terça-feira, 14 de agosto de 2007

GRANDES ERROS

No última revista do "Expresso" a jornalista e escritora Clara Ferreira Alves escreve uma excelente crónica, intitulada "Coisas de Verão"(o título coincide com o de um romance de Joseph Connolly), na qual fala de coisas de ciências misturando-as com coisas de letras, no estilo a que já nos habituou e que tantos admiradores tem. Muito bem! Mas há no escrito, além de pequenas gralhas sem importância ("Hadron" e "Houellebecq" aparecem uma vez mal escritos), um grande erro. Transcrevo o início da crónica:

"HÁ UMA DATA de coisas que faço no Verão e que não consigo fazer no resto do ano. Uma delas é olhar o céu numa noite perfeita de calor e descobrir o rasto da Via Láctea, vaporosa como um véu de tule pontilhado de diamantes. Não se trata de romantismo estival e sim de contemplação de todas as coisas que não vemos durante o ano de trabalho. A Via Láctea, por exemplo, invisível nas cidades a olho nu, é uma constelação na qual não reparamos excepto nos manuais da escola ou como material de explicação aos mais pequenos, meninos, sabem o que é a Via Láctea ou Estrada de Santiago? É uma constelação. Sabem o que é uma constelação?"

Sim, nós sabemos o que é uma constelação. E a Via Láctea não é uma constelação: é uma galáxia. É a galáxia à qual pertence o Sol, a nossa galáxia, que por isso se costuma escrever com maiúscula: a Galáxia (a foto mostra um panorama tirado no hemisfério Sul). As constelações são grupos de estrelas às quais "o olho e a imaginação humana associam certas figuras" (cito de um meu manual de Ciências Físico-Químicas do 7º ano). Um exemplo bem conhecido é a Ursa Maior. Todas as constelações que vemos da Terra são formadas por estrelas pertencentes à Galáxia. Além da Galáxia, a única outra galáxia que se vê a olho nu da Terra do hemisfério Norte é a Andrómeda, situada na zona da constelação de Andrómeda. É o objecto mais pequeno que conseguimos ver à vista desarmada, apesar de essa galáxia ser muito, muito maior do que a nossa. Do hemisfério Sul vêem-se a olho nu duas galáxias, mais pequenas e mais perto da nossa: as Nuvens de Magalhães.

Confundir galáxia com constelação é, mal comparado, como confundir um excerto do "Hamlet" (por exemplo, "há mais coisas no céu e na Terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia") com a tragédia toda. Enfim, coisas de Verão!

29 comentários:

Carlos Medina Ribeiro disse...

Quando, no sábado passado, li essa barbaridade, proferi uma imprecação e quase atirei com a revista pelos ares.

Ao pé de mim, estava uma pessoa com formação em "Letras" que quis saber o motivo da minha irritação. Disse-lho.

A resposta foi a que, decerto, daria a autora da crónica:

«Mas isso que importância tem?!»

Ciência Ao Natural disse...

Caro Carlos Fiolhais,

Gostei bastante do reparo que fez mas mais da forma como, no final, a enquadrou.
Também já me deparei com "barbaridades" desse tipo embora referentes a conceitos evolutivos e depois de os apontar, desde a mesa do café até a cartas ao director em diversos jornais, ser confrontado com comentários displicentes do tipo "lá estão os da ciência a serem preciosistas!!".
Erros em História, Literatura ou Cinema são intoleráveis; mas confundir conceitos de Física, Matemática ou Biologia parecem ficar bem e serem desculpáveis...
Ainda hoje aguardo comentários por parte do Oceanário à quantidade de erros científicos da exposição "Monstros Marinhos" compilados em:

http://cienciaaonatural.blogspot.com/2007/07/monstros-marinhos-e-rigor-cientfico.html

Cumprimentos

Luís Azevedo Rodrigues

Carlos Medina Ribeiro disse...

Há, muitas vezes, um certo snobismo na exibição da ignorância: o pequeno-burguês urbano-tonto, em vez de dizer «Não sei, mas tenho pena», diz «Não sei, nem quero saber» - e com isso, coitado!, acha-se superior...

