quarta-feira, 12 de setembro de 2007

A CIÊNCIA DAS GRAVATAS


Como eu não sei dar um nó de gravata decidi outro dia presentear-me com um livro sobre nós de gravatas. A contracapa era convidativa: anunciava “uma obra-prima do absurdo de dois cientistas de Cambridge”, recomendava “mais elegância no pescoço” e garantia proporcionar ao leitor “horas de prazer inofensivo diante de um espelho”. Senti-me bastante ignorante ao saber pelo título da obra de Thomas Fink e Young Mao - “As 85 maneiras de dar um nó de gravata” - que havia não uma mas 85 maneiras de dar um nó de gravata.

O livro em causa é uma verdadeira fonte de sabedoria gravatal, contendo tudo aquilo que qualquer homem (se calhar também uma mulher) sempre quis saber sobre gravatas e nunca teve a coragem de perguntar. Assim como se pode mudar de camisa e de gravata, também se pode mudar de nó de gravata, sendo precisas 85 vezes para voltar ao nó do início.

Os autores são físicos computacionais da Universidade de Cambridge que conseguiram descobriras 85 maneiras – isto é, todas - de dar o nó. Eu, que também sou físico computacional, já sabia que estes ilustres colegas tinham publicado em 1999 na revista “Nature” um artigo de investigação intitulado “Fazer nós de gravatas com passeantes aleatórios”. Mas nunca pensei que a mecânica estatística – um dos ramos mais esotéricos da física teórica - podia ser aplicada a uma coisa tão prosaica como os nós de gravatas (afinal, apenas um pano enrolado ao pescoço). E que um livro popular pudesse ser feito com base nela. Aviso que o apêndice matemático, que explica com admirável precisão todas as possibilidades dos nós gravatais, está apenas ao alcance de alguns “experts” (a tradução portuguesa é má nas partes técnicas, mas o leitor vulgar nem se aperceberá disso).

Agora diante do livro e do espelho já posso dar não só um mas vários nós decentes. Os dois colegas de Cambridge descobriram algo pelo qual não só eu, mas toda a humanidade (pelo menos metade dela) lhes deve estar grata. Eles conseguiram enumerar até à exaustão os nós de gravata, escolhendo até de entre todos eles os que possuem mais simetria e mais equilíbrio. Sim, os aspectos estéticos são descritos no apêndice por elegantes equações matemáticas. É a matemática, que alguns julgam inútil, que assegura a “elegância no pescoço”!

Só alguns dos 85 nós é que têm nomes: o Oriental, o Corredio, o Kelvin, o Nicky, o Pratt (um dos últimos a ser descoberto, não é verdade que não haja inovações na moda masculina), etc. Há 15 nós de gravatas com nome, portanto bem menos do que os nós sem nome. Mas não há muito mais estrelas do no céu do que nomes de estrelas?…

De que os físicos se haviam de lembrar! Já tinha havido um físico, Brian May, que de astrofísico prometedor passou a guitarrista dos Queen, depois a guitarrista a sólo e de novo a astrofísico, agora doutorado; já tinha havido um outro, Paul Verhoeven, que de físico-matemático promissor passou a realizador de cinema bem sucedido (“Desafio Total”, “O Homem Transparente”, "Showgirls", etc.). Outro fisico é o recordista do mundo do triplo salto, Jonathan Edwards (o campeão do mundo português Nelson Évora está longe do recorde dele, do qual alguns atletas brasileiros como Jadel Gregório e João Carlos de Oliveira se aproximaram mais). Mas os físicos Fink e Mão tornaram-se vendedores de gravatas: se não as vendem directamente pelo menos ajudam a vendê-las pois há decerto quem não queira desmanchar os nós que tenha em casa e compre novas gravatas só para dar os novos nós…

E o que se aprende em livros como este... Fink e Mao citam Alan Flusser, autor de “Style and the Man” (Villard, Nova Iorque, 1988), um livro notável que se não fosse a citação eu nunca iria ler:

“Se bem que possa ser aceite em Inglaterra, o comprimento de qualquer gravata não deve pender abaixo do cós das calças. Caso a gravata seja demasiado longa, deve meter-se o excedente ofensivo por dentro das calças, ao estilo Fred Astaire ou duque de Windsor. Decerto que a extremidade ficará amarrotada, mas se for usada sempre da mesma maneira, ofenderá apenas as suas partes íntimas.”

