quinta-feira, 2 de agosto de 2007

DORIS DAY E A COMPOSTURA DAS PROFESSORAS


Tal como a mulher de César, também os professores, e especialmente as professoras, deviam em tempos não muito recuados, estar acima de qualquer suspeita no que se refere à compostura. Doris Day, que na fotografia se apresenta como uma discreta professora americana, teria de se apresentar de modo ainda mais discreto, caso o seu papel a situasse duas ou três décadas antes. Isto, entre outros requisitos que deveria apresentar, e que se enunciam no contrato de uma professora americana, redigido nos anos de 1920:

Este é um acordo entre Miss __________, professora e o Quadro de Educação da Escola, pelo que Miss __________ concorda ensinar durante um período de oito meses, com início em 1 de Setembro de 1923. O Quadro de Educação concorda em pagar a Miss ________ a soma de _____por mês. Miss __________ concorda em:
1. Não casar. Este contrato torna-se imediatamente nulo se a professora casar
2. Não andar na companhia de homens
3. Estar em casa entre as 8 horas da noite e as 6 da manhã, a não ser que esteja a desempenhar funções na escola.
4. Não passar as tardes nas gelatarias.
5. Não deixar a cidade, em nenhuma circunstância, sem a permissão do presidente do Conselho de Administração.
6. Não fumar cigarros. Este contrato torna-se imediatamente nulo se a professora for apanhada a fumar.
7. Não beber cerveja, vinho ou whisky. Este contrato torna-se imediatamente nulo se a professora for apanhada a beber cerveja, vinho ou whisky.
8. Não passear de carruagem ou automóvel com nenhum homem excepto com o irmão ou pai.
9. Não vestir de cores garridas.
10. Não pintar o cabelo.
11. Vestir pelo menos duas combinações.
12. Não usar vestidos mais curtos do que duas polegadas acima do tornozelo.
13. Manter a sala de aulas limpa
a) varrer o chão sala pelo menos uma vez por dia;
b) esfregar o chão da sala pelo menos uma vez por semana;
c) limpar o quadro pelo menos uma vez por dia;
d) acender o lume às 7 h. para que a sala esteja aquecida às 8 h., quando as crianças chegam.
14. Não usar pó de arroz nem pintar os lábios.

Apple, 1987 citado por Pokewitz, 1987, 73.


Passados uns anos, nós, por cá, estávamos próximos destas exigências, conforme se pode perceber da leitura do Decreto-Lei nº 27 279, de 24 de Novembro de 1936:

Artº 8º — É exigido comportamento moral irrepreensível para o exercício do magistério primário...
§ único — Será demitido o funcionário pertencente aos serviços do ensino primário que dê escândalo público permanente ou assuma atitude contrária à ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933.
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Foi recomendada às professoras e regentes de postos escolares toda a compostura nos trajes e proíbido o uso de pinturas.

Abílio Fernandes, 1958, 271.


Referências bibliográficas:
Fernandes, A. (1958). Elementos práticos de legislação escolar. Braga: Livraria Cruz
Pokewitz, T. S. (1987) (Ed.). Critical studies in teacher education. London: The Falmer Press.

3 comentários:

Anónimo disse...

A pergunta de José Oliveira é de resposta complexa. Temos vários exemplos de pessoas "bipolares" que desempenham bem o seu papel. O seu comentário leva-me a colocar a questão: "o que é um bom professor?". De resto, este é um assunto que porventura nos interessará reflectir sobre.

Maria Elvira Callapez

Anónimo disse...

Frequentei o 1.º ano da Secção do Liceu D. João de Castro, situado num palacete que foi demolido para dar lugar ao actual Centro Cultural de Belém. Recordo com algum carinho e saudade a professora de Matemática, sempre impecavelmente vestida e aprumada, educadíssima, com maneiras, e que, talvez por isso, exigia o mesmo dos alunos. Não que trajássemos como ela, mas que os nossos trajes, fossem eles ricos ou pobres, se apresentassem compostos, nos seus lugares,como se os estreássemos pela prmeira vez, e tivéssemos que nos apresentar nalguma cerimónia. E, como se não bastasse, exigia igualmente o cabelo bem penteado. Só para acabar, qando tínhamos a disciplinaa de matemática, aí íamos todos a correr à casa de banho, para arrumarmos e ajeitarmos a roupa convenientemente, e molharmos o cabelo para ser mais fácil o pentear e assentar os cabelos mais rebeldes. Até sentíamos que todo esse ritual contribuía também para inculcar em nós a disciplina, como se esta e o arranjo pessoal, fossem indissociáveis. A juntar a este panorama, a professora também nos transmitia a ideia de que a capacidade do seu ensino era inseparável da sua apresentação. Corria o ano de 1936, e só a guerra de Espanha seguida da II Guerra Mundial, nos destruíu aquilo que parecia um sonho na sala de aula de matemática do 1.º ano da Secção do Liceu D. João de Castro, situado num palacete que foi demolido para dar lugar ao actual Centro Cultural de Belém. É assim que não se destroem, apesar de tudo, os nossos sonhos da vida escolar.

Anónimo disse...

Tudo o que eu disse no anterior post está explicado no "habitus" de Bourdieu.

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