Fernando Martins disse...

Existe, em Ciência, o conceito de revisão pelos pares, que impede que certas atrocidades chegam à luz do Sol. No jornalismo português acontece às vezes a mesma coisa - uma entrevista a um cientista que fica mutilada e imprecisa (daí muito gente da ciência que eu conheço se recusa a falar com jornalistas...). É ainda por isso que eu acho que, visto às vezes colocarem aqui textos de Astronomia e Geologia, deviam ter cientistas destas áreas para rever aqueles pormenorzinhos que por vezes dão cabo de um texto que até estava bem conseguído.

Anónimo disse...

As mais frequentes “barbaridades” aparecem normalmente associadas às unidades de energia e potência, que os profissionais da comunicação social se revelam incapazes de assimilar.
A melhor de todas, para mim, saiu numa notícia do DN de 29/05/2004, que rezava assim :
Iberdrola adjudica contrato à Efacec - A companhia de electricidade espanhola Iberdrola, que em breve pretende abrir uma filial em Lisboa, adjudicou à Efacec, através da sua filial de engenharia e consultoria Iberinco, um contrato para fornecimento de um transformador com potência de 63 megavátios amperinos, no valor de 575 mil euros.

Megavátios amperinos !! Julgo que "melhor" é difícil...

Jorge Oliveira

Anónimo disse...

Inacreditável! Realmente, que importância tem, a nível de uma crónica, que se situa entre o registo denotativo e o conotativo, confundir "constelação" com "galáxia"? Acaso a Clara pertendeu pretndeu fazer um tratado sobre a matéria? Já não há direito ao uso comum da linguagem numa crónica? E fala-se ainda em "gralhas" quanto à grafia de dois nomes arrevesados.
Olhem primeiro para as coisas que escrevem. Mais grave é ainda não terem aprendido as regras de acentuação em português. Neste "post" lê-se 2 (duas) vezes o lexema "nu" escrito de forma acentuada. Tal como "cu", por exemplo, não tem acento.

Anónimo disse...

Leia-se "pretendeu", no comententário anterior; um dos grafemas foi comido pelo teclado.

Anónimo disse...

ai! outra gralha!

Anónimo disse...

O Luís que me desculpe, mas cu de vez em quando convém que tenha acento, senão não há pernas que aguentem.

Artur Figueiredo

Anónimo disse...

Sr. Artur,

Cada um fala do que sabe, né? Eu limitei-me a dar exeemplos. Foi apenas nessa linha. Mas acho que não compreendi bem o que quis dizer. Would you mind, please?

De Rerum Natura disse...

Já emendei o "nú" para "nu". Obrigado pelo reparo!
Carlos Fiolhais

Anónimo disse...

Por falar nisso, vou-me acentar no çofá que a "praia" está feita por hoje...

Artur Figueiredo

Anónimo disse...

Olha, esqueça! É que já corrigiram. Do mal o menos...Vá lá!
(não sei se há gralhas)

Anónimo disse...

Luís, fiz um simples trocadilho com acento e assento. Possivelmente um trocadilho sem graça, mas em relação a essa parte do seu comentário não tenho nada a acrescentar.
Já em relação à primeira parte do seu comentário permita-me que discorde consigo por inteiro. Não consigo aceitar que pessoas com responsabilidade se dêem ao luxo de divulgar erros que podem ser perpectuados pelos outros interminavelmente. Para isso já nos chegam os jornalistas!

Artur Figueiredo

Anónimo disse...

Artur, o seu trocadilho, se é que o percebi, teve graça, sim. E também achei graça a essa ideia de a praia estar "feita" por hoje. E, claro, o meu amigo acenta-se onde muito bem lhe apetecer. Estamos na "silly season" (mas não apenas por isso), e o bom humor faz parte.
Falando mais seriamente, reitero, contudo, a natureza específica de uma crónica, absolutamente despretenciosa quanto ao discurso científico. Eu também não sei a diferença entre uma galáxia e uma constelação; e também já me esqueci de como se faz a prova dos 9. É que não sei, nem me interessa saber... Há mais mundos, como diria o poeta!