Fink e Mao corrigem esse autores aconselhando-nos a não fazermos isso. Com grande sabedoria, recomendam a seguinte solução para as gravatas demasiado compridas:

“Em vez disso, desfaça o nó da gravata e tente de novo; depois de a parte da frente ter o comprimento apropriado, a extremidade passiva pode, se necessário, ser metida entre dois botões da camisa”.

Caso em que, acrescento eu, ofenderá apenas as partes do peito. O que vale é que se trata, na linguagem da ciência das gravatas, da extremidade passiva…

- Thomas Fink e Young Mão, “As 85 maneiras de dar um nó de gravata. A ciência e a estética dos nós de gravata”, Dom Quixote, Lisboa, 2003.

8 comentários:

Graça disse...

Obrigada por nos ter feito rir tanto !!! (eu e o meu marido matemático).

Este livro não será um sério candidato aos IGNÓBEIS???

E agora percebo por que um arqueólogo meu amigo de Oxford, ao referir-se a Cambridge, acrescenta: "some would say: the other university..."

Graça

Anónimo disse...

Ó meu amigo Carlos Fiolhais, e foi preciso escrever um livro a quatro mãos para ensinar a fazer um nó de gravata? E ainda para mais que, como solução da ponta comprida, se limita a recomendar que se a esconda dentro das calças? Quantos homens já chegaram a essa conclusão sem precisar de ler uma linha sequer a respeito de gravatas! (Esse tipos não terão conseguido o doutoramento por terem sido bons remadores ou coisa parecida?)

Kynismós! disse...

O valor disso está no limite de 85 nóis... fiquei curioso de saber como se prova isso.

Anónimo disse...

Só costumo fazer 3 tipos de nós... mas acho que estao a limitar a imaginação com 85 nós ..
Creio que é mais como o bacalhau, devem de haver mais que 85 formas de o "cozinhar"...

Anónimo disse...

"Os dois colegas de Cambridge descobriram algo pelo qual não só eu, mas toda a humanidade (pelo menos metade dela) lhes deve estar grata"

Mais de metade da humanidade vive na pobreza. Duvido que estejam gratos.

Existe um ramo da matemática dedicada aos nós. O caso da gravatas já havia sido estudado à exaustão.

Anónimo disse...

Pois... se para usar uma gravata temos 85 possibilidades de dar o nó, quantas não existirão para apertar os atacadores dos sapatos... eis mais um tema deveras útil e interessante a investigar pela ciência...
Pelo menos talvez seja um modo de alguns pais conseguirem ensinar os filhos a efectuar tal proeza, ou então que surjam sugestões sobre o que fazer com os excedentes de atacador, de forma a não tropeçar neles...

Anónimo disse...

"Teresa Marques said:
Pois... se para usar uma gravata temos 85 possibilidades de dar o nó, quantas não existirão para apertar os atacadores dos sapatos... eis mais um tema deveras útil e interessante a investigar pela ciência..."

E não é que já começou a ser investigado!
Ver:

Burkard Polster, The Shoelace Book: A Mathematical Guide to the Best (and Worst) Ways to Lace Your Shoes, American Mathematical Society, 2006.
http://www.ams.org/bookstore-getitem/item=MAWRLD/24

http://www.ams.org/notices/200611/rev-adams.pdf

Alvaro Augusto W. de Almeida disse...

Apesar da profusão de possibilidades, a maioria dos homens pode viver confortavelmente sabendo como fazer apenas um ou dois nós. O mesmo não se pode dizer sobre o comprimento das gravatas. Pontas compridas demais ou curtas demais são sinais de amadorismo!

[ ]s

Alvaro Augusto
http://www.alvaroaugusto.com.br

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