sábado, 29 de dezembro de 2007

A educação em balanço de final de ano


Rui Baptista faz o balanço da educação:

“Num país onde a inteligência é um capital inútil e onde o único capital deveras produtivo é a falta de vergonha e de escrúpulos, o diagnóstico impõe-se per se” (Manuel Laranjeira, 1908).

Mesmo o comum dos mortais sabe que perante qualquer estado mórbido existem, pelo menos, duas etapas indissociáveis e de cumprimento obrigatório para o debelar: diagnóstico e terapêutica.

No que respeita às entidades directamente responsáveis pela educação, as respectivas maleitas têm permanecido na penumbra oficial com a excepção da actual responsável pela pasta da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, ao assumir publicamente que o relatório da OCDE [sigla da “Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos”, com o objectivo de “fomentar o desenvolvimento da investigação e formação nos domínios científico e tecnológico”] sobre o sector "não traz novidades” para Portugal e que os dados são “preocupantes” (“Público”, 15.Set 2005). Daqui saúdo a assunção pública de uma preocupação, mas reprovo o facto de os dados continuarem a ser tanto ou mais inquietantes volvidos mais de dois anos por não se ter passado de um simples diagnóstico a uma adequada terapêutica.

De há anos a esta parte, numa meritória acção de cidadania, personalidades do mundo científico, cultural e político não se têm eximido de denunciar o estado caótico da educação. Denúncia que, pelos vistos, cai sempre em saco roto! Neste final de ano de 2007 recordo, sem qualquer preocupação cronológica, alguns desses diagnósticos em banho-maria na procura de soluções:

- “De repente, perante a obstinação dos que teimaram em não acreditar na realidade, o Portugal novo-rico tornou-se no Portugal novo-pobre. Pobre, porque pobre na qualificação das pessoas. Aí estão a comprová-lo os números terríveis do Estudo Nacional de Literacia, recentemente publicados” - António Guterres.

- “Estamos a formar não um país de analfabetos, como até aqui, mas um país de burros diplomados” – Francisco Sousa Tavares.

- “As políticas educativas seguidas nos últimos 15 anos foram um desastre. Os resultados estão à vista. Lemos nos jornais e constatamos que a educação está na rua, na lama da voz pública.” – Manuel Ferreira Patrício.

- [A educação] “é um desastre completo. Nem daqui a 30 ou 40 anos nos livramos dos erros que andamos a fazer hoje” – Silva Lopes.

- “A escola que temos não exige a muitos jovens qualquer aproveitamento útil ou qualquer respeito ou disciplina. Passa o tempo a pôr-lhes pó de talco e a mudar-lhes as fraldas até aos 17 anos. (…) Vão para a universidade mal sabendo ler e escrever e muitas vezes sem sequer conhecerem as quatro operações” – Vasco Graça Moura.

- “Por força de um atraso ancestral, a necessidade de uma escola qualificada que dê lugar a uma sociedade desenvolvida não está suficientemente clara na mente das pessoas. A escola, a boa escola, não ocupa ainda o lugar a que tem direito” – Carlos Fiolhais.

- “É indesculpável que um professor - qualquer professor! - não saiba escrever, cometa erros de ortografia graves, tenha limitações sérias no vocabulário, não faça ideia do que é a lei da queda dos graves, não saiba somar fracções ou confesse ‘horror à matemática’” – Nuno Crato.

- “Estão-se a formar ignorantes às pazadas” – Medina Carreira.

- “Devido à irresponsabilidade dos governos, ao populismo dos parlamentares e à cobardia dos docentes, a universidade degradou-se para além do razoável” – Maria Filomena Mónica.

- “A ideia de democratizar o ensino superior pela via da banalização do acesso e pela crescente degradação da sua qualidade não é somente um crime contra a própria ideia de ensino superior, é também politicamente pouco honesta” – Vital Moreira.

