sexta-feira, 20 de junho de 2008

ERRAR MUITO É DESUMANO


Minha crónica do "Público" de hoje:

Os exames nacionais aí estão de novo mas, infelizmente, a polémica com os maus enunciados também. Logo no primeiro exame, de Português do 12º ano, os alunos, os professores e as famílias ficaram baralhados com perguntas de escolha múltipla nas quais há ambiguidades. Este é um erro evidente na elaboração das provas: não é preciso ser especialista para se saber que uma prova deve ser clara e permitir respostas claras. Que se há-de pensar quando professores experientes hesitam sobre a resposta a dar e até acham que há mais do que uma alternativa aceitável? Já nem falo da TLEBS, a nova gramática que continua a ser usada em contradição com o prometido.

A avaliar pelos exames que têm saído nos últimos anos seria, de facto, uma surpresa que este ano não houvesse provas mal feitas. No ano passado, o Director do Gabinete de Avaliação Educativa (GAVE) do Ministério da Educação reconheceu culpas nos erros nas provas de Física e de Biologia, tendo os alunos sido compensados com a majoração do que fizeram nos itens restantes. Mas o responsável do GAVE, apesar de ter dado a mão à palmatória, continua no mesmo lugar e não se percebe, a avaliar pela primeira amostra deste ano, que os serviços que dirige tenham aprendido a lição. As correcções da prova de Português não saíram logo no final do exame, para esclarecimento e tranquilidade de todos. A Associação de Professores de Português não terá podido divulgar as suas correcções a tempo. E o inefável assessor de imprensa do Ministério, que é especialista em justificar o injustificável, não foi capaz de dar mais do que uma desculpa esfarrapada para o insólito atraso de dez horas.

Há também erros jurídicos associados aos exames. Lembro que, em 2006, os resultados nas provas de Física e Química do 12º ano levaram o Ministério a conceder, à margem da lei, novas oportunidades a um subconjunto de alunos. Que isso foi ilegal ficou claro, embora com insuportável atraso, dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional. Muito me admira que o Ministério da Educação não tenha ainda reconhecido o erro crasso que cometeu ao violar a lei maior do país e recompensado os prejudicados. Errar é humano. Mas errar muito é desumano.

Em matéria de exames, há dois aspectos globais que são bem mais relevantes do que erros pontuais nas provas. Em primeiro lugar, toda a gente, excepto o GAVE, percebe que os exames estão, em geral, cada vez mais fáceis. Quem não sabe nada de nada pode sempre tentar a sua sorte em mal alinhavadas questões de “cruzinhas”, não precisando sequer de saber escrever. Este caminho para o abismo da ignorância tem sido denunciado por muita gente. Ainda recentemente a Sociedade Portuguesa de Matemática apontou o dedo ao facilitismo patente nas provas de aferição no básico. Mas o Presidente do GAVE, num insulto à inteligência, retorquiu dizendo que não existiam “perguntas demasiado elementares, mas sim de dificuldade diferente”. O que fazer a não ser, talvez, dar uma gargalhada?

O segundo aspecto é tão grave como o primeiro (apetece o trocadilho “tão GAVE”). Trata-se da linguagem tanto das provas como das “propostas” de correcção oficiais. É uma enormidade linguística e educativa que, num exame do 12º ano de Português, apareça uma frase como: “Para responder, escreva, na folha de respostas, o número do item, o número identificativo de cada elemento da coluna A e a letra identificativa do único elemento da coluna B que lhe corresponde”. Isto não é um exame sério do domínio da língua, é uma charada. Como fiquei sem saber para que serve este tipo de exames, fui ao sítio do GAVE: “Os exames nacionais são instrumentos de avaliação sumativa externa no Ensino Secundário. Enquadram-se num processo que contribui para a certificação das aprendizagens e competências adquiridas pelos alunos e, paralelamente, revelam-se instrumentos de enorme valia para a regulação das práticas educativas, no sentido da garantia de uma melhoria sustentada das aprendizagens.” Fiquei na mesma. Alguém me decifra o arrazoado?

8 comentários:

Graça disse...

Este arrazoado não é para perceber. É para baralhar... Um exame de Português do 12º ano com respostas de escolha múltipla? Dez anos de afastamento do ensino fizeram-me sentir noutro planeta, aquando do regresso. Até dizer NÃO!...

Tiago Moreira Ramalho disse...

Carlos Fiolhais,

Essa conversa de exames fáceis é conversa de quem não os faz. Se posso admitir que os Testes Intermédios foram, efectivamente, fáceis, os exames nacionais não o são. Pelo menos os de Ciencias Socioeconomicas. Dou-lhe o exemplo dos exames de geografia que são dificílimos e os de economia, nos quais pode ter a certeza que os critérios de correcção estragam o exame a qualquer brilhante aluno. Na minha opinião desajustados (mas isso é outra conversa) os critérios de classificação exigem aquilo que as perguntas não pedem. É rídiculo

Por outro lado, concordo plenamente que este GAVE não está bem nem se recomenda. No ano passado foi o problema com os exames, este ano o exame de português demorou 10 horas a entrar no site e o de economia já vai em 9!

O comentário já vai longo, portanto vou terminar, mas seria bom que não se fosse injusto com aqueles que estudam aquilo que aprenderam em dois anos e depois dizer que as suas notas foram devido ao "facilitismo"...

