sábado, 12 de abril de 2008

Desobediência ortográfica

Agradeço aos leitores os amáveis comentários ao meu post sobre o Acordo Ortográfico.

Obrigado pela correcção quanto ao salazarismo: é verdade que a mentalidade centralista é infelizmente anterior a Salazar. A alma salazarista já existia infelizmente antes do homem, e continua a existir depois dele.

O comentário lúcido do Luís Pedro Machado põe as coisas muito claras:

Primeiro, será mesmo verdade que haverá maior unidade ortográfica depois do acordo do que havia antes? Os meus amigos brasileiros dizem-me que quando estão a ler um livro português percebem na página 40 que não era brasileiro… porque as diferenças são realmente pouquíssimas. E seria particularmente irónico ver que depois do acordo as diferenças não iriam diminuir substancialmente. Isto mostraria a verdadeira face do acordo: umas pessoas querem obrigar legislativamente toda a gente a escrever como eles querem. Ponto.

Segundo, é preciso distinguir duas coisas completamente diferentes. Uma coisa é haver uma mudança legislativa da ortografia. É contra isto que eu me insurjo. Outra coisa é tal mudança legislativa ser coordenada entre todos os países que usam a língua portuguesa. Geralmente sinto-me muito mal a argumentar contra o acordo porque as pessoas confundem geralmente as duas coisas e só são contra o acordo pela segunda razão, e não pela primeira. Eu sou contra o acordo porque sou contra a legislação ortográfica, camandro. É de um centralismo inacreditável. Teria de haver fortíssimas razões para se fazer tal coisa e o que eu mostro é que as razões que são invocadas — interesse estratégico na unificação linguística entre Portugal e Brasil — são mentiras políticas. E esta mentira é preciso que seja denunciada até ao fim.

E aceito o repto do Luís Pedro Machado e aqui declaro publicamente: farei desobediência civil e não escreverei com a nova ortografia. E isto é particularmente significativo porque, sendo professor no Brasil, alguns dos meus textos são escritos, com todo o orgulho, com a ortografia e a gramática brasileiras. Não se trata, pois, de uma atitude de arrogância, não se trata de tomar a variante portuguesa como superior à brasileira. Nenhuma delas é superior. Mas sobre nenhuma delas se deve legislar. Já basta que o tenham feito no passado, quando a generalidade da população não sabia escrever, apoiando-se noutra mentira política: que o elevado nível de analfabetismo não se devia à incompetência dos políticos da altura, mas ao facto de "farmácia" se escrever com PH.

27 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado pela menção ao meu comentário.

Ainda bem que publicitou este meu repto (esta palavra pode suscitar embaraçosas dúvidas no novo acordo he he), que assim ganha mais visibilidade.

Trata-se duma desobediência fácil, diga-se, porque o alcance legal da ortografia oficial só abrange textos oficiais, legais e possivelmente manuais escolares. E agora que escrevo "manuais escolares" vê-se ainda mais claramente o ridículo e atentatório à nossa liberdade individual da regulação legal da ortografia. Com que direito pode o Estado obrigar uma editora a escrever "húmido" sem "h"? Tenho pena que este ridículo não seja maioritariamente reconhecido.

Mas não estou certo de que a lei possa obrigar as editoras em geral, i.e. além dos livros escolares, a usar esta ou aquela grafia. A liberdade de expressão deve, ou então devia, abarcar isto. Mas as reacções medrosas das editoras faz-me temer o pior. Porque é que a APEL não diz simplesmente que as editoras vão continuar a seguir a norma actual? Um ultimato destes seria suficiente para acabar com esta asneira chamada acordo ortográfico de 1990. O facto de a APEL não o fazer só pode ser uma má notícia: ou não tem poder para o fazer, e então a lei portuguesa não respeita a liberdade de expressão; ou tem poder mas abdica dele, o que pode significar que a APEL tem medo de alguma coisa ou necessita do Estado mais do que o recomendável numa sociedade livre, ou então pode significar que a APEL se submete voluntariamente aos desmandos do governo e tem uma mentalidade submissa. Embora ambas más, a hipótese de que falta poder às editoras é pior do que a falta de independência ou vontade.

paulu disse...