Anónimo disse...

A última vez que me deparei com um erro deste tipo foi num teste de língua portuguesa da minha filha (4º ano, 1º ciclo), que a própria professora me mostrou. Na composição do teste era pedido para se desenvolver uma história em que os intervenientes eram uma família de raposas. No texto da minha filha destacava-se um erro emendado a vermelho: onde estava escrito "pai raposa", a professora riscou e substituiu por "lobo".

guida martins

Anónimo disse...

Claro, depois da jornalista, metemos brasa nos profs. Que ignorantes! Sra. Guida, felicito-a por tão arguta correcção à correcção da pobre professora! Vamos fazer a caça ao erro, para brilharmos mais!
Viva a ciência!
Bravo!

Anónimo disse...

Luís não me leve a mal a linguagem, mas o que me apetece responder-lhe é:
-Despretensiosa o tanas!
Porque a Clara Ferreira Alves termina o excerto que aqui está com: "meninos, sabem o que é a Via Láctea ou Estrada de Santiago? É uma constelação. Sabem o que é uma constelação?". Parece-me ser evidente uma pretensão pedagógica da autora.

Mas o exemplo que a Guida deixou entretanto é bem elucidativo dos resultados desta aptência para o jogging intelectual, que eu também aprecio, mas sem erros de conteúdo.

Luís, eu acho que a humildade é das poucas coisas cujo excesso não causa problemas e tal como ainda agora se acabou de ver com o professor Fiolhais, não faltarão oportunidades à Clara de se fazer entender mais correctamente.

Luís, com um abraço,
Artur Figueiredo

Anónimo disse...

Caro luís

Eu não diria pobre professora mas sim pobres alunos. E não corrigi a professora, aprendi, enquanto aluna, que há muitos professores que não gostam que se lhes corrijam os erros...

guida martins

Anónimo disse...

Eu penso que o Carlos Fiolhais tem razão em chamar a atenção para o erro da CFA. A senhora dispõe de uma tribuna privilegiada, quer no no Expresso, quer num programa de TV, onde expende as suas opiniões com extrema convicção e até alguma dureza, chegando a ser agressiva com algumas figuras públicas. Quem se expõe desta forma tem de estar seguro do que diz. A confusão entre galáxia e constelação revela uma dose de ignorância que dificilmente se aceita num colunista de um jornal de "referência".
Jorge Oliveira

Anónimo disse...

Cara Guida,

Vejo que, enquanto aluna, a sua preocupação era corrigir os professores e, enquanto mãe, corrige os erros da professora da sua filha... Fico por aqui. Palavras, para quê?

Anónimo disse...

Actualização de gralhas, erros ou lapsos:
"despretensiosa" - 1 reguada pa mim;
"perpetuado" e "apetência" - 2 reguadas pó Artur;
confusão sobre as espécies animais - 5 reguadas pá professorinha!
UI!!!

Anónimo disse...

Luís, da minha parte, obrigado pela correcção ortográfica.
Artur Figueiredo

Anónimo disse...

Caro luís

Vá lá, ao menos escapei das reguadas!

Como aluna tive várias preocupações, entre as quais se contam ter feito o 12º de ciências e também o de letras, pelo que os meus lemas são "Viva a Ciência!" e "Vivam as Letras!", ao contrário do seu que é "Viva o Erro!".

guida martins

Anónimo disse...

Cara Guida,

É claro que escapou das reguadas. Pensei que percebesse a ironia. Tou pasmo! Não era eu que as ia aplicar, né? A Guida só não escaparia se gostasse de se auto-flagelar! LOL
Parabéns por todos esses estudos multi-disciplinares. Mas olhe que nem tudo vem nos livros; há coisas que se aprendem cá fora, no dia-a-dia. E uma delas é respeitar os professores, mesmo quando eles possam, pontualmente, estar errados. Não faço a apologia do erro, mas da reserva, de algum pudor e do reconhecimento.