É esta a educação que temos com semelhanças à dos tempos de Platão que, quando confrontado com a incapacidade das crianças em contarem e distinguirem os números pares dos ímpares, afirmou com desalento: “Quanto a mim, parecemo-nos mais com porcos do que com homens, e sinto-me envergonhado não só de mim mas de todos os gregos!” É esta a educação que devemos continuar a tolerar?

Neste final de ano, mais do que tolerá-la se deseja que delas se orgulhem todos os portugueses por, segundo o primeiro responsável pela governação de Portugal, “termos mais de 17% de alunos no ensino superior e 360 mil portugueses que, estando a trabalhar ou à procura de emprego, decidiram inscrever-se no programa Novas Oportunidades para melhorarem as suas classificações” (“Lusa”, 25.Dez.2007). Um autêntico país das maravilhas não se desse o caso de nessa percentagem estarem incluídos os que tiveram acesso a ensino superior por serem maiores de 23 anos, ou seja em situações em que a simples data de nascimento se fez substituta do exigente 12.º ano do ensino secundário, e de nas Novas Oportunidades “os frequentadores da escola terem uma vontade incrível de não aprender e não deixar aprende” (“Expresso”, 8.Dez.2007).

E se, para Woody Allen, “o político de carreira é aquele que faz de cada solução um problema”, a solução para as declaradas deficiências do sistema educativo nacional têm tido guarida em acrescentar-lhes novos problemas dando-lhe o nome de soluções. Foi esta uma parte da mensagem natalícia de esperança no futuro da educação; “ resto da mensagem foi José Sócrates a dizer bem dele mesmo e das suas políticas” (“Público”, 26.Dez.2007).

9 comentários:

jcs_59 disse...

Meu amigo, como até as pessoas inteligentes (como não tenho dúvida de que é) se enganam e não reparam que estão enganados mesmo vários anos depois de continuarem a insistir no mesmo erro.

Então não vê que os responsáveis que estão a tomar as decisões políticas que vão moldar o nosso futuro, o estão a fazer na continuidade de tudo o que têm feito desde há mais de 30 anos? Que espera que possa mudar? São as mesmas lógicas eleitorais e as mesmas pessoas, dos mesmos partidos, que nunca tiveram formação específica na área (ou tiraram uns cursos 'à pressão' para legitimar o seu estatuto político) e que nunca atingiriam a notoridade a não ser por via administrativa ou política. Pessoas medíocres, enfim.

A Ministra Lurdes Rodrigues divulgou o diagnóstico patente no estudo da OCDE porque vinha mesmo a calhar para permitir à maioria xuxalistas o assalto aos ordenados dos professores e ao poder nas escolas. Não há dúvida que a educação e a saúde vão ser óptimos negócios, por isso estão a ser gradualmente controlados, desmantelados e proletarizados... a preparar a sua privatização que daqui a uns anos todos vão desejar e que vai beneficiar os mesmos grupos financeiros de sempre.

Mas não pense que o Ensino Superior vai ser diferente. Os coiotes já uivam (quem é que falou na Filomena Mónica?) e o Ministro Gago não vai continuar a resistir aos interesses que o acossam cada vez mais. O caso da Independente veio apenas mostrar que o sistema de universidades privadas actualmente existente não presta, mas há outros alternativos)... e o estudo do MIT mostra que o sistema de universidades públicas também não está melhor.

Por outro lado, o super-ávit de licenciados, mestres e doutores não é indicador de nada de bom para as instituições de ensino superior.
Vai haver necessariamente uma erosão dos poderes de dezenas de anos dos grandes 'dótores' dos grandes departamentos das grandes institutos e faculdades, porque as pessoas vão cada vez ser obrigadas a optar por procurar trabalho - e estudos - nessa Europa e nesse Mundo, onde os empregos pagam e os cursos são reconhecidos.

As nossas gigantescas Universidades, caras máquinas de gerar desempregados diplomados, estão a tornar-se caras demais e desinteressantes demais, para o país de supermercados, centros comerciais e instituições financeiras em que o centrão nos transformou.