Há quantos anos há pessoas a trabalhar neste «acordo»? Quiçá os suficientes para elaborar uma boa gramática da língua portuguesa. E uma boa gramática – entenda-se, uma ferramenta mais preocupada em ajudar a ler e escrever, que em exibir nomenclaturas e classificações – faria mais pelo nosso idioma que qualquer revisão da ortografia ostentada com espavento de lei. Só que tempo não chega. Para uma boa gramática seriam também necessários talento e saber. Ora inventar novas regras ortográficas é mais fácil, e até produz mais alarido. Pelo que.

Todavia, se não estou de acordo com o «acordo», também não me sinto confortável com o caminho da desobediência civil. A desobediência civil fica bem contra as coisas graves, mas é excessiva contra as coisas tontas. Creio que a leis destas, melhor que desobedecer-lhes, é ignorá-las. Produz um efeito prático semelhante, mas com uma resposta mais adequada ao gosto pela pompa.

Pedro Machado disse...

paulu,

quando falei em desobediência civil era uma forma humorada de dizer desprezar o acordo, pois a grande maioria das vezes a lei não nos obriga a escrever desta ou daquela maneira. No limite, nunca nos obriga, caso contrário um erro ortográfico teria de ser punido por lei, o que é ridículo. Tão ridículo como haver uma lei que diga que agora "óptimo" está errado e "ótimo" correcto...

Mas simplesmente ignorar o acordo pode não ser suficiente. Há que afirmar com convicção que manteremos a grafia que usámos (já agora, este acento passa a "opcional" com o acordo) até agora.

Esqueci-me de dizer que isto das grafias opcionais é um expediente burocrático chico-esperto para fingir que se acaba com as duas normas. Onde antes havia duas normas, dizem eles que agora há grafia opcional, como se fizesse algum sentido que um português passe a usar opcionalmente "fato" e um brasileiro vá escrever, quiçá por diversão, "facto".

Mas com esta esperteza conseguiram enganar gente inteligente, mas com a mente toldada por puro "wishful thinking", como por exemplo o Rui Tavares, que pensa que o suposto problema de ter de haver dupla versão de textos oficiais se resolve com o acordo. Como toda a gente já percebeu, não resolve. Dá vontade de perguntar: se é esse o problema, não seria mais simples os governos da CPLP decretarem que os textos oficiais passam a poder ser redigidos em qualquer das duas normas, incluindo mistura? Mas não. É muito melhor obrigar um país a gastar balúrdios para que não seja preciso o orçamento de Estado ficar sobrecarregado com o gasto decorrente da conversão entre grafias. Conversão essa que um simples programa de computador pode fazer, pois tanto quanto saiba, é só substituir palavras constantes duma lista pelas correspondentes noutra lista. A conversão é independente de contexto sintáctico ou semântico. E andamos todos preocupados com um problema que qualquer pessoa com conhecimentos rudimentares de programação pode resolver. Pobres de nós...

Victor Gonçalves disse...

Vamos lá desobedecer, não interessa a quê!

LA disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
LA disse...

Em Itália, farmácia também se escreve com F, e os alunos perdem menos anos a aprender a lingua do que os ingleses.
E não me importo nada que húmido passe a úmido, acho bem, o portugês é uma lingua muito primitiva, própria para monges que passam uma vida a estuda-la e não para pessoas normais que não têm paciência nem motivação para aprender todas as regras e regrinhas de excepção.
Se os estudiosos têm capacidade para saber que húmido vem de humidu, ou será umidu?, também têm que ter para continuar a saber essas coisas, apesar de com uma estúpida consoante muda a menos, não se perde nada.
Se não se fazem essas mudanças, vão continuar as queixas de que ninguém escreve como o Pe Vieira, que as pessoas dão muitos erros!
Não tenho opinião sobre o acordo, mas essas mudanças no h, que acho poucas, são bem vindas.
Se não fossem as mudanças ainda hoje escreviamos em latim.

jpt disse...

interessante, concordo no geral com as suas três razões (post anterior) para considerar inútil o acordo (e, para mim, o pior será ainda a concepção dos proponentes de que o acordo ortográfico induzirá algum grau de padronização linguístico, algo irreal - e desonesto pois não explicitado). Mas discordo completamente deste seu texto - a questão não está na questão legisladora. Para mais poderá explicitar qual a especificidade "ontológica" da ortografia que a exima a ser "legislada" (é óbvio que não o está a ser no sentido em que o diz, mas isso é outra coisa) enquanto tantas outras dimensões do real são "legisladas"?