[http://oafilhado.blogspot.com]

Clairvoyant disse...

Raios partam esta gente que supostamente nos deve mostrar as regras pelas quais nos regermos.

Começo a acreditar em 3 falências possíveis. A falência do sistema de ensino, a falência das cabeças pensantes que deveriam arranjar uma alternativa decente que ajudasse os alunos a conseguir melhores resultados ao mesmo tempo que mantinha os padrões de qualidade, e a falência do país, que cada vez se afunda mais em problemas que ninguém quer mexer porque "é complicado".

Temos falta de pessoal qualificado, os poucos que formamos fartam-se da precariedade, de não serem levados a sério e da total ausência de apoio formativo por parte das empresas que não admitem sequer investir mais do que o ordenado que pagam, e imigram.

Recebemos imigrantes sem qualificações e o país cada vez se afunda mais num marasmo do qual será difícil de sair. Não tentem explicar-me esta troca, porque eu dou em doido a tentar perceber.

Uma das respostas seria de facto a mão de obra qualificada, mas para quê? As empresas não a apreciam. Por mais formação que se traga, não se é levado a sério, tanto nas competências como nos salários. As escolas que deveriam preparar os alunos nas ultimas tecnologias, andam com um desfasamento de mais de 10 anos, e isto é nas melhores.

Quando se chega ao mercado de trabalho, a resposta é que já não se trabalha assim. E o nosso país não é sequer dos mais evoluídos, calcule-se assim até que ponto andamos mal.

Esqueçamos a escola pela escola, e lembremo-nos que o objectivos dos cursos é o de preparar profissionais (que custam muito dinheiro a formar), e não de satisfazer o ego a meio país com licenciaturas para todos nos podermos chamar de doutores e engenheiros uns aos outros, enquanto sem alternativas, trabalhamos lado a lado nas caixas de supermercado.

deep disse...

Não se compreende que professores e alunos vivam angustiados todo um ano lectivo com o cumprimento de um programa extenso , para o exame se resumir a um conjunto de perguntas sem uma orientação lógica, sem relação entre si e que avaliam muito pouco.
Durante um ano lectivo, cada professor elabora para cada uma das suas turmas pelo menos seis provas - que devem obedecer à estrutura do exame -, além de fichas de trabalho e documentos de consulta, despende na correcção dessas provas uma infinidade de tempo que não chega a contabilizar e aqui d'el rei se o professor se engana! Já vai sendo tempo de pedir contas a quem não cumpre, porque este problema não é de hoje.
Sobre as provas de Língua Portuguesa de 9.º ano já nem me pronuncio...

Anónimo disse...

Indecoroso!

Não é precisa mais do que uma palavra para descrever o Exame Nacional de Matemática do 9º ano. E uma frustração imensa para os bons professores e os alunos empenhados que ainda tentam manter a dignidade no lodaçal do ensino português. Porque, para isto, não era preciso estudo nem preparação. Apenas ir lá preencher umas folhas em meia dúzia de minutos.

Não é um exame, mas uma sucessão de perguntinhas para imbecis, sem qualquer ponta de desafio intelectual. Não testa conhecimentos ou capacidades. Aliás, não testa nada.

Quando forem publicadas as classificações, lá virá a senhora ministra anunciar o sucesso das suas medidas. Sem ponta de vergonha.

Resta-me uma dúvida: como é possível haver professores dispostos a estes fretes, profissionais capazes de elaborar um exame destes? E onde estão aqueles que encheram as ruas quando a ameaça era a perda de algumas regalias?

Alguém um dia há-de contar a história criminosa do ensino oficial português. Se restar gente que saiba escrever...

Luís Miguel Gomes disse...

Se a percentagem de reprovações é grande, a culpa é do governo e dos alunos. Se esta percentagem desce, a culpa volta a ser deles. Felizmente, a única coisa que temos de excelente neste pais são os professores. Agora percebo porque nem vale a pena avaliá-los.

Tiago Moreira Ramalho disse...

Já que publicou aqui algo sobre educação e exames, aproveito para deixar aqui uma denúncia. No exame de geografia de hoje, houve uma pergunta que valia 10 pontos cuja resposta não é aprendida na disciplina, pura e simplesmente, não está no programa. Quase que aposto que por não ser de Ciencias, ninguem vai querer saber...

Unknown disse...

As inteligências da estrutura ministerial, mas não só, que acham que esta coisa a que chamam testes e exames, cheios de perguntas de V/F ou escolha múltipla,(no exame de Biologia eram 15 valores), serve para verificar as aprendizagens dos alunos, deveriam estar presentes em duas situações: na entrega dos testes intermédios dentro da sala de aula, e à saida dos exames quando os professores vão indicando aos alunos as respostas certas.
Constatariam, ouvindo as palavras e expressões dos alunos, que aquilo que muitos fizeram ao responder, não difere do que fariam no preenchimento do boletim do totoloto. Só que no totoloto a probabilidade de acertarem é muito menor. Aqui acertam mais e muitas vezes dá para passarem e melhorar as estatísticas ministeriais. Mas também não é para isso que se fazem estes exames e testes?

A panaceia da educação ou uma jornada em loop?

Novo texto de Cátia Delgado, na continuação de dois anteriores ( aqui e aqui ), O grafismo e os tons da imagem ao lado, a que facilmente at...