quarta-feira, 11 de junho de 2008

O prestígio perdido dos professores


Novo post sobre o nosso ensino de Rui Baptista (na foto, imagem de "Teacher's pet", com Doris Day):

“Perdemos com a revolução e a contra-revolução.(…) Perdemos também

com três décadas de facilidade e demagogia.”

António Barreto

Um estudo de João Ruivo, citado no “Público”, em 6 de Junho de 2008, alerta-nos para o facto de quase metade dos professores não voltarem a escolher esta profissão pela falta de prestígio e reconhecimento social. Passa novamente a merecer honras académicas um fenómeno social que desde há muito corre nas bocas do mundo e de que importa procurar razões.

Isto porque um outro estudo de Braga da Cruz (publicado em 1990) já nos tinha dado conta do facto dos professores do ensino primário, em reconhecimento público, ocuparem a 8.ª posição e o professor do ensino secundário a 14.ª, entre 20 profissões estudadas. Reminiscências do tempo em que o médico, o padre e os então chamados professores primários eram as pessoas mais prestigiadas nas aldeias?

Mas esta erosão do prestígio e reconhecimento das profissões não se confina a fronteiras docentes ou nacionais. Com fundamento no que se passa nos Estados Unidos, para João Lobo Antunes, médico neurocirugião e catedrático de Medicina, “apesar dos progressos maravilhosos da ciência médica, a verdade é que o respeito que a confiança que nós, neurocirurgiões, e os médicos em geral, merecemos do público leigo tem declinado substancialmente” (“Um modo de ser”, Gradiva, Lisboa, 1996, p. 43).

Seja como for, é altamente preocupante não ser, agora, unicamente “o público leigo”, mas os próprios usufrutuários da profissão docente a exprimirem este estado de desalento que contrasta com os hinos de louvor cantados pela professora universitária Clara Pinto Correia aos antigos professores do liceu (segundo ela, “mesmo que liceu seja uma palavra que já não se usa, dá jeito, no caso vertente, para simplificar o discurso”), quando escreveu: “A barbárie não anda longe. Nunca andou (…) Para evitar que assim seja temos nos professores do liceu a mais importante das nossas armas. Devíamos beijar-lhes as fímbrias do manto” (“Diário de Notícias”, 22 de Outubro de 1995).

Para o rasgar das fímbrias do manto julgo ter contribuído um Estatuto da Carreira Docente (do ensino não superior) que meteu no mesmo saco todos os docentes, do ensino infantil ao secundário, sem ter em devida conta as respectivas habilitações académicas, quer fossem a nível do ensino médio ou ensino superior. Aliás, princípio seguido pelos sindicatos dos professores da altura ao permitirem a inscrição de qualquer um que desse, ainda que esporadicamente, aulas sem qualquer espécie de habilitação que o creditasse ou mesmo enquanto estudante de um qualquer curso superior (ou nem isso).

Corria o ano de 1992. Em desacordo frontal com este “statu quo” foi criado o Sindicato Nacional dos Professores Licenciados com os objectivos seguintes:

- “Defender os interesses específicos dos professores licenciados por universidades que eram, e continuam ainda a ser, postergados pela administração e ignorados pelos outros sindicatos e suas federações.

- Representar a ruptura com as orientações sindicais existentes, em oposição frontal à instituição de uma carreira única de professores, pois pretende revalorizar a profissão em todo o seu percurso, em consonância com os valores e as necessidades dos professores dos nossos dias” .

Numa verdadeira manta de retalhos de formações académicas, muitos outros se seguiram numa profusão de sindicatos de professores a puxarem a brasa à sua sardinha, que não encontra qualquer semelhança no associativismo sindical de mesteres nobilitados por ordens profissionais. Ainda que acompanhada de um repetitivo discurso de bondade, a união de 14 sindicatos dos professores numa plataforma comum apenas deve ser vista como a crisálida de uma espécie de unicidade sindical desajustada no tempo e sem lugar nas circunstâncias da nossa actual vivência democrática.