Anónimo disse...

Da desnecessidade do acordo.

Os editores não têm que se preocupar com a ortografia. Ainda hoje, apesar de ortografia bem antiga, é possível ler livros do séc. xvii, xviii e xix, sem qualquer problema.

O acordo anterior nunca foi respeitado pelo Brasil. Usando a linguagem de Aquilino Ribeiro, os brasileiros marimbaram-se para o acordo e continuaram a escrever "fato" para 'vestuário' e "fato" para 'evento'.

A lógica está em que a palavra não pode ser entendida isolada do texto porque, como neste caso, é homógrafa e homófona.

E ninguém se atrapalha quando ler que "determinado fato ocasionou um distúrbio porque o ladrão tinha roubado o fato cinzento da vítima".

O problema é a valência do capital humano, do capital social, do capital económico. A rejeição ortográfica não deriva apenas de Portugal considerar que detém o património da língua. Mas não tem.

Perguntaram uma vez a Nureyev, esse brilhante bailarino russo, exilado político na Inglaterra, se não tinha saudades da mãe. A resposta dele foi: "A minha mãe deu-me a vida. Agora compete-me a mim vivê-la".

Ora Portugal também deu vida a S. Tomé e Príncipe (206 mil hab.), a Cabo Verde (427 mil hab.), à Guiné-Bissau ( 2 milhões hab.), a Angola (13 milhões hab.), a Moçambique (21 milhões hab.), e a Timor (1 milhão hab.), e agora vamos olhar para o próprio umbigo?

Porquê só Brasil (192 milhões hab.) e Portugal (11 milhões hab.)? e os outros 37 milhões de habitantes? são filhos menores? são filhos bastardos? Ainda não têm idade para se pronunciarem, mas liberdade só para falar a língua de Camões?

Portugal não pode ser autista nem lusocentrista, nem eurocentrista, mas dialogar só com o Brasil é fazer selecção entre os filhos.

Dentro do espaço lusófono todosn têm uma palavra a dizer, se não...
estaremos em presença de dois colonialistas de um idioma que é de
240 milhões de falantes.

O acordo, só por isso, está ferido de discriminação cultural, ao tratar de marginalizar os restantes 6 países.

João Boaventura

lino disse...

Relativamente ao acordo, eu vou ser objector de consciência. Objecccccccccccccctor!

Pedro Machado disse...

João Boaventura,

No Brasil, "fato" apenas quer dizer facto. Para fato, eles dizem "terno". Por isso, a frase que deu como exemplo soa bizarra quer a nós quer a eles. Para eles, "fato cinzento" soa tão estúpido como a nós "facto cinzento" soaria.

Anónimo disse...

Pedro Machado

Tem razão. Esqueci esse pormenor, que sabia, e a memória traiu. E o exemplo foi infeliz.
Agradeço chamada de atenção.

João Boaventura

Anónimo disse...

Reitero o infeliz exemplo que dei mas, na dúvida, fui ao Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, e li

“Fato – Roupa ou conjunto de roupas; indumentária..."

"Facto - Acção ou coisa que se considera feita, ocorrida ou em processo de realização..."

"Terno - fato, traje..."

Donde o meu erro de ter considerado, sem prévia consulta, que do nosso "facto" os brasileiros simplificadores teriam anulado o "c", reduzindo o signo a "fato".

Conclusão: no Brasil, como na sede-mãe, há "fato" e "facto".

O que de forma nenhum apaga o meu infeliz exemplo.

João Boaventura

Anónimo disse...

Ignorar o Acordo e continuar a escrever com a grafia que aprendi é o mínimo que posso fazer para me insurgir contra este claro abuso de poder da parte dos nossos dirigentes políticos.

A língua não pertence ao Governo; é um património colectivo que todos - os que a falamos (e a escrevemos) - herdámos.

