domingo, 15 de fevereiro de 2009

Superstições


A propósito da passada sexta-feira, dia 13, a Lusa fez-me algumas perguntas sobre superstições:

P- Como é que, sendo um cientista, lida com as superstições e como vê as superstições à luz da ciência?

R- Não sou supersticioso. Não ligo nada às sextas-feiras treze. Não vejo qual é o pé com que entro em qualquer sítio. Passo calmamente debaixo das escadas. Não me impressionam nem os espelhos partidos nem os gatos pretos. Essas e muitas outras superstições não têm qualquer fundamento. As superstições são precisamente crenças irracionais, portanto sem fundamento comprovado, na existência de relações entre certas causas e certos efeitos. Se fossem racionais deixariam de ser superstições. Os cientistas não as levam a sério e aconselham a que ninguém leve isso a sério. Por vezes brincam com isso. Conta-se uma história do grande físico Niels Bohr de que uma ferradura atrás da porta trazia sorte: quando lhe perguntaram como é que um cientista podia acreditar nisso, ele terá respondido "Eu não acredito, mas disseram-me que dá sorte mesmo a quem não acredite". Dito isto, é claro que a ciência estuda as superstições, mas não se trata das ciências físicas ou biológicas, mas da psicologia, da sociologia, da antropologia e da etnologia. Os cientistas dessas áreas tentam compreender porque é que os humanos têm crenças irracionais. Parece que há uma tendência do nosso cérebro para acreditar no "sobrenatural", isto é, o sobrenatural parece ser natural em nós. Desde tempos imemoriais que o homem vê figuras no céu (este ano, lembro, é o Ano Internacional da Astronomia) e lhe atribui não só significados como influências nas nossas vidas... Já o filósofo escocês David Hume dizia no século XVIII que "vemos caras na Lua e exércitos nas nuvens", quando não estão lá nem caras nem exércitos nenhuns... Há interpretações recentes baseadas em ideias de Darwin segundo as quais os portadores de certas crenças teriam triunfado por elas lhes terem trazido vantagens competitivas. Mas isso é muito discutível...

P - Considera que à evolução da ciência em Portugal verificada nos últimos anos corresponde um descrédito geral nas superstições?

R- Receio bem que a evolução da ciência em Portugal não corresponda a um decréscimo das superstições, que estão muito, muito entranhadas. Ainda recentemente, um inquérito da Marktest informava que só 30 por cento dos inquiridos afirmavam não ter nenhuma superstição associada ao Réveillon, como comer 12 passas nos segundos finais do ano. Dizem que dá sorte. Esta superstição das passas, como tantas outras, se é certo que não beneficia também não prejudica ninguém, é absolutamente inofensiva. Não se passa nada de especial depois das passas. É agradável e nem é uma crença cara... Acho que é um esforço inútil tentar contrariá-la. De facto, constitui um paradoxo dos tempos modernos que uma sociedade cada vez mais dependente da ciência, portanto uma sociedade cujo desenvolvimento se deve ao uso da razão, tenha fortes índices de crenças em superstições. O sobrenatural é não só natural como muito natural e julgo que não se poderá fazer muito em contrário. Tem é de fazer qualquer coisa quando há gente a enganar os outros abusando da sua crendice, tirando muitas vezes indevidamente proventos próprios, isto é, tirando proventos impróprios. É o caso, por exemplo, da astrologia, da numerologia e quejandos, que podem ser verdadeiras burlas, verdadeiros casos de polícia. A cultura científica é uma grande ajuda para não ser enganado: pode evitar que nos tirem dinheiro do bolso.

P- Como reage quando ouve alguém apresentar como certo um mito supersticioso a que não corresponde uma verdade científica: elucida, deixa passar (ri-se para si), tenta ultrapassar, mas fica a roer-se por dentro?