9 comentários:

alf disse...

Até que enfim que vejo alguém pôr o dedo na ferida desta questão! parabéns

de.puta.madre disse...

EXAME NACIONAL DE INGRESSO NA CARREIRA DOCENTE! E JÁ!

Uma coisa é ter p. Ex. um Prof. De Matemática ou Português licenciado pela UNova ou pela UClássica e outra é ter um Prof. do IPiaget.

de.puta.madre disse...

Já agora: A Disciplina e Curriculum Fantasmas: DPS - desenvolvimento Socal e Pessoal - A qual serviu durante anos par escoar os Licenciados da Católica em Filosofia e História ( detendo esta Universidade o Monopólio de Fornecimento de Docentes - a par de uma conivencia do ME e dos Sindicatos que INVIABILIZAVAM pela própria LEI a qualquer Licenciado-Profissionalizado o acesso a este curso de DPS Ministrado quer pela faculdade de Psicologia, quer pelos vários Centros de formação. ATENÇÃO: que davam prioridade de acesso ao curso aos PROFESSORES EFECTIVOS das escolas ( este curso para esses professores significava: a TOTALIDADE DOS CRÉDITOS DE QUE NECESSITAVAM para TRANSITAR DE ESCALÃO, significando isto que não necessitavam de tirar mais nenhuma formação e perde tempo com a formação. Na prática resultou que nenhuma vaga sobrava para quem quisesse tirar este Curso e assim Obter habilitações para Poder leccionar a Disciplina.
Resultado:

1- Os professores Efectivos tiravam o Curso para subir de Escalão; não para darem DPS
2- A Catolica escoava facilmente os seus Licenciados de História e Filosofia que em vez de fazerem a profissionalização nas suas áreas passavam para a Póg. Graduação em DPS.
3- Quem não tinha meios financeiros ( e mais um bom contacto) para ingressar na Católica FICAVA DESEMPREGADO ( LICENCIADOS PROFISSIONALIZADOS!!!!)
Porque:
- Não tinham habilitação suficiente para a disciplina!
- Não tinham meios para tirar o Curso nem financeiros e até o próprio sistema os excluía – logo – dessa possibilidade,
- OS SINDICATOS NÃO FIZERAM RIGOROSAMENTE NADA ( EU ESTIVE LÁ A TENTAR SER OUVIDA: EM TODOS, SEM EXCEPÇÃO!)

4- Os alunos que tinham DPS como disciplina opcional ( a Religião e moral) não tinham Professores – as “Fornadas da católica não eram suficientes para suprimir a falta de docentes nesta área a nível Nacional ( ainda HOJE Não é) e os Outros Professores tiravam o curso por razões de comodismo burocrático.

5- As escolas já sabendo desta disfunção no sistema nem horário da disciplina elaboravam ( Salvo os casos que a Católica garantia professor!).

6- Os alunos percebendo tudo isto: não havia professor, DPS era disciplina FANTASMA, Escolhiam-na em massa em detrimento de religião e Moral. Pois esta significava menos 1 hora no horário.

7- Os pais assinavam por baixo! Toda a gente assinou por baixo!

8- É assim que o SER TRAFULHA e contornar a LEI é uma arte que o Aluno Português aprende como a Melhor lição de DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL.

9- Os jornalistas que se encarniçavam com os comportamentos e luxos dos professores, nunca quiseram TRABALHAR! Eles Sim! Esta TRAMÓIA, com a Católica e o resto.

TINHA FEITO MUITA DIFERENÇA PARA TODOS A EXISTÊNCIA DE UM CURSO QUE POSSIBILITASE O ACESSO AOS PROFESSORES LICENCIADO E PROFISSIONALIZADOS!

Anónimo disse...

Link no Umbigo, para troca de ideias.

Marta Bellini disse...