A democracia representativa não dá carta branca (ou não devia dar) para que o Governo tudo possa fazer e decidir. Existem coisas que simplesmente são demasiado importantes para os políticos mexerem. A língua é uma delas.

Sou contra o Acordo por uma série de razões:

- Por princípio, considero que definir a estrutura e natureza de uma língua fica para lá das competências legislativas do Estado. Uma língua viva evolui naturalmente com o uso e vai-se adaptando e mudando aos poucos conforme as necessidades dos seus falantes. O Estado não é para aqui chamado.

- Mesmo assim, por não ter sequer promovido o debate público nem nos ter consultado através de um referendo antes de tomar uma decisão sobre algo que nos pertence a todos, o Estado volta a desconsiderar-nos. Em decisões que se prendem com a nossa identidade e destino colectivo somos meros figurantes. Se já não gostava do Acordo não fiquei a gostar mais.

- O Acordo não vai unificar a língua, não vai reforçar o seu perfil internacional, não vai aproximar os povos que a partilham. Vai sim reforçar a posição do Brasil como origem do português-modelo, desperdiçar rios de dinheiro em novas edições de livros e alienar os actuais falantes. Um autêntico desastre.

- A diplomacia portuguesa julga que a posição do país sai reforçada, tanto no seio da CPLP como internacionalmente, com a aprovação deste acordo. Eu julgo o contrário: o Acordo obriga o português-europeu a ceder muito mais neste esforço homogeneizador do que o português sul-americano. Custa-me entender como é que a sub-alternização da nossa grafia à brasileira vai conseguir aumentar o perfil político de Portugal.

- Nem me passa pela cabeça acreditar que o Acordo surge apenas como solução para o «problema» de se ter que redigir dois documentos «diferentes» sempre que se fazem acordos políticos com o Brasil. Isto seria simplesmente estúpido demais. Perguntassem antes aos americanos e aos ingleses como é que conseguem.

- O argumento de que estas alterações vão aproximar a grafia da fonética ainda é defensável, mas não vai ser isto que vai transformar um país de iliterados como o nosso numa Inglaterra (que apesar de dificultar a vida às suas crianças com aquela grafia traiçoeira consegue ter um pouquinho mais de prémios Nobel que nós, para além de um superior desenvolvimento económico, cultural, científico, etc., etc...)

Eu cá vou continuar a escrever como aprendi, vou evitar comprar livros escritos na nova grafia enquanto puder (ver a palavra «úmido» até me faz impressão) e vou fazer questão de tentar encaixar o máximo de palavras que viram a sua grafia alterada em papelada burocrática sempre que tiver a oportunidade.

Se alguma editora tiver a coragem de continuar a editar livros com a grafia actual e sinalizar essa opção na capa, terá em mim um comprador dedicado.

Anónimo disse...

É como tudo na vida e grandes prosápias acerca do assunto, pouco adiantarão.
O meu pai ainda escreve "mãi", acho eu, dantes escrevia-se mãe de outra forma. O meu pai tem 81 anos.
Andar por aqui em devaneios académicos e filosóficos, é um bocado treta, desculpem-me qualquer coisinha.

Nós continuaremos a escrever ao arrepio do AO. A criançada, daqui a 5 ou 10 anos escreverá úmido ( aliás, já o faz). Nòs estranharemos, mas será assim.

O meu filho, 12 anos, já não imagina o que é ( foi) o escudo e quando eu ainda converto euros para escudos, farta-se de refilar porque não consegue pensar em escudos.

Agora, para arrepiar um bocadinho esses cabelinhos, grande mudança era instituir o "k" com o valor dos "qu". Isso é que era.
E eu, mesmo em sms, nunca uso os "k". Faz-me impressão. Mas, posso estar enganada, ele vai estabelecer-se..

kuando? não sei. Talvez daki a uns kuatro ou cinco anos. Talvez daki a uns 10 anos. Ke estas coisas da língua também evoluem.

Na parte que me toca, o Português do Brasil, pela força dos milhões que tem e da dimensão continental do próprio país, acabará por colonizar a "metrópole", mais ainda do que já faz, pois, via telenovelas, há muito que isso acontece.