R- Depende de quem é "alguém". Se vir uma pessoa que possa ganhar em ser elucidada, posso procurar elucidar. Por exemplo, além dos mitos populares há muitos mitos urbanos, que uma pessoa razoavelmente informada percebe que não fazem sentido nenhum, mas nos quais muita gente acredita. Posso brincar com o assunto, embora não tão bem como na anedota do Bohr. Muitas vezes, porém, trata-se de uma pura perda de tempo e é isso mesmo, deixo passar, nem sequer me rio para mim. Tanta coisa que deixo passar... As passas deixo passar. É uma questão de bom senso, não se pode ir a todas senão não se faz mais nada na vida. De qualquer modo, alimento com colegas e amigos o blogue o "De Rerum Natura" na qual apontamos por vezes o dedo ao disparate supersticioso e tentamos dissecar o fenómeno. Roer por dentro é que não faço, acho que sou duro de roer e, quando tenho de roer, roo sempre por fora.

3 comentários:

Xico disse...

A única coisa que esta entrevista me suscita é que se trata de uma abordagem muito pouco científica ao fenómeno da superstição.
Por exemplo, passar por baixo de uma escada, aumenta em muito a probabilidade de alguma coisa me cair em cima, daí o azar, então se nela estiver uma mulher com um par de belas pernas...
Desde a antiguidade que os judeus ensinam a lavagem de mãos antes de uma refeição e isso era tido como superstição. Todos sabemos o benefício de tal prática.
A superstição pode muito bem ser uma prática racional, aceite irracionalmente. Julgo que essa deverá ser a atitude científica.
Xico

Anónimo disse...

Os criacionistas perguntam-se como é que os evolucionistas têm crenças tão irracionais.

Eles acreditam que o nada deu lugar a algo que explodiu e criou tudo, de forma irracional, sem qualquer evidência empírica de que isso foi realmente assim.

Eles acreditam que as galáxias, as estrelas, o sistema solar, a Terra e a Lua surgiram e evoluiram de forma irracional, apesar de toda a evidência apontar para a sintonia do Universo para a vida e para existência de leis naturais passíveis de compreensão e formulação racional.

Eles acreditam que a vida surgiu de forma irracional, apesar de não terem qualquer evidência nesse sentido, e de a vida depender de informação codificada e de esta ser a evidência, por excelência, de inteligência e de racionalidade.

Eles acreditam que as espécies se desenvolveram de forma irracional, do simples para o complexo, apesar de não existir evidência biológica ou genética de que as mutações e a selecção natural conseguem que uma espécie menos complexa se transforme noutra mais complexa e totalmente diferente.

Eles acreditam que o ser humano, com todos os sistemas complexos e funcionais que o integram, evoluiu de forma irracional, apesar de o funcionamento desses sistemas estar precisamente codificado no núcleo das células, com informação mais complexa e densa do que tudo o que a humanidade consegue abarcar.Pelos visto, o acaso dos evolucionistas é especialista em pensamento sistemático.


Eles acreditam que a nossa razão não é mais do que o produto de reacções químicas aleatórias, sem que se possa, em bom rigor, falar da existência de razão. Dessa forma comprometem a própria racionalidade das suas teorias.

Na verdade, não existe nada mais irracional do que a crença na evolução cósmica, química e biológica. Ela é a irracionalidade levada ao seu máximo absurdo.

Os criacionistas bíblicos, pelo contrário, acreditam que um Deus racional criou o mundo de forma racional, dotando-o de uma estrutura racional, para ser compreendido de forma racional por seres racionais, porque criados à imagem e semelhança de um Criador racional.

A racionalidade do criador evidencia-se nas leis naturais, na sintonia do Universo para a vida e na existência de informação codificada nos genomas.

Em termos de racionalidade, pode afirmar-se, com absoluta certeza, de que não existe nada mais racional do que o criacionismo bíblico.

Pedro disse...

"Eles acreditam que o nada deu lugar a algo que explodiu e criou tudo, de forma irracional, sem qualquer evidência empírica de que isso foi realmente assim."

A sério? Nunca vi. É fácil argumentar quando se inventa as posições dos outros.

Direitos e dever(es)

Texto gentilmente oferecido por Carlos Fernandes Maia, professor de Ética.   O tema dos direitos e deveres desperta uma série de interrogaçõ...