás, refere o leitor "Fartinho da Silva".

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