Eu, pessoalmente, não gosto. Pessoalmente o acordo mete-me um bocadito de impressão. Mas, se não lhe vejo virtudes,também não lhe vou ligar nenhuma. Processem-me.

Pedro Machado disse...

Caro João Boaventura,

continua equivocado. No Brasil não se escreve nem diz "facto". Quando nós dizemos "facto" eles dizem "fato". Quando nós dizemos "fato", eles dizem "terno". Por isso mesmo disse que "fato cinzento" soa tão estranho a um brasileiro como a um português soa "facto cinzento". É que "fato" para eles só quer dizer uma coisa: aquilo a que nós chamamos "facto". Espero que agora tenha sido mais claro.

Anónimo disse...

E por que não se poderá dizer "facto cinzento" ou "factor cinzento"?

depende do contexto; da metaforização;
Por exemplo:
O Memorando do Entendimento entre MLR e a PSProf, não obsta a que uma série de factores cinzentos tenham ficado em suspensão, em virtude das diferenças entre os procedimentos aplicados para 7000 professores até ao final do ano lectivo, e os que se aplicarão no próximo ano para os restantes docentes.
( inventei isto agora, apenas para exemplificar e fundamentar a minha argumentação)

Outro exemplo:
Revista cor de rosa (é tão válido como factor cinzento).

Mais:

Não, não é rosa. Ele é laranjinha.

Outro:
Sabes que o rosa abre portas.

Mais outra:
UI e José Sócrates: os factos cinzentos de uma situação nublosa.

^^Julgo que isto se situa no campo da Metalinguística.
( referindo-me à classificação na Metalinguística, não sei o suficiente, longe disso, destas coisas , em termos rigorosos do domínio da Língua e de toda a sua complexidade, ; por isso, consciente das minhas limitações e falta de saber nestas áreas elevadas da Língua, limito-me apenas a "julgar" - antes que alguém grite "Heresia!" por eu ter, eventualmente, cometido alguma gaffe científico-teórico-linguística).

Voltando:

Logo, escrever "facto cinzento" não é descabido, a partir do momento em que as próprias palavras cinzento/cinzentismo adquiriram uma conotação,um outro significado, que se calhar, até já dispensam contexto.

Para finalizar:
Alguns dos autores deste blog têm momentos de cinzentismo carregado.
( piadinha) :))

Alguns dos comentadores habituais deste blog constituem factores de cinzentismo militante.

Outros, porém, usam um discurso carregado de um certo factor verde-eléctrico!
( o Ia, nomeadamente).

ps: afinal enganei-me; julgava que a Academia, finalmente, despertava para o Mundo, conseguia "descatedrizar-se".
Não, não despertou.
Não tomemos a árvore pela floresta, mas, tirando dois autores neste blog, cujos nomes não refiro por uma questão de mera elegãncia de trato e respeito para com os outros bloguistas, parece-me que em Abrantes está tudo como dantes.

Esta vossa discussão, neste post e nos outros sobre o AO é bem exemplficativa disso.
E mais não digo.
Digo só mais uma coisa:

Tenham cuidado, não se "Vasquelizem", independentemente da maior força que a vossa argumentação possa ter.

A "Barretização", por exemplo, ou a "LoboAntunização" ou a "Policarpolização" são os exemplos de excelência do discurso para a Sociedade. Independentemente dos conteúdos. É a forma que conta. E a forma, mais que os conteúdos, é que gera o caminho para a abertura dos horizontes.

impensado disse...

Também eu, se "isto" for avante, tenciono não mudar rigoraosamente em nada o modo como escrevo. Fernando Pessoa disse da «reforma» de 1911 - e nunca a acatou: «Além do impatriotismo, foi o acto imoral e impolítico.»
Parece-me que seria de reflectir bem pelo menos sobre o termo "impolítico".
Alinho em todo qualquer movimento que pare esta palermice, estando disposto a participar em manifestações, abaixo-assinados e qualquer outro acto de protesto, mesmo os de teor mais patético - que sempre há e são por vezes necessários.

Pedro Machado disse...

Maria, pode escrever o que bem entender. Eu não disse que "facto cinzento" está errado ou deixa de estar, nem isso é relevante. Foi apenas um exemplo para melhor ilustrar as diferenças ortográficas, neste caso lexicais até, entre os dois países. Toda a gente percebeu. Mas aparece sempre alguém que gosta de complicar o que é simples, de arranjar problemas onde não há, provavelmente porque não tem nada de relevante a dizer. Será um problema português?


Impensado,

Fez bem em lembrar o Pessoa. Serve para mostrar que ignorar ou não cumprir o acordo pode não ser suficiente para parar este desastre. Sim, é um desastre.

impensado disse...

Embora o autoritarismo seja uma constante em Portugal, o que me faz ter pouca esperança creio que se deve lutar para que o acordo não seja celebrado e entre em vigor.
Há a questão das escolas e de ensinarem às crianças uma língua de comité, a-histórica.
De igual modo é preciso desmontar aquela de que aproximar a escrita do som é "moderno" ou "democrático". Para já, onde se dá isso? Em que país desenvolvido? A que língua se referem?

O exemplo que deu da receção é chocante e um aviso sobre o que é uma língua de comités e burocratas.

Pedro Machado disse...

Dei o exemplo de "receção" a propósito das novas divergências, como lhes chamei, mas estas geralmente são também exemplos de dificuldades acrescidas na nova grafia. Vai ser mais difícil distinguir receção (ex recepção) de recessão (económica), conceção (ex concepção) de concessão (de conceder), interceção (ex intercepção ou intersecção, não se sabe!) de intercessão (de interceder). Dizem que a ortografia ficará mais simples mas estes são bons exemplos de novas dificuldades. À vista disto, os problemas com palavras como associação vão ser uma brincadeira. Por exemplo, no Brasil, onde se escreve e diz seção em vez de secção, há muita gente que confunde seção com sessão. Vai acontecer algo semelhante cá, e não lá.

Anónimo disse...

Ipedromachado:
"Eu não disse que "facto cinzento" está errado ou deixa de estar, nem isso é relevante."
Por isso mesmo, eu arranjei aqueles exemplozitos;

"Foi apenas um exemplo para melhor ilustrar as diferenças ortográficas, neste caso lexicais até, entre os dois países. Toda a gente percebeu."

Não terá sido o mais genial dos exemplos que poderia ter arranjado. Olhe, "interceção (ex intercepção ou intersecção, não se sabe!)", seria um exemplo mais elucidativo.

mas eu, que nem faço tenções de usar o AO ( vou continuar a escrever como sempre, processem-me), como sou uma rapariga relativamente descomplicada, lerei a frase toda para inferir o sentido da palavra na mesma:

Por exemplo:
a interceção da droga apreendida no cais de Linhares do Meio, esta madrugada, por ação de uma operação conjunta entre a PJ e a GNR"......
Soa-me mal? ah pois soa! Mas não deixo de entender o texto.

O exemplo complementar:
Um comboio hoje na linha do Norte, ao intercecionar-se com um tronco de madeira de 400 kg em plena linha, travou e esteve parado duas horas.

Lá por achar o AO uma parvoíce, não vou deixar de ter a capacidade de ler. Sabe que a leitura é realmente um acto holístico e há uma coisa a que chamam leitura funcional. Aliás, só se considera que existe leitura quando a mensagem é percebida pelo leitor. é por isso que quando se ensina às criancinhas palavras homògrafas, homòfonas, homónimas ou parónimas, deve-se sempre escrever uma frase para que entendam estas nuances da língua.

"Mas aparece sempre alguém que gosta de complicar o que é simples, de arranjar problemas onde não há, provavelmente porque não tem nada de relevante a dizer. Será um problema português?"

Eu por acaso considero que quem está para aqui a complicar é o senhor. Julgo que é português.

Para descomplicar, se o AO for para a frente, ninguém terá uma pistola encostada à cabeça para o usar, penso eu.
O maior trabalho ainda vai ser o das professoras do 1º ciclo e das outras também, claro.

. Quanto à miudagem, não se preocupe. Eles já dão tanta calinada na ortografia, que o problema mantém-se se não se trabalhar melhor na escrita e na leitura: ensinar-lhes a leitura, trabalhar a escrita sempre dentro de um contexto.
Isto significa que sempre que um miúdo der um pontapé na gramática ou na ortografia, deve escrever 20 vezes a palavra mas inserida numa frase, por mais simples que seja.

" água tem assento no a"
erro: assento.

Combate ao erro:
"água tem acento no a"
" o assento do banco está solto"


Para finalizar, haverá com certeza coisas mais importantes para gastar energias a descomplicar do que a grafia de meia dúzia de palavras, neste país e no mundo.

Anónimo disse...

UMA QUESTÃO DE PRINCÍPIOS!!
Há uns anos ( poucos) qd crianças de rua foram abatidas pela polícia brasileira - a força do estado brasileiro -, a hegemonia numérica desse países cuja sociedade civil aplaudiu mais do que recriminou não abalou os princípios éticos vigentes e acatados pela sociedade cívil de pais como a Noruega ou Suécia ( países pequenos em número de habitantes, como nós).
É fraco o argumento do número! Como é abjecto e ridículo colocar a possibilidade de um sim e um não ao Acordo Ortográfico.
Se o Brasil quer impor ao mundo o que quer que seja que o faça só.
Faz sentido PORTUGAL alterar o que quer que seja para servir os caprichos de um país que não se sabe comportar, pensar ( p.ex. legitimando o abate de crianças de rua como uma forma de resolver um problema) nem acatar a Declaração Universal dos Direitos do Homem?
Não terão os portugueses vergonha?? Os Cangalheiros ( pseudo-poetas e romanceiros de prosa fraca) estão levianamente a expressar-se como escrevem os seus livros medíocres …! E O “ninguém vai preso” será um belo pretexto para o encolher de ombros! O VascoGraçaMoura mais não pode fazer! O Carlos Reis dá pena ( gostaria de ver a declaração de património desse Sr.! ). Os Portugueses não Têm noção nem consciência desta concessão! É ficar com o ROSTO MANCHADO, sem Face! Não faz sentido! Será que há assim tantos analfabetos em PORTUGAL!? Tanta gente BURRA!? Bonito!

impensado disse...

A Maria é uma pessoa descomplicada: nem se pergunta pela legitimidade da coisa, nem porque motivo Fernado Pessoa chamou à reforma um acto imoral e impolítico. Palavras com história de séculos mudam porque 3 ou 4 pessoas - não terão sido muitos mais - acharam que sim, numa tarde de vagar em 1911, num país com 75% de analfabetos, talvez porque estivesse calor, não houvesse nada para fazer àquela hora e por terem lido 2 ou 3 autores franceses (a "coisa" julgo que começou por uma boutade de Voltaire) que exportavam as ideias de «ortografia cientifica» para os países sufragâneos (o francês, escusado dizer, não mudou "la langue française" não é para experimentos, como hoje ainda é em África que se testam os remédios). Uma das desculpas que apresentaram foi que facilitava a aprendizagem, o progresso. Não facilitou, nem aqui, nem no Brasil, a julgar pelo PISA (como escreverão depois o inglês?) e, futuro já cumprido daquele 1911 somos o país mais atrasado da Europa. Tivemos Pessoa, bem sei, mas esse era anti-reforma. E não o era por acaso.
Desculpe a extensão do comentário

de.puta.madre disse...

Que tal um BOICOTE Há COMPRA DE LIVROS DOS CANGALHEIROS DO SIM AO ACORDO ORTOGRÁFICO!
Afinal, até, na maior parte são escritores faz deconta!
Porque não ATIRAR-LHES UM "Porque não Páras de Escrever"!???

Pedro Machado disse...

Aqui há uns anos, li que havia um sujeito em França que queria fazer uma reforma ortográfica radical no francês. Obviamente, ninguém o leva a sério. O caro impensado aponta para uma verdade. Aqui gostamos de pôr em prática ideias estrangeiras que no país de origem não são levadas a sério, ou se o são, são revertidas antes de entrarem aqui em prática. Um exemplo pode ser a aplicação de tretas românticas ao ensino.

Anónimo disse...

Eu até sugeria um referendo nacional... mas...

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Aniversário memorável.

A panaceia da educação ou uma jornada em loop?

Novo texto de Cátia Delgado, na continuação de dois anteriores ( aqui e aqui ), O grafismo e os tons da imagem ao lado, a que facilmente at...