Carlos Medina Ribeiro disse...

O que está em causa neste post é o nível do erro. É que há gralhas, confusões, erros sem importância, simples calinadas e erros graves (ou "de palmatória") - sendo estes últimos os que dariam chumbo na antiga 4ª classe.
Na escola em que eu andei, não saber o que era uma constelação colocava o "artista" em pé de igualdade com os que não sabiam o que era (e ainda é...) um ângulo recto.

Claro que o caso é mais grave quando vem de alguém com alta escolaridade e com acesso a órgãos de comunicação social importantes, pelo que qualquer frase do género «que importância tem isso?» diz alguma coisa sobre quem a profere, muito sobre o estado do nosso ensino, e tudo sobre o grau de exigência para onde alguns nos querem empurrar: o ZERO.

Anónimo disse...

Diria que não é o nível de erro, mas de onde ele vem. Quem já atingiu o reconhecimento do grande público sorrirá por já não se lembrar da diferença entre uma constelação e uma galáxia; por já não se lembrar dos nomes dos ossos do corpo humano (que tínhamos de saber na 3ª classe); dos nomes dos rios de Moçambique ou quejandos, e por aí fora. Há uma diferença entre "une tête bien faite", que sabe pensar, e "une tête bien pleine", que não passa de um triste repositório de conhecimentos. Felizmente o nosso aparelho mental está atento e vai pondo na reciclagem o que não está a fazer falta. Se retivéssemos tudo o que aprendemos, o mundo seria intolerável. Só quem não percebe a economia do esquecimento perde tempo com minhoquices. Todos temos uma ideia (ainda quando difusa) da diferença entre uma constelação e uma galáxia. Que se pretenda que una crónica tenha um registo a nível do discurso científico parece-me insensato e, pior que isso, como dira o bom do Eça, uma enorme seca.

Ciência Ao Natural disse...

Caro Luís,

Como diria o ilustre filósofo renascentista Marco Twain "Always acknowledge a fault. This will throw those in authority off their guard and give you an opportunity to commit more."

É certo que todos temos necessariamente de seleccionar, voluntaria- e disciplinadamente ou não, a informação que retemos. Também é certo que ninguém aqui (julgo) tem a intenção de colocar em causa o mérito de Clara Ferreira Alves. No entanto, para que tenhamos a justa oportunidade de reter informação acertada, seria importante cultivar o rigor na divulgação de dados, sejam eles da área das ciências ditas "duras" ou das "moles" (?) e independentemente dos sentidos conotativos ou denotativos a emprestar a um texto de imprensa. Gostaria de saber que, ao ler uma crónica ou mesmo um comentário num blog, a pouca informação que vou reter é acertada: não que a Via Láctea é uma constelação ou que Mark Twain é um filósofo renascentista. Ou que o lobo é o marido da raposa...

Luís Azevedo Rodrigues

Anónimo disse...

Caro Luís Azevedo Rodrigues

Olhe, a Via Láctea é o que nós quisermos. Como se lê na crónica, ela é (como) “um véu de tule pontilhado de diamantes.” Negue, se puder. Como tal, se a Via Láctea pode ser “um véu de tule”, também pode ser uma constelação (leu bem, sim, a minha linguagem é que é diferente da sua). O erro é que alguém quis ver à lupa o que deveria ser visto a olho nu. Cito Clarice Lispector, aproveitando a onda das metáforas celestiais: “Eu me pergunto: se eu olhar a escuridão com uma lente, verei mais que a escuridão? a lente não devassa a escuridão, apenas a revela ainda mais”. No seguimento da metáfora do “véu de tule” cabia lá muita coisa, desde a constelação à galáxia. Eu até preferia que estivesse lá a palavra galáxia, mas apenas porque a palavra é mais sonora. Não pense que estou a brincar, estou a falar a sério. Mas há quem nunca venha a entender as ciências moles. LOL

NOVA ATLÂNTIDA

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