Ruy
Cá no Brasil os professores do ensino fundamental e médio reclamam pelo tratamento que têm dos alunos. MAS, a nossa escola não saiu do século XIX. No Brasil as escolas públicas não têm o mínimo do conforto visual ou estético para o aluno se sentir em uma casa que abriga os conhecimentos. Os professores são amestrados pelo Estado. As Universidades repetem-se e pobres das crianças e jovens que vivem em um páis dominado pela burrice e corrupção.

Rui Baptista disse...

Prezada Marta:

Li algures e em tempos,que uma boa biblioteca exige ao lado uma boa cozinha. Assim é na verdade. Alguém acredita que um aluno com fome possa ter o mesmo resultado escolar que um outro com "a barriga cheia"? Alguém acredita, também, que alunos em salas de aulas que enregelam os ossos no inverno possam ter o mesmo rendimento escolar que outros numa sala aquecida? Alguém acredita, outro tanto, que o aluno numa sala de aula que no verão lhe "frite os miolos" possa ter o mesmo rendimento escolar que um outro numa sala com bom ambiente térmico? Alguém acredita, por último mas não só, que um aluno vivendo num ambiente familiar degradado possa ter o mesmo rendimento escolar que um aluno oriundo de uma família bem estruturada? Claro que há excepções que o são por isso mesmo.

Por esse facto, é com preocupação que eu vejo o desinteresse dos poderes públicos por uma escola estatal que reúna condições não muito desfavoráveis relativamente a escolas particulares subsidiadas pelo Estado. Ambas devem merecer a mesma atenção.

Não vão longe os tempos do prestígio de que os liceus gozavam porque pugnavam por ter professores competentes e alunos interessados. Hoje, qualquer barracão continua a servir para dar aulas e ainda somos vítimas de um tempo (julgo que foi Wood Allen que o disse) em que "quem sabia fazia, quem não sabia ensinava". Um tempo não tão remoto como isso tudo!

E o que dizer da aberração, de que fala a Marta, de se ter massificado o ensino universitário (em que, por vezes, contam mais as carteiras que a "massa cinzenta") como se as elites fossem geradas num espécie de fábrica de enchidos em que de um lado se põe carne de diversas e duvidosas proveniências saindo do outro lado chouriços de estupensa qualidade. No que respeita ao ensino universitário privado nem se fala, com raras e honrosas excepções. Houve quem já lhe chamasse liceu superior o que, de certa maneira, me parece ofensivo para os liceus evocados por Clara Pinto Correia no seu texto. Se são liceus, são liceus inferiores.

Pelos vistos, cá como lá, com o Atlântico a separar-nos, más fadas há.

Rui Baptista disse...

Grato a todos os outros comentadores. Na verdade, o que está em jogo é a diversidade de formações para o exercício de funções docentes e o verdadeiro assalto a formações a nível de licenciatura por parte de equiparados a bacharéis (de posse de um simples curso médio) para efeitos de progressão na carreira e acesso ao 10º escalão, ainda que mesmo, e apenas, para efeitos de reforma. Mas isto é uma conversa muito longa e muito triste para ser abordada num simples comentário. Mas julgo que o essencial da questão ficou tratada, através do post e dos comentários que mereceu.

Clairvoyant disse...

Tenho a sorte de ter alguns amigos a quem posso recorrer quando preciso de reencontrar as minhas referencias.
Numa dessas vezes, uma amiga muito especial (também ela professora, por coincidência) me disse que ser diferente paga-se caro. A própria sociedade tenta nivelar-se por baixo, e não gosta muito de quem se destaca, tornando-se assim um alvo visível.
Existe um tipo de canibalismo social para com aqueles que saem do cardume de sardinhas em que vivemos. De repente toda a gente é perito no assunto em que essa pessoa se especializou, todos se acham no direito de criticar, e todos têm liberdade para lançar boatos, ou cometer qualquer outro tipo de ataque. Isto é verdade para o individuo, mas também o é para o grupo, ou classe profissional.
A tendência nacional de bota-abaixo (da qual me confesso também afectado), acaba por afectar as classes profissionais que mais se elevaram, e que hoje são, quase diria odiadas, pela sociedade em geral.
Pressionados pelo fantasma da produtividade, todos começamos a exigir mais resultados de quem nos presta serviços, ainda que nem sempre o que queremos resulte em melhores resultados.

