segunda-feira, 29 de setembro de 2008

SAGAN E O PÊNDULO DE FOUCAULT

Na sequência do meu texto, com João Fonseca, sobre o pêndulo de Foucault:

Carl Sagan, no seu romance de ficção científica "Contacto", faz uma referência curiosa ao pêndulo de Foucault. O contexto em que se situa a referida referência é o seguinte: a directora dum grande observatório astronómico, projectado para procurar inteligência extraterrestre, trava uma calorosa discussão com um clérigo fanático, após ter sido detectado um sinal vindo da estrela Vega. O tema da discussão é "Ciência e Religião". A directora do Observatório considera a religião algo de muito perigoso e o padre pensa o mesmo da ciência. A esta altura, a directora usa o pêndulo de Foucault para argumentar contra o padre. Este afirma:

"A minha fé é tão forte que não preciso de provas, mas, sempre que surge um facto novo, ele confirma simplesmente a minha fé."

Responde a directora:

"(...) Ofende-me a ideia de que estamos a travar uma espécie de campeonato de fé e o senhor é o vencedor fácil. Tanto quanto eu saiba, nunca pôs a sua fé à prova. Está disposto a pôr a sua vida em jogo pela sua fé? Eu estou disposto a fazê-lo pela minha. Olhe, espreite por aquela janela. está ali um grande pêndulo de Foucault. O pêndulo propriamente dito deve pesar mais de 220 kg. A minha fé diz que a amplitude de um pêndulo livre - até que distância se afastará da sua posição vertical - nunca pode aumentar. Só pode diminuir. Estou disposta a ir lá fora, colocar o pêndulo defronte do meu nariz, largá-lo, deixá-lo afastar-se e voltar de novo na minha direcção. Se as minhas convicções estão erradas, levarei com um pêndulo de mais de 220 kg em cheio na cara. Então, quer pôr a minha fé à prova?"

5 comentários:

B. disse...

Prezados Srs.

Sou um visitante assíduo do vosso blog e leio com enorme prazer diversos dos vossos posts. Aliás, considero-os mesmo extremamente instrutivos e necessários num país onde proliferaram os poetas e escritores mas que nunca se destacou por cientistas.

Existe, todavia, uma querela a que voltam tão constantemente como um relógio que consiste na luta entre ciência e religião. Não páram de apresentar provas da superioridade da ciência em relação à religião e da ineptidão da religião para fazer ciência.

Com todo o devido respeito - que é enorme - creio que laboram em erro e que esta querela não faz justiça ao nível de elevação intelectual deste blog.

A querela ciência-religião data da época do Iluminismo e enquadra-se numa tentativa francófona de atingir a Igreja Católica no seu âmago e de a afastar da esfera da vida pública. Como todas as ofensivas, apenas vê um lado do problema e acaba por ser vítima da sua própria violência por via de um efeito de ricochete. Senão vejamos.

Em primeiro lugar, essa sua querela ciência-religião olvida um elemento fundamental: algumas das principais inovações científicas foram realizadas em mosteiros e a história tem-nos presentedo com inúmeros matemáticos, físicos e biólogos que eram igualmente monges (que são, por definição, homens que dedicam a sua vida à contemplação religiosa - http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Christian_thinkers_in_science). Daí advém que ciência não é incompatível com fé religiosa.

Em segundo lugar, você critica inumeras vezes a tentação da religião fazer ciência. Concordo inteiramente consigo pois sempre achei que cada macaco deve permanecer no seu galho e um ramo do conhecimento não deve intrometer-se nos demais ramos. Ninguém no seu perfeito juizo leva todavia hoje em dia a sério as histórias de Adao e Eva e do grande diluvio. Todavia, a sua insistência leva-o a cometer dois erros. Em primeiro lugar, a religião desde há muito que deixou de fazer ciência. Nunca ouviu concerteza a Igreja Catolica a mandar bitaites sobre os avanços científicos a não ser para erguer considerações sobre as suas implicações éticas (coisa que está no seu pleno direito de fazer). Em segundo lugar - e é nisto que penso que é o seu maior erro - você parece querer fazer da ciência religião! Todos os seus posts parecem querer transformar o seu conhecimento do mundo natural e físico numa crença de cariz religiosa e tentar a partir daí retirar validade à religião. Este ultimo ponto merece maior desenvolvimento.

A história tem inumeros exemplos de situações em que os homems de ciência procuraram fazer religiao e todos eles deram mau resultado. Veja o caso dos "Mestres da Suspeita" - Feuerbach, Freud e Marx - cujas teorias hoje em dia são completamente desacreditadas. As teses e o pensamento destes homens foi incrivelmente inovador para o seu tempo e o seu contributo para a história universal é inegavel. Todavia, o erro que estes homens cometeram consistiu em tentarem construir a partir dos seus estudos um sistema de crenças (que é, por definião, a religião) que foi altamente falível. Foi esse mesmo sistema que permitiu aliás barbaridades em termos de direitos humanos, como genocídios de raças geneticamente inferiores (não esquecer que a ciência mais avançada da altura considerava pessoas de certas crenças religiosas como proto-humanos) ou eugenia dentro do mesmo povo. Nestes termos, a ciência entrou no mesmo erro da religião: a religião tentou fazer ciência e falhou, pois a sua vocação natural é a contemplação de Deus e a ordenação das condutas humanas; a ciência tentou fazer religião e falhou, pois a sua vocação natural é o estudo do mundo e não a ordenação das condutas humanas ou a exploração do mistério de Deus.

Esta polémica já se encontra largamente ultrapassada na Alemanha (basta ler os livros de Habermas sobre religião e ciencia) mas a influência Iluminista (que já está ultrapassada) sobre o pensamento português mantém-se com laivos de atavismo. Há que a eliminar completamente e aceitar que cada ramo do conhecimento é necessário e que cada ramo deve aprender com o outro mas nunca se tentar substituir ao outro.

De resto, permaneça com o seu blog (cua leitura me dá inúmero prazer) mas, por favor, respeite os outros como quer que o respeitem a si.

Osame Kinouchi disse...

O filme "Contato" é melhor que o livro...

Prezados, o que o pessoal do secularismo 2.0 precisa deixar claro é como evitar que o secularismo humanista se torne apenas a Igreja Positivista do século XXI. Ou seja, em que o secularismo 2.0 difere realmente das idéias de Auguste Conte.

Ver aqui para a igreja positivista:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Religião_da_Humanidade

E aqui para a igrejinha humanista:

https://secularhumanism.myshopify.com

Carlos Fiolhais disse...

Não sei bem a quem é que o leitor b. se refere pois os autores deste blogue são pessoas diferentes com opiniões diferentes, por vezes muito diferentes. De qualquer modo, sendo leitor habitual, já poderia saber que não respondo a comentadores anónimos.

Carlos Fiolhais

Osame Kinouchi disse...

Prezado Carlos, acho que B. não é anonimo (basta clicar no link blogger dele:

http://repubblicafiorentina.blogspot.com/

Fico esperando a resposta sobre a diferença entre o Secularismo 2.0 e o Positivismo 1.0... (rs)

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Valha-me! São Martinho da Villa. Convenhamos, assim diria Gilberto Gil: andar com fé eu vô, a fé nem costuma faia.

A panaceia da educação ou uma jornada em loop?

Novo texto de Cátia Delgado, na continuação de dois anteriores ( aqui e aqui ), O grafismo e os tons da imagem ao lado, a que facilmente at...