quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A actividade física e o sistema cardiovascular


Novo post do nosso habitual colaborador Rui Baptista:

“Eu não tenho o meu corpo, eu sou o meu corpo" Gabriel Marcel (1889-1973)

Num tempo em que estatísticas recentes apontam para o facto de as doenças cardiovasculares e cerebrovasculares serem responsáveis pela morte anual de 40.000 pessoas em Portugal e 7,5 milhões a nível planetário, comemorou-se, no passado domingo, dia 28 de Abril, o "Dia Mundial do Coração”. Assim, pareceu-me apropriado recuperar uma conferência que fiz, "in illo tempore" (1971), na Sociedade de Estudos de Moçambique, com o título "Educação Física ao Serviço da Saúde Pública". Passo a transcrever a parte que se reporta ao título em epígrafe:

“A Educação Física baseia-se no uso correcto do exercício seguido de períodos de repouso, sendo aquele a aplicação de um estímulo que fomenta o desenvolvimento, ou, segundo W. Roux, uma excitação funcional. São prejudiciais ao desenvolvimento físico a carência de estímulos ou a sobreexcitação que são combatidas, respectivamente, pelo exercício e por períodos de repouso. Um organismo que não é solicitado é facilmente vítima de cansaço e sucumbe até a esforços pouco intensos da vida diária do cidadão avesso à prática gimnodesportiva.

Todavia, por outro lado, o treino excessivo, quando desacompanhado do conveniente repouso e/ou de uma alimentação equilibrada, conduz dramaticamente ao esgotamento ou mesmo a desenlaces fatais. E se estes princípios devem ser valorizados na exercitação do músculo esquelético, eles assumem idêntico ou até maior relevo quando aplicado ao músculo cardíaco. O coração, ainda que só em simples actividades diárias não muito esforçadas, como subir escadas ou correr para apanhar o autocarro, é considerado uma peça de indiscutível importância no funcionamento e rendimento do complexo maquinismo que é o corpo humano. A necessidade de uma irrigação sanguínea acelerada (traduzida por um aumento do número de pulsações/ minuto) e em maior caudal (por um acréscimo do volume sistólico) por parte massa muscular submetida ao exercício físico conduz ao fortalecimento das paredes musculares do coração (miocárdio) que passará a actuar como uma bomba aspirante-premente com rendimento melhorado. Claro que quanto maiores e mais numerosos forem os grupos musculares solicitados pelo exercício físico melhores serão os benefícios obtidos, aparecendo, assim, a corrida e o levantamento de pesos [hoje chamada musculação] entre as actividades prioritárias.

Fortalecendo o coração, através de exercícios gímnicos ou da prática desportiva, actua-se preventivamente no campo de uma doença que mais vítimas causa e que tem uma maior incidência no mundo civilizado pelo sedentarismo que a caracteriza. Refiro-me, como é fácil supor, às doenças cardiovasculares, nas inúmeras formas de que se revestem: enfarte do miocárdio, angina pectoris, arteriosclerose, etc. Cristian Barnard, famoso cardiologista que deixou o seu nome ligado ao primeiro transplante cardíaco humano, incrimina o excesso de peso, a falta de exercício e o stress, como factores de elevado risco no aparecimento de cardiopatias e patologias circulatórias e respiratórias a elas associadas. A este propósito, o governo sul-africano para prevenção dos acidentes rodoviários mandou colocar nas estradas sugestivos painéis com este aviso: Cuidado. Barnard está à espera do seu coração.

Na revista ‘Vida Mundial’, de 26 de Maio de 1971, sob o título ‘Os perigos do coração’, é feita referência a uma afirmação de Rudolf Virchow (1821-1902), a quem é atribuída a paternidade da Medicina Social: A história das epidemias é a história dos distúrbios da cultura humana. E prossegue o referido estudo: As doenças do coração, na multiplicidade das suas manifestações, preenchem o quadro epidemiológico da sociedade avançada e industrializada.

Portugal não podia deixar de sentir a ameaça do avanço insidioso deste tipo de doenças. Assim, em 7 de Abril desse ano, ‘Dia Mundial da Saúde’, o Dr. Armando Sampaio, director do Gabinete de Estudo e Planeamento do Ministério da Saúde e Assistência, leu a seguinte mensagem televisionada:

O seu coração é a sua saúde – eis um tema que deve ser profundamente meditado por todos aqueles que desejam para si e para a sua família longos anos de uma vida saudável. Para ser atingida esta finalidade, a prática regular do exercício físico deve ser adequado à idade de cada um, sendo fundamental no combate à vida sedentária e simultaneamente desgastante pela tensão psíquica permanentemente imposta pela forma de viver dos nossos dias. Há que encorajar os jovens para o exercício físico regular para contrabalançar as horas em que eles ficam sentados na escola ou defronte dos aparelhos de televisão.

[Nesse tempo, os computadores pertenciam a um futuro distante que em muito veio contribuir para aumentar o sedentarismo juvenil; estatísticas destes dias dizem-nos que o tempo passado a dedilhar o teclado dos computadores já superioriza as horas passadas frente à televisão, isto mesmo antes da distribuição massiva dos “Magalhães” a jovens escolares do ensino básico].

Os malefícios do sedentarismo mereceram de Leonardo da Vinci (1452-1520), tido como o mais versátil génio da Renascença, a seguinte analogia: O corpo humano é como uma navalha de barba, se não for utilizada enferruja. Só passados séculos do falecimento deste sábio e inventor, grande mestre da pintura e da escultura - como escreveu um dos seus biógrafos, citado num livro de Edward McCurdy, de 1904, o seu espírito nunca descansava, o seu cérebro estava sempre a inventar coisas novas -, as práticas físicas voltaram a ser encaradas como necessárias ao não ‘enferrujamento’ do corpo humano e, desta forma, creditadas como promotoras de uma vida saudável. E tanto assim é que nos meus tempos de rapaz, apesar de o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) ter defendido que sem exercício físico quotidiano apropriado é impossível mantermo-nos de boa saúde, ainda se sentava no banco dos réus a prática desportiva com a acusação de ser responsável pelo aparecimento em larga escala da tuberculose pulmonar que dizimava muitas vidas humanas, ilibando, com isso, as noitadas de farra, uma deficiente alimentação e, até mesmo, o seu principal responsável: o bacilo de Koch.

Por outro lado, no desconhecimento dos “segredos” da medicina desportiva, mais é confundido, por vezes, a silhueta do miocárdio hipertrofiado do desportista com o coração dilatado por factores patológicos, situação que levou a um diagnóstico errado na pessoa de um atleta exuberante de saúde cardíaca”.

7 comentários:

JSA disse...

Não sei se é boa ideia recuperar um texto com mais de 30 anos sobre este assunto. Sem dúvida que é cada vez mais actual falar de exercício físico e parecem não surgir dúvidas sobre o seu benefício na redução de doenças cardio-vasculares, mas a investigação mais recente, segundo me tenho apercebido (a minha área não é a medicina) começa a apontar para uma cada vez maior importância da actividade bacterial no surgimento destas doenças. E estes dados devem sempre ser levados em conta.

Claro que o exercício físico também melhora a resposta imunitária do sistema, o que significa que também dessa forma contribui para a redução de actividade bacterial e, consequentemente, para a redução da influência desta nos problemas cardíacos.

Em todo o caso, confesso que não posso ser mais adepto do exercício físico. Sou um autêntico junkie, viciado em endorfinas e pratico desporto (ou exercito-me fisicamente) duas a cinco vezes por semana. E isso ajuda-me a aguentar o ritmo de vida que tenho, que implica uma média de horas de sono na casa das seis (descanso melhor). E em termos de saúde, raramente me sinto melhor do que quando pratico desporto regularmente.

Rui Baptista disse...

Prezado JSA:

Obrigado pela sua chamada de atenção para o estudo recente da acção das bactérias chlamidia pneumoniae e mycoplama pneumoniae no que respeita às placas de gordura vasculares. Aliás, de há muito é conhecida a acção bacteriana nas endocardites e na sua acção sobre nefasta sobre as válvulas cardíacas.

Todavia, se reparar (e reparou com certeza) o título do meu post não deixava lugar a dúvidas: “A actividade física e o sistemacardiovascular”, “tout court”.

Quanto à “velhice” do meu artigo - não tão antigo que apresente galões para fazer parte da história da actividade física ao longo dos séculos -, a ela se faz referência inicial com o “in illo tempore”. Embora me tivesse referido a Leonardo da Vinci e a Arthur Schopennauer, a intenção do post foi chamar a atenção, essencialmente, entre a semelhança dos avisos que então se faziam sobre a importância preventiva (e hoje, até terapêutica) do exercicio físico em certas patologias cardíacas que não tivessem uma predisposição herdada.

E essa chamada de atenção (que não foge dos cânones hoje utilizados) não era assim tão desnecessária quando, nessa altura, se assistia a diagnósticos médicos como o referido no final do meu post.

Sempre esperei que fosse detectada, essencialmente, a não indicação do tabagismo entre os factores de risco. Factor de risco que, em nossos dias, envolvem campanhas a nível mundial que chamam a atenção do cigarro numa série de doenças, para além do cancro do pulmão, de difícil enumeração. A que nesse tempo se não dava qualquer realce como factor de risco de saúde pública surgindo até como uma manifestação de estatuto social, em função das marcas de cigarro que se fumavam.

Para terminar, congratulo-me com o facto de a prática do exercício físico regular nos irmanar: a si, pelo que depreendo, através da corrida; a mim pela prática dos pesos e halteres de que fui campeão na minha juventude e que hoje continuo a praticar, religiosamente, três vezes por semana, sob a forma de musculação, apesar dos meus 77 anos de idade.

Rui Baptista disse...

Por terem sido escritas de cor, o nome das bactérias referenciadas no princípio do meu comentário, obrigo-me às devidas correcções: Chlamydia pneumoniae e mycoplasma
pneumoniae.

JSA disse...

Caro Rui,

tenho perfeita noção do enquadramento, quis apenas chamar a atenção - não a si que tinha a certeza de o saber - mas de outros leitores acerca desses estudos mais recentes (e, claro, o Rui acabou por completar a informação, como eu já esperava).

Quanto ao tabagismo, por este efeito estar já tão entranhado no meu pensamento, não me lembrei de o referir.

A minha actividade desportiva passa apenas parcialmente pela corrida. Pratico basquetebol de competição e frequento um ginásio (onde faço essencialmente bicicleta e exercícios de musculação), pelo que a corrida está presente, mas não apenas por si só (até porque, confesso, me enfada).

Rui Baptista disse...

Caro JSA:

Obrigado pelo seu novo,amável e esclarecedor comentário, sobre as motivações do seu 1.º comentário, com a vantagem, também, de chamar a atenção para o facto de sermos ambos, pela dependência que o exercício físico continuado nos traz, salutarmente, "endorfirnómanos" (sem querer, julgo ter criado aqui um neologismo!

Um abraço

Anónimo disse...

nossa que trem mais grande

luana disse...

para k tudo isso podia ser mais pequeno

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