Professores, médicos, advogados, políticos... todos se tornaram alvos a abater. Muitos deles apenas porque auferem salários muito acima da média.

O melhor economista do mundo é a dona de casa, que tem de fazer esticar um orçamento de fome para conseguir manter as necessidades da família. Como tal, todos ou quase todos temos bem presente um conceito: o dinheiro não chega para todos, e quando uns ganham mais, sobra menos para os restantes. Isto não é problemático enquanto as pessoas se encontram minimamente satisfeitas. O mesmo já não é verdade quando por mais que nos esforcemos, não saímos da cepa torta.

O conhecimento que antes era uma receita para conseguir uma vida confortável do ponto de vista financeiro, hoje vale cada vez menos. Os professores tornaram-se assim os bispos de um Deus que falhou, tal como os políticos falham as suas promessas eleitorais. O facto de ser visível que aqueles que nos ensinam, estão eles próprios enterrados na lama, não ajuda em nada a dignificar essas pessoas. Pior, o professor não é uma pessoa, passou a ser apenas transferência bancária, e nem isso é garantido.

Tal como todas as profissões que já foram bem pagas e gozaram de estatuto social, o ensino atraiu muita gente que não tinha qualquer tipo de vocação, e que enveredou por esse caminho por pressões familiares, ou pelo estatuto. A falta de filtragem destes elementos levou a que hoje os próprios alunos possam ter razões de queixa credíveis.

Os ataques são cerrados e chegam de todos os lados. Ou nos tornamos todos autodidactas, ou o caminho do conhecimento será tortuoso e com muitas pedras.

Rui Baptista disse...

Clairvoyant:

Começo por agradecer o seu lúcido comentário que nos faz recuar ao início do século passado:"...uma sociedade, onde o pensamento representa um capital negativo, um fardo embaraçoso para jornadear pelo caminho da vida, num povo, onde essa minoria intelectual, que constitui o capital de orgulho de cada nação se vê condenado a cruzar os braços com inércia desdenhosa, ou a deixá-los cair desoladamente sob pena de ser esterilmente derrotado” - Manuel Laranjeira, "O Norte", 1908".

Também eu sou defensor do autodidactismo, embora reconheça que possa, em alguns casos, comungando do pessimismo de Mário Quintela, ser uma espécie de ignorância por conta própria.

Mal vai o detentor de um diploma, seja ele qual for, que se atenha, apenas, aos conhecimentos adquiridos na escola que o formou. O conhecimento desenvolve-se nos dias de hoje a uma velocidade tal que o aprendido hoje pode tornar-se completamente obsoleto ou mesmo errado amanhã. A refutabilidade de Karl Popper, acabou com o mito de uma ciência que atravessou incólume séculos passados como se de um dogma se tratasse.

Por outro lado, a subida de escalões na carreira docente passou a estar ao alcance da frequência (sem qualquer avaliação credível) de cursos de formação de duvidosa utilidade em que o professor de matemática, por exemplo, se via, por vezes, obrigado a frequentar um curso de música por ausência de cursos da respectiva especialidade docente. Defendo, aliás, que esses cursos de formação deveriam estar a cargo das escolas que formaram os respectivos professores (universidades e escola superiores de educação) para não se tornarem em fonte de receita de instituições nada vocacionadas ou preparadas para o efeito como os sindicatos, por exemplo. Seria até uma forma de rentabilizar estabelecimentos de ensino superior que correm o risco de fechar as portas pelo desemprego que grassa no seio dos actuais pretendentes ao ofício docente.

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