Sai mais barato obrigar o povo a ter os filhos a Espanha... daqui a uns anos vão descobrir como sai mais barato que depois eles vão tirar os seus cursos superiores por lá (ou mais longe) - se o conseguirem pagar.

De qualquer maneira, depois - para arranjarem um emprego decente - têm que ir dar aulas para o Reino Unido ou trabalhar em Macau...

Para este cantinho à beira mar plantado, o que o poder precisa é de gente estúpida e submissa para votar em quem lhes dizem e comprar o que lhes aconselham. É que se pouco mudou entre 1908 e 2007, como pode pensar que algo vai mudar até 2106?

Anónimo disse...

Posso não estar de acordo com muita coisa desta resposta, mas a única que me faz escrever é a afirmação de que nada mudou no último século!

Mudou e muito! A única coisa que não mudou foi a vontade de discutir os problemas comparativamente ao entendimento necessário para os resolver.

Penso que o que define melhor os portugueses, generalizando, é o "8 e 80". Explicando, ou não fazemos nada ou queremos fazer tudo! e acabamos por não fazer nada de útil.


Ricardo Figueira

Anónimo disse...

Uau !!
Redimiu-se daquele post aqui há umas semanas.

Rui Baptista disse...

Caro Jorge Figueiredo: Para me confrontar com as minhas próprias opiniões expressas neste post e no post anterior que refere, peço-lhe o favor de referenciar o respectivo título. Desde sempre, tenho defendido o direito ao contraditório, aliás, posição seguida pelos autores deste blogue. Fá-lo-ei uma vez mais e tantas as veze quantas as necessárias. Votos de um bom ano novo. Em devido tempo, responderei aos 2 comentadores anteriores a quem, igualmente, torno extensivo os desejos de um ano melhor que este que está prestes a findar.

Rui Baptista disse...

Por lamentável omissão, não incluí entre as personalidades que têm denunciado o estado caótico da Educação, a opinião do respeitado sociólogo e académico António Barreto:

"(...)fazer entrar o maio número de estudantes, sem consideração pelo mérito; formar técnicos de medíocre qualidade, sem zelar pela qualidade das instituições; libertar os docentes da tarefa de seleccionar; e transmitir à população a ideia de que o acesso à universidade é um direito de todos, tal como a protecção na doença e na velhice" - Rui Baptista, "Do Caos à Ordem dos Professores", edição do SNPL, Janeiro 2004, p.41.

Com o pedido de desculpas e porque, como diz o povo, mais vale tarde do que nunca, aqui fica a necessária e mais que justa correcção.

cs disse...

eu gostei muito deste post, como aliás de tantos outros parecidos que por esta blogosfera vou lendo....e assino por baixo.

Rui Baptista disse...

Caros amigos scs_59, Ricardo Figueira, Jorge Figueiredo e cs: Obrigado pelos vossos comentários. Mais do que aquilo que escrevo nos meus post's, valorizo os comentários que lhes são feitos. Para quem, como eu, tem várias centenas de artigos de jornais publicados,esta a grande vantagem que encontro no mundo dos blogues: haver um "feed-back" que nos chega, seja através de comentários de apoio ou de discordância(para mais se feitos com a elevação e cortesia dos vossos). Nos órgãos de informação quantas vezes não silenciam a vozes discordantes? Para vós,a menos de 12 horas deste fim de ano, um abraço com os votos de um óptimo ano novo.

Anónimo disse...

Caro Rui Baptista,gostei desta série de "apanhados" sobre o estado, (mas que estado...!) a que chegou a educação em Portugal nestes tempos que vivemos. Digo-lhe eu que no futuro não será melhor. Oxalá me engane... Andamos mesmo a diplomar autênticos analfabetos.
Um abraço e que não lhe doa a mão nem a voz para continuar a sua cruzada em prol de uma educação para o saber e a cidadania.

Anónimo disse...

Sobre a educação, como sobre toda a sociedade em geral, hoje em dia, pode aplicar-se o antigo rifão:

"A liberdade é que é velha; e só o despotismo é que é novo".

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