sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Medição ou Utopia


Foi Lord Kelvin quem disse "When you can measure what you are speaking about, and express it in numbers, you know something about it; but when you cannot measure it, when you cannot express it in numbers, your knowledge of it is of a meager and unsatisfactory kind". Mas o que é medir? Transcrevemos, com os devidos agradecimentos, o texto de Carlos de Sousa (do Centro de Apoio Tecnológico à Indústria Metalomecânica) e Maria Teresa Restivo (da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto) sobre a medição publicado na Revista Electrónica de Estudos sobre a Utopia, n.º 4 (2005).

"Those to whom the king had entrusted me, observing how ill I was clad, ordered a tailor to come next morning, and take measure for a suit of clothes. This operator did his office after a different manner from those of his trade in Europe. He first took my altitude by a quadrant, and then, with a rule and compasses, described the dimensions and outlines of my whole body, all which he entered upon paper; and in six days brought my clothes very ill made, and quite out of shape, by happening to mistake a figure in the calculation. But my comfort was, that I observed such accidents very frequent, and little regarded."

Jonathan Swift, Gulliver's Travels - Part III: A Voyage to Laputa

Medir um homem desmesuradamente grande como é Gulliver entre os Liliputianos implica alterar o hábito de classificar uma dimensão humana à escala de quem mede. A altura desse humano anormalmente alto poderá passar a chamar-se altitude. Já não se recorre à tradicional fita métrica, mas sim a instrumentos de localização geográfica.

Se Gulliver descrevesse hoje estas medições, quem sabe se falaria da utilização de um sistema GPS? Por outro lado, medir algo de cujo valor temos uma ideia preconcebida levará a que consideremos mais facilmente o valor que esperamos em vez do realmente medido.

Será então oportuno questionar – e de acordo com o Vocabulário Internacional de Metrologia, (VIM, 1996): O que é a medição? Medir, o que é? Será obter um valor tão exacto quanto possível? Mas o que é “exacto”? E o que é o “possível”?

Para medir são necessários três intervenientes:
• O objecto a medir;
• O instrumento de medição (ou vários);
• O operador (que além de medir vai também calcular).

Ao efectuar uma medição há o recurso a uma experiência prévia, tanto quanto à destreza que o equipamento de medição exige, como aos valores esperados (ordem de grandeza) e às unidades utilizadas (quilómetros, metros, milímetros, micrómetros…).

Mas, além do objecto a medir, há que considerar o instrumento de medição. Ora, o instrumento de medição é, por definição, algo frágil, sujeito a alterações devidas a condições do ambiente e dependente de uma avaliação que teria já sido feita por outro instrumento – o padrão – e esse instrumento é muito caprichoso! Parece dar resultados mais ou menos aceitáveis em função da sua “simpatia” para com o operador. É assim que acontece: o instrumento e o operador estabelecem uma relação de cumplicidade, podendo induzir um resultado função dessa relação.

Temos, portanto, vários binómios:
• Primeiro binómio: “instrumento – operador”;
• Segundo binómio: “objecto – instrumento”;
• Terceiro binómio: “operador – objecto”.

Se juntarmos tudo, mais as condições ambientais, mais os cálculos, então teremos um polinómio bastante complexo!

Quando se obtém o resultado de uma medição, sabemos que o que obtivemos é somente uma estimativa, eventualmente passível de correcção, com um valor centrado num domínio de incerteza (GUM, 1995)! Mas será sempre assim? Não, por vezes é pior!

Por vezes (muito frequentemente) temos um valor e não sabemos a incerteza, o que significa que o valor medido tem pouco significado porque nem sequer sabemos se esse valor está de facto a representar uma boa estimativa.

Pior ainda, muitos notáveis cientistas só conhecem a incerteza de O princípio da incerteza da trilogia de Agustina de Bessa Luís, do filme de Manuel de Oliveira ou da peça de teatro Copenhagen. Podemos considerar que o resultado de uma medição nos dá um indicador de posição – o valor central, geralmente uma média aritmética – e um indicador de distribuição, de variabilidade ou de incerteza – geralmente um desvio padrão. Um desvio padrão não, vários! Como se um já não chegasse...

Por outro lado, uma medição raramente nos leva ao resultado imediato; o que é mais corrente é haver necessidade de utilizar os dados (a que chamaremos dados de entrada) para efectuar cálculos que nos levarão ao resultado que melhor representa a mensuranda – grandeza particular submetida à medição. Isto configura aquilo a que chamamos medição indirecta.

Revendo o que falámos, temos mensurandas, objectos a medir, instrumentos a que se recorre para obter a medição, operadores, grandezas de influência (por exemplo, condições ambientais), correcções, cálculos, etc.

Por certo que o leitor já sentiu que não são necessárias grandes lucubrações matemáticas para desorientar quem se preocupa com a medição: a própria linguagem utilizada na medição pode desorientar qualquer um (incerteza, mensuranda, medida e medição, método de medição e procedimento de medição, padrão, grandezas de influência, …).

Notará o leitor que, até agora, não se falou de erros! À partida deveria ser o termo com que se deveria começar a falar da medição, pois “medir é errar” (RESTIVO & SOUSA, 2003). Mas falar de erros ou de correcções é a mesma coisa.

A correcção é, por definição, o simétrico do erro. E o erro o que é? É uma diferença algébrica entre um valor obtido por medição e o valor representado por um padrão, padrão esse já com um determinado erro e com uma incerteza associada…!

Se entrarmos aqui com o conceito termodinâmico de entropia, que por palavras simples se poderá dizer que é a tendência que todos os sistemas têm para se encaminharem para o caos, diremos que tantas contribuições convergem para a medição que, inevitavelmente, encaminham essa medição para a entropia!

Mas será que o “caos” e a “ordem” são assim tão diferentes? Será que o caos levado ao limite encaminha para a perfeita ordem? E será que o bom resultado de uma medição e o erro também são antagónicos?

No que respeita ao erro, ele parece ser fundamental para que possamos acreditar no resultado de uma medição – que sabemos já não ser um valor único mas sim um intervalo –, sendo este intervalo tanto maior quanto maior for a incerteza; sabemos também que esta incerteza será tanto maior quantas mais componentes tiver: do objecto a medir, do instrumento de medição, do operador, das condições ambientais, do próprio Murphy…!

É claro que se introduzirmos aqui o Senhor Murphy – o supra-cínico – a utopia para que nos encaminhávamos é imediatamente atingida e fica-nos a pergunta: poderemos medir sem utopia? Ou será que a resposta é: A medição perfeita é pura utopia?

Referências:

- GUM - Guide to the expression of uncertainty in measurement, BIPM, IEC, IFCC, ISO, IUPAC, IUPAP, OIML, 1995.

- RESTIVO, Maria Teresa & Carlos Sousa (2003), “Medir é Errar. Na Indústria, nos Laboratórios de Ensino e de I&D”, Reflectir Bolonha: Reformar o Ensino Superior. Um arquivo documental sobre a construção do Espaço Europeu de Ensino Superior, Edição Universidade do Porto.

- SWIFT, Jonathan, Travels into Several Remote Nations of the World by Captain Lemuel Gulliver, http://www.jaffebros.com/lee/gulliver/

- VIM - Vocabulário Internacional de Metrologia. Termos Fundamentais e Gerais, 2.ª edição, Instituto Português da Qualidade, Junho